Impunidade

Esta foi a sensação que me assaltou ao conhecer a notícia do acordo de dissolução da Sociedade Cooperativa Arçuana.
A Cooperativa Arçuana, de Arçua, junto com a Cooperativa Gancobre, da Pastoriza foram as duas cooperativas que encabeçaram o projeto empresarial conhecido com o nome de Alimentos Lácteos. Atualmente as duas em processo de dissolução.
Alimentos Lácