O agrarismo social-democrata distorce a realidade.

O agrarismo social-democrata distorce a realidade.

Em dias passados o máximo dirigente de Uniões Agrárias – UPA Galiza, organização agrária integrada no sindicato UGT, respostava a uma extensa entrevista, num diário digital de informação que trata da atualidade de temas relacionados coas atividades agropecuárias, florestal e o desenvolvimento rural da Galiza, na que abordava diversos aspetos da situação passada, presente e futura do mundo rural e do movimento agrário.

Representatividade

Um dos temas que abordou, a instância da pessoa que o entrevistou, foi o da representatividade das organizações agrárias galegas. Em concreto perguntou-lhe que opinava de que, a FRUGA, tendo de conta que na Galiza não se têm celebrado eleições desde o ano 2002, tenha pedido à Conselharia do Meio Rural a convocatória de eleições sindicais no agro.

A súa resposta foi que “não tem claro que aportaria um modelo de eleições a um órgão que nem existe nem lhe queremos dar funções”. Suponho que o quer dizer é que não tem sentido celebrar eleições às Câmaras Agrárias, e é logico porque estas já não existem, mas oculta propositadamente, distorcendo ou ocultando a realidade, que o si existe, como órgão participativo e consultivo da Conselharia do Meio Rural, é o Conselho Agrário Galego, constituído no 2006 com a participação das três organizações agrárias que obtiveram representação nas eleições de 2002 a Câmaras Agrárias provinciais; isto é, Xóvenes Agricultores (XXAA), Unións Agrarias (UUAA) e Sindicato Labrego Galego (SLG).

Mas desde a constituição do Conselho Agrário Galego (CAG), no 2006, a realidade tem mudado, e muito, tanto no mundo rural como nas organizações agrárias. De feito uma das organizações que fazia parte do mesmo desapareceu, estou-me a referir a Xóvenes Agricultores, e outra tem passado por processos traumáticos de mudança na sua estrutura inicial. Mudanças que, tanto num caso como noutro, têm dando lugar ao aparecimento de novos atores no setor agrário.

Recentemente a ex-conselheira do Meio Rural reunia-se com as organizações agrárias para pôr-se de acordo na elaboração dum documento conjunto perante as negociações que se abrem no quadro da EU para abordar uma nova Política Agrária Comum. Pois bem, a Conselharia somente teve em conta às organizações que ao começo faziam parte do CAG, mas como uma delas implodiu o que fez a Conselharia foi substitui-la por outra que se constituiu a partir de uma parte dos seus restos. Organização que não cumpre as condições que da Lei 1/2006, do 5 de junho, do Conselho Agrário Galego, mas si reúne a condição de ser da corda política de quemestá a dirigir a Conselharia, o PP.

Noutro momento, o entrevistado faz a seguinte asseveração, “a experiência das eleições aqui na Galiza levar-nos-ia a uns resultados eleitorais de pouco conteúdo sindical e muito de conteúdo político partidista”. Não fica claro o que quer dizer com esta afirmação, mas o que sim está claro é que as distintas organizações agrárias repostam às distintas tendências ideológicas que operam na sociedade galega. Suponho que não pretenderá agachar que a sua é uma organização que se move no ámbito ideológico da socialdemocrácia espanhola, assim como outras, como pode ser a FRUGA, nos movemos no campo do nacionalismo galego. O que si se pode entender é que Uniões Agrárias não queira enfrentar-se a um processo eleitoral porque se encontra muito cômoda na situação atual, sem que ninguém lhe questione a sua teórica supremacia. Mesmo podemos chegar a conclusão de que não considera às eleições como o melhor método para medir a representatividade das organizações agrárias. Não parece, a sua, uma postura muito democrática.

Sector Leiteiro

Ao tocar o tema do sector leiteiro queixa-se de que “não há um só ganadeiro que negocie em igualdade de condições o preço com a indústria, até o ponto de que as indústrias não querem sentar com as organizações de produtores (OP)”, mas ao mesmo tempo presume de que 2.600 explorações galegas de leite fazem parte da organização de produtores Ulega (união leiteira galega), ligada a Uniões Agrárias.

Ainda correndo o risco de ser reiterativo, vejo-me, de novo, na obriga de lembrar três dados significativos a respeito do setor produtor lácteo galego; um, somos a primeira potência produtora do Estado espanhol com já case o 40% da produção total do Estado; dois, seguimos a ter mais do 50% das granjas produtoras; e, por último, as granjas galegas são, reiteradamente, mês após mês e ano após ano, as que menos cobram pelo seu leite dentro do Estado espanhol.

Com este panorama não se entende como se pode presumir de ter mais de cinquenta por cento do setor do leite galego filiado a sua organização e ao mesmo tempo não ser quem de respostar a algumas perguntas que surdem ao respeito; a primeira, e a mais evidente é, que é o que está a fazer a OP Ulega para mudar a situação dos preços, tendo de conta que uma das funções primordiais de uma OP é a negociação dos mesmos. Neste mesmo sentido seria bom que explicara que passos têm dado, tanto a sua OP como Uniões Agrárias, para impelir à administração galega e às próprias indústrias a negociar melhores preços para as granjas leiteiras galegas.

Queija-se de que as indústrias não se querem sentar a negociar, mas não esclarece, no seu papel de representante da organização agrária que se reclama maioritária no sector, nem como organização promotora da OP Ulega, que ações têm levado a cabo perante a administração galega para que esta se avenha a atuar como mediadora e deste jeito propiciar que as indústrias que operam na Galiza se sentem numa mesa negociadora. Chegados a este ponto, é bom lembrar que aquando o BNG geria a Conselharia do Meio Rural existia uma Mesa do Leite da Galiza, que vinha funcionando como órgão de interlocução do sector lácteo, atuando a administração galega como agente dinamizador e facilitador de acordos. Nessa época foi quando o sector produtor lácteo galego teve os melhores preços, mesmo superando os pagos no Estado Francês.

O pior de tudo isto é que o setor produtor segue, em quanto a preços, nas mesmas circunstâncias que deram origem às grandes mobilizações do ano 2015, isto é com os preços mais baixos do estado. Fruto desta situação o setor produtor lácteo galego encontra-se totalmente decepcionado, fundamentalmente devido a inação e a desinformação a que se vê sometido por parte de quem presume de ostentar a maioria do mesmo e de ser o interlocutor perante as administrações galega e espanhola.

Banco de Terras

Perante a pergunta que se lhe faz a respeito de quais considera os grandes reptos para o campo galego, estabelece como primeiro o da redução de custes de produção mediante a gestão do território, e em concreto apela ao Banco de Terra.

Estando totalmente de acordo com esta consideração, não está demais lembrar-lhe o papel jugado por Uniões Agrárias no seio do Conselho Econòmico e Social da Galiza (CES) no processo de debate e elaboração do ditame preceptivo sobre o anteprojeto de lei, elaborado pela Conselharia do Meio Rural do BNG, conhecido, popularmente, como do Banco de Terras.

Nos meses que durou o processo de elaboração do ditame o representante de Uniões Agrárias manteve em tudo momento uma postura obstrucionista e nada construtiva, intentando constantemente desprestigiar a proposta do Banco de Terras. Se a Lei do Banco de Terras não foi mais audaciosa foi fundamentalmente pelos impedimentos de certas organizações agrárias e entre elas Uniões Agrárias. Por isso mesmo chama-me enormemente a atenção a defesa que agora se faz deste instrumento, tão necessário e fundamental para o futuro da maioria das explorações agropecuárias galegas. Este câmbio de postura somente pode ser entendido em duas claves, uma, que se têm arrependido da postura mantida inicialmente, é o que se entende em sentido bíblico como a caída do cavalo, e a outra, que resposte a um “postureio” por puro cinismo hipócrita.

