“Leche procedente de los pastos del Cantábrico” ou a subordinação política da Galiza
Recentemente teve notícia da apresentação no Parlamento espanhol de uma Proposição não de Lei (PNL) por parte do grupo parlamentar confederal Unidos Podemos-En Comú Podem-En Maré, relativo à investigação e valorização diferenciada do leite procedente das pastagens do Cantábrico.
Chamou-me a atenção que esta PNL fora assinada por Anton Gómez Reino, também conhecido como Toné, parlamentar por Galiza dentro da candidatura Em Maré e pertencente ao partido político Podemos, por quanto as granjas galegas que praticam o pastoreio ficam totalmente esquecidas nesta PNL.
Na exposição de motivos faz-se menção à situação do sector produtor lácteo situado na Galiza, assim como o situado na fachada cantábrica, com referências específicas a Cantábria e Astúrias, mas não assim a Euskal Herria e Nafarroa. Argumenta-se que tanto nessas regiões como na Galiza, tendo de conta o seu clima com temperaturas suaves e alta pluviosidade, dão-se as condições favoráveis para dispor de um alimento natural e de qualidade, como são as pastagens de alto valor agrológico, para ser aproveitado pelos animais da espécie bovina.
Esta PNL pretende revalorizar esta produção, tal como se faz em outras zonas da Europa para o que se põe como exemplo Holanda que conta com um Label de qualidade “Leite produzido em base a pastagens”, ou Alemanha que tem introduzido a denominação “Leite em base a pastagem”. Mas o curioso é que na proposta que se lhe faz ao Governo de Espanha, que passa por que este gere uma marca protegida que certifique a origem do “leite procedente das pastagens do Cantábrico”, ficam excluídas, desta denominação, as explorações galegas, vascas e mesmo navarras.
Nestes momentos já há algumas indústrias, das que operam na Galiza, a promover o leite produzido a partir de vacas em pastoreio e vendendo-o com a marca “leite de pastoreio”. Neste sentido não se entende que esta PNL exclua a todas as explorações galegas, quando com uma denominação mais integradora, como poderia ser “leite procedente de pastoreio”, ficariam compreendidas todas as explorações lácteas que pratiquem o pastoreio, que logicamente só se pode levar a cabo naquelas zonas onde as condições agroclimáticas favorecem os cultivos forrageiros a partir da erva fresca e ensilada.
Esta mostra de insensibilidade, por parte de um representante público do povo galego, com a defesa dos interesses do seu País, neste caso concreto trata-se de um dos setores clave da economia galega, somente se pode entender se quem atua deste jeito parte de posições de subordinação tanto no que tem a ver com a sua ação política como com a sua atitude psicológica.
Pouco ou nada se pode esperar de quem faz parte de organizações que são meras sucursais de estruturas orgânicas que têm o seu centro de decisão na capital da metrópole, em Madrid.
As pessoas representantes na Galiza das organizações da denominada “esquerda roturista espanhola”, têm demonstrado amplamente tanto a subordinação a respeito dos seus centros de decisão situados em Madrid, como o seu desprezo por Galiza.
Chega com lembrar as declarações do secretário de organização de Esquerda Unida, com ocasião das eleições de junho de 2016, quando chegou a dizer que quem se apresentar a essas eleições, desde a Galiza, com o objetivo de ter um grupo parlamentar era um cretino.
Mas também por causa do debate aberto no Estado espanhol com o processo soberanista catalão ficaram expostas as posições abertamente centralistas e imperialistas das pessoas referenciais tanto de Podemos como de Esquerda Unida na Galiza.
Em outubro de 2017 teve lugar no Parlamento galego o debate sobre o estado da nação, onde o grupo parlamentar do BNG apresentou, entre outras, uma proposta de resolução na que se pedia respeitar o direito a autodeterminação dos povos e a vontade expressada pelo povo catalão no referendo do 1 de outubro. Proposta que foi rejeitada com os votos contrários do PP e do PSOE, contando coa abstenção de quatro deputad@s de Em Maré, entre as que se encontrava a secretária geral de Podemos e a secretária geral do PC na Galiza e também coordenadora de Esquerda Unida.
Em novembro desse mesmo ano, uma Proposição Não de Lei apresentada pelo BNG solicitava uma saída política para o processo catalão e em contra da aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola, em concreto pedia-se rejeitar a criminalização e judicialização que estava a levar a cabo o governo espanhol contra o exercício do direito a decidir por parte do povo catalão do Principat de Catalunya e o apoio ao direito de autodeterminação das nações que fazem parte do Estado espanhol. Na votação subsequente o grupo parlamentar de Em Maré, depois de um intenso debate, nesta ocasião, decide abster-se impondo-se as posturas das organizações mais agressivamente espanholas.
Uma mostra mais do papel marginalizado e do menosprezo que por parte do grupo parlamentar espanhol de Unidos Podemos –En Maré tem para com Galiza evidenciou-se uma vez mais com motivo do debate da moção de censura contra Mariano Rajoi, aquando na intervenção do líder deste grupo, Pablo Iglesias, ignorou olimpicamente a Galiza à hora de se referir às nações ocupadas pelo Estado espanhol.
As tensões, neste conglomerado, entre aquelas facções de clara dependência das direções madrilenhas e aquelas outras que num princípio têm os seus órgãos de direção na Galiza, vem de longe e resolvendo-se na maioria das ocasiões a favor das posturas defendidas pelas organizações mais espanholistas. Somente desta maneira se podem entender declarações como as feitas, no seu momento, pelo máximo referente de Anova a respeito de que não tocava debater no Parlamento Galego sobre a declaração de soberania da Galiza, ou as realizadas, em outra ocasião, pelo porta-voz no Parlamento Galego de Em Maré no sentido de que o direito a decidir da Galiza não estava na agenda deste grupo parlamentar.
Em quase todos os conflitos vividos, nesta amalgama de organizações e pessoas, emerge sempre a figura do Pope de Anova desempenhando na maioria dos casos um papel confuso, mesmo mantendo posturas contraditórias sobre o mesmo assunto, mas sempre colaborando a exacerbá-los, valha como exemplo o affaire, que fez correr rios de tinta, que se gerou no seio de Em Maré ao redor da deputada Paula Quinteiro.
Parece que as tensões internas estão chegando ao seu ponto de máxima efervescência, mesmo já se está a baralhar, por parte de algum dos setores enfrentados, a possibilidade de que todo remate numa rutura ou excisão. E de se chegar a produzir, a posição que adote Beiras parece que vai ser clave, mesmo já há quem fala de que o epílogo de Beiras para a história ficará muito desvalorizado no caso de optar por somar-se à plataforma que já têm configurado Izquierda Unida mais Podemos a nível estatal.
E tal possibilidade não seria de estranhar dados os antecedentes. Chega com lembrar a opção que este senhor adotou, na altura de 2012, de dar-lhe um balão de oxigénio a Esquerda Unida, a meio do que foi Alternativa Galega de Esquerdas, quando esta era uma organização totalmente marginal na Galiza, praticando uma nova versão do pinheirismo no século XXI.