Que falam os galegos?


Hoje pretendo falar dum blogue. Não do meu, que de momento não tenho. Bom, dum blogue e da nossa lingua aquém e além Minho e as estranhas percepções que podem infundir-se a uma população através dos media.

Tal vez muitos dos que leiam este artigo saibam já da existência de “Certas Palavras” de Marco Neves. Quem não conheça pode experimentar nesta ligação (http://www.certaspalavras.net/o-que-ouvem-os-portugueses-quando-ouvem-galego/).

Nem sempre, claro está, fala da variante nossa da língua comum. Mas, conhecedor da nossa existência, procura explicar o que para os portugueses significa a nossa maneira de articular o idioma.

Do post da ligação podemos extair estes treitos para ilustrarmos o que eles acreditam e, tal vez, tirar umas conclusões.

O Marco Neves escreve no post: Quando um português ouve um galego a falar, tenta situar-se: se ouvir vogais abertas e uma certa entoação, vai arrumar a língua na gaveta do espanhol. … A lógica é simples: é algo parecido com o português e soa a espanhol. Logo, é espanhol.

Olhem que o sotaque é o que leva aos portugueses a identificarem a nossa maneira de falar com o espanhol. As vogais abertas, que resultam tão significativas para os espanhois nos classificarem como gallego, no?, resultam ser um factor determinante da confusão para os portugueses.

Não resulta chocante numa variante (muitas na realidade) que têm como modelo a desaparição das vogais átonas, difundida desde Lisboa para o país tudo. Antes da televisão se ensenhorear das vidas e mentes de todos, o português do norte era uma gradação entre o nosso sotaque e o do Alemtejo que agora ganha carta de modelo oral além da raia. Como aquém ganha o acento de Burgos entre as meninas e meninos! As séries e debuxos vêm envoltos em entoações canhis.

Para além disso a perspectiva desde os media, portugueses e galegos, reforça a ideia de que a Galiza é apenas uma região de Espanha e não se fazem muitas questões sobre nós. Como recriminar essa ignorância se nós mesmos (como povo, suponho que os leitores destas linhas não, claro) nos ignoramos até límites incríveis.

Ainda há um outro treito que me fez pensar. Ele diz: o meu sogro confessou-me ver, por vezes, a TV Galiza: havia quem falasse português por aquelas bandas. Eis que o sogro do sr. Neves, que eu acredito ser minhoto ou transmontano ou próximo a esses territórios por lhe chegar a sintonia da tevegaita, acha ouvir galegos a falarem português. Serão aqueles que ainda conservam o sotaque tradicional são e vivo. Nomeadamente os mais velhos por mais que haja raparigas e rapazes que o conservem! (ver o vídeo de “Ben falado”
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). Os mais, cada vez mais soamos a espanholitos. Creio justo dizer que os portugueses de Portugal têm qualquer prejuíço respeito dos que falam o seu idioma sem o “seu” sotaque, qualquer um deles. E se falas com o seu sotaque tens de ser português... se es quem de os “imitar” e falar como um português competente ficam surpreendidos quando descobrem que es “espanhol”.

Não acontece assim com os brasileiros que têm uma perspectiva menos condicionada (com excepções claro) respeito do que é o seu idioma e aceitam bem que um galego, no uso da sua lingua, fala algo que identificam como próprio. Pola nossa parte também é mais simples de compreender o seu modo de articular o idioma do que o dos lisboetas e imitadores de onde quer que forem.

Eu ainda diria que o vocabulário espanholizado ajuda bastante a profundizar na confusão. Os galegos tenhem por sua vez a ideia de que o vocabulario do espanhol e apronuncia à espanhola e mais inteligível fóra e agem com esse pensamento como guia... Obscurecendo, muitas vezes, a mensagem quando se trata de entender-se com os portugueses. Certo que há vocabulário divergente mesmo contraditório (nomeadamente com o escolhido por oficial do reino), mas o grosso do idioma é similar, mesmo idêntico.

Para além do vocabulário em sentido estrito (léxico), deveriamos também reflexionar sobre a fraseologia (giros e ditos) a mais dela tirada do madrilenhismo mais casposo. E mesmo outros “marcadores de saúde lingüística” como o uso do infinitivo conjugado, do futuro de conjuntivo, a colocação do pronome átono... e muitos outros elementos estruturais do idioma que determinam uma necrosação intensa do tecido social da lingua.

Ao longo dos anos tenho ouvido, centos de vezes, o mantra eles (os portugueses) non saben de nós, por que imos aproximar-nos deles...? Para sobreviver. Menos mal que nos queda Portugal. Os recursos dos que um dispõe há que aproveitá-los. Imaginem por um momento sermos vascos ou catalães... Sem uma lingua internacional ao alcanço da mão... Ninguém lembraria já o tempo em que eramos uma nação sem estado com lingua de seu etc... O perigo de desaparecer como povo não vem, nem viu nunca, do imperialismo lusista. Foi sempre o resultado duma política de erradicação dos políticos espanhois (muitos deles nacidos na Galiza).

