Uma Idade Media sem madeira.
No número de Janeiro da revista Desperta Ferro há uma ilustração de portada na que vemos a Pelaio e os seus seguidores defendendo-se do ataque das tropas muçulmanas em Covadonga. Um tira uma pedra outro uma javalina, outro dispara um arco e Pelaio anima a todos mentras um sacerdote reza —o que seica é imprescindível numa ilustração sobre Covadonga a pesar de não vir mencionado em texto nenhum.,
O chamativo é que os defensores estão assomados a um acantil de mais de vinte metros sem um parapeito ou varanda. Nem uma simples corda para se agarrar em caso de esbarar. Isto resulta credível?
Num comic dum autor asturiano, Gaspar Meana, a cova de Covadonga tem um aspecto moi diferente. Há duas construções de madeira que servem de fortificações. De feito não se chega a ver a cova!,
Há provas arqueológicas de que a reconstrução de Meana corresponde coa realidade? Não, e dificilmente pode havé-las. Mas é perfeitamente possível que tenha razão.
Se estivesse você numa cova que vai ser atacada. Trataria de a fortificar. Tentaria construir algum parapeito? Teria polo menos algum tipo de varanda para evitar cair ao vazio no processo de tirar uma pedra ou javalina?
São perguntas que se contestam por se mesmas. E, sim, Pelaio sabia sem dúvida nenhuma que ia ser atacado nessa cova. E sabia, porque fora el o que escolhera o lugar do combate. Tinha, já que logo, tempo e oportunidade para se preparar e resulta difícil de crer que não o fixera; sobre todo, porque ganhou.
Em resumo, a reconstrução de Meana não se pode demostrar, mas o da portada de Desperta Ferro não tem pés nem cabeça.
Isto é um exemplo entre muitos dum erro recurrente nas ilustrações, que pretendem amosar como era a vida na Idade Media: falta madeira por todas partes. Faltam telhados nas torres e muralhas dos castelos e vilas, porque na Galiza da Idade Media também chovia. Polo mesmo motivo, faltam pórticos diante das igrejas para se resgardar da chuva; e isso a pesar de que conservamos varios em pedra (na catedral de Lugo e de Tui). Ou ocos nas paredes doutras igrejas, onde encaixar as vigas. Mas a maioria das reconstruções, bem em desenho, bem em 3D, esquecem isto.E o desenho de São Bartolomé o Velho de Pontevedra por Celso García de La Riega é considerado "imaginativo" porque inclue um pórtico.
As reconstruções de Viollet Le Duc da catedral de Notre Dame ou das muralhas e o castelo de Carcassonne, tão criticadas, são mais reais que deixarem os edifícios coa pedra á vista. E basta compara-las cos castelos da Alemanha e outras nações da Europa Central que estiveram habitados continuamente até a actualidade, há madeira a esgalha.
Mesmo ao comparar as imagens do Livro das Fortalezas de Duarte de Armas, de princípios do século XVI, cos castelos que se conservam e percatar-se de que os desenhos feitos na época, por exemplo o castelo de Barcelos, seriam considerados fantasiosos por muitos se vistos numa reconstrução, e são ilustrações da época.
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O caso que nos toca mais de perto é a ilustração da fortaleza de Valença no que se vê perfeitamente Tui. E a torredo claustro da Catedral, que tem telhado na ilustração, não tem a dia de hoje telhado nenhum.