Caseiros
Seica um dos maiores logros alcançado pela sua organização foi visibilizar aos mais de 1000 caseiros que estavam a piques de ser despejados. De novo este senhor distorce a realidade e esquece propositadamente que quem lhe deu visibilidade à situação dos caseiros neste País foi o agrarismo nacionalista, ocupando um papel destacado nessa loita Moncho Valcarcel. O feito mais sobressaliente, e que ajudou a mudar radicalmente a situação, foi a ação que levamos a cabo com ocasião do despejo dos caseiros de Larim.

Na primavera de 1991 ia-se proceder ao lançamento de uma família de caseiros da paróquia de Larim, em Arteixo. Perante deste despejo o agrarismo nacionalista deslocou-se até a casa familiar com o fim de impedir que se ejecutara o acordão judicial, dando lugar a um enfrentamento com a Garda Civil e a detenção de algum dos ativistas que nos deslocaramos ao lugar. Cenas de verdadeira deseperação, como as protoganizadas por Ramom Vázquez e a sua família, que deram a volta por todos os meios de comunicaço do Estado espanhol, vinham denúnciar a situação de verdadeiro feudalismo no que se encontravam muitas famílias em numerosas zonas da Galiza rural.

As imagens de Ramom e a sua família aferrados às suas escassas pertenças ajudaram a dar visibilidade à situação de miles de famílias labregas que vinham cultivando desde tempo imemorial as terras dos amos, ao igual que nas épocas feudais, o que provocou que tanto o governo espanhol e galego se viram obrigados a reagir mediante a promulgação de uma nova legislação que facilitou o aceso à propriedade, como a lei 1/992 de arrendamentos rústicos históricos, ou a ordem de 23 de janeiro de 1992, da conselharia de agricultura, que regulava as ajudas para exercer o direito à propriedade por parte dos arrendatários de prédios rústicos.

Na altura em que estavam a suceder os trágicos acontecimentos em Larim, não se sabe de nenhuma pessoa representando a Uniões Agrárias que aparece-se pelo lugar onde estavam a suceder os feitos. Pode que depois si tramitaram expedientes solicitando as ajudas para o aceso à terra, mas nada mais que burocracia e gestoria. Quem realmente obrigou ao governo espanhol, do PSOE, e galego, do PP, a promulgar uma legislação favorável à gente acaseirada foi o agrarismo nacionalista.

Sindicalismo de “novo tipo”

Deixo para o final a afirmação que acho mais esclarecedora e mais sinceira de todo o que diz nesta entrevista. Falando de Uniões Agrárias vem a dizer que “nós não ficamos num modelo clássico de sindicato dos anos 90”.

Deve ser esta a razão que viria a explicar o porque, tendo a organização de produtores (OP) de leite mais grande de Europa, segundo ele, esta não está a servir como um instrumento eficaz para defender os interesses do setor produtor lácteo galego, já que tudo indica que não acreditam na força da sua organização, para mobilizar e pressionar. Tudo parece indicar que o sindicalismo de novo tipo somente deve acreditar no patismo e no entreguismo.

Também pode ser esta a explicação que nos serva para entender a sua posição refratária à confrontação eleitoral. Segundo ele este assunto, o da representatividade das organizações agrárias, tem-se de resolver medindo o número de serviços que se prestam, tais como as declarações da renda, os trâmites fiscais, ou os projetos técnicos de planos de melhora que cada uma das organizações realizam. Pura e simples burocracia sindical.

Atrevo-me a dizer que esta organização agrária nunca cacreditou no que o seu máximo dirigente denomina como sindicalismo dos anos 90. Nem no caso da gente acaseirada, nem no momento da imposição das quotas do leite, que sempre defenderam impedindo ao setor progredir, nem nas distintas mobilizações deste mesmo sector após a imposição das quotas, se tem comportado como uma organização mobilizadora.

Ao meu entender o sindicalismo agrário de “novo tipo”, do que se gava o seu máximo dirigente, caracteriza-se por ter optado por um modelo de prática sindical no que o fundamental é fazer de gestória, fiscal, técnica ou jurídica , combinado com negócios vários, servendo-se da mobilização em casos pontuais, sobre tudo para marcar território, tendo abandonado, na maioria das vezes, a sua sorte aos setores produtivos.