Nos meus 25 anos longos de docência da lingua, esperimentei o declive do falar enxebre das alunas e alunos que procediam do rural. Naquela altura, alá polos noventa, muitos deles reconheciam como próprios, ainda que não os usassem já, giros e estruturas comuns com o português; sabiam, quanto menos em teoria, servirem-se do infinitivo conjugado... Em fim tinham a norma (não a normativa) do galego na parte da mente onde se practica a competência lingüística, sequer passiva. Hoje muitos têm dificuldades para articular um discurso no nosso idioma. São aprendizes duma lingua estrangeira: o galego normativo.

Como não vai ser assim? Todo o material cultural que manejam em galego é um pálido remedo dos modelos espanhois, mesmo no lingüísitico. Os livros de texto, os professores (mesmo os da materia específica de lingua), as leituras obrigadas parecem usar o espanhol maquiado por um tradutor automático para simular ser galego. E isto acontece a cada dia mais por efeito das escolas e das escolhas normativas amplamente difundidas que, ó casualidade! são devedoras do modelo espanhol em tudo ou quase.

Nem os nossos intelectuais conseguem evitar a atracção fatal, e fácil por outra parte, do espanhol. Não é a primeira mulher culta ou primeiro homem culto que confesa, sem sentir rubor, ler o prémio nobel do nosso idioma traduzido!

Se formos às colaborações com a lusofonia da Tevegaita comprovaremos que dobram os actores portugueses e brasileiros... ao galego! Não seja que os galegos fiquem chocados de compreenderem-os no seu sotaque natural! Nas contadas ocasiões em que os cinemas projectam películas em galego as bilheteiras advertem-che de o filme estar em galego...

Nos quiosques e livrarias (com contadas excepções que ainda fazem mais excepcional a presença da nossa cultura na nossa vida) achar livros em galego oficial é difícil, por vezes até chos pedem à editorial! Mas achar livros, jornais, jogos ou o que quer que for em português é inviável. Mesmo che contam o difícil que é encomendar de lá pr'acá... Eu, por internet, tenho o que peço em três ou quatro dias laboráveis.

A modo de conclussão.

Este divórcio entre galego e português, que para outros não chegou a ser matrimónio (veja-se o poema de João Verde (1866-1934) na fotografia e na transcripção abaixo) e ficou em namoro, não é o produto duma inadequação dos contraíntes, nem sequer de dificuldades derivadas dos seus hábitos prévios. Polo contrário é o resultado duma política afixada e seguida com continuidade polos centros de poder dos estados que nos governam. Ambas as oligarquias, as de Lisboa e as de Madrid, têm claro que a união do que Afonso VI desuniu com o conselho sempre atento da Cúria de Roma, não deve ficar em suspenso nem por um momento. É um princípio político não negligenciável e prioritário, mesmo que nunca se enuncie.

Para quem duvidar desta cojuntura deveria lembrar a criação da Eurorregião Galiza-Norte de Portugal e os interessados esforços por convertê-la no Arco Atlântico com iclusão de Astúrias e Cantábria e mesmo, se a memória não me marra, de Castela e Leão. O idioma, óbvio, não ia ser já o galego português ou galego-português, mas o espanhol, como diox manda que diria Rajoi.

E menos mal que a Galiza é território bem mandado e controlado pola força mais espanhola das que existem. Isso aforra de muitos espectáculos de agravo grave que hoje passam desapercibidos.

E como a consecução do poder político está, cada dia mais, longe de ser uma realidade (peço desculpa aos novos ventos que trai Pontón polo meu realismo informado) creo que se impõe fazer algo no plano social e económico. Aguardar deste e sucessivos governos, eligidos para liquidar o país, que fagam a política que o conserve por mais tempo seria uma ingenuidade dificilmente catalogável. O país necessita escolarizar o maior número possível de meninas e mininos num sistema de imersão lingüísitca (130 galiñas azuis não parece suficiente, sem entrar na qualidade lingüística desta rede), tanto no nivel infantil quanto nos sucessivos (por experiencia própria sei que crianças galego-falantes passam a adolescentes español-falantes quase por “necessidade social”). Abrir o abano de ofertas e promover todo o que se poida fazer. Colaborar para acabar com o “apartei” do sistema cultural de tudo quanto cheire a “não normativo”. Reinvindicar de facto, não apenas de boca, o que a lei Paz Andrade propõe e levar adiante essa revolução silenciosa de reencontrarmos com o nosso ámbito lingüístico.

Outra conclusão evidente é a necessidade de beber, imoderadamente, nas fontes da lingua, culta desde há séculos, que nos oferece um variado leque de possibilidades culturais e de ócio, profissionais e de actividades económicas e deixar-se de defender este entangaranhado modelo colonial de escrever como o espanhol ainda que no nosso idioma. Imitar o inimigo, com os meios que o inimigo proporciona, não pode ter mais do que um resultado: A eliminação.

Eis o texto do poema João Verde reproduzido nos azulejos da fotografia

Vendo-os assim tão pertinho
A Galiza mailo Minho
sós como dois namorados
que o rio traz separados
Quasi desde o nascimento
Deixá-los pois namorar
já que os pais para casar
lhes não dão consentimento

A ele respondeu Amador Montenegro Saavedra, galego, com um outro poema que diz o que segue:

Se Dios os fixo de cote
Um pra outro e teñen dote
Em terra emparezadas
Pola mesma auga regadas
Com ou sen consentimento
Dos pais o tempo há chegar
Em que teñan que pensar
Em facer o casamento.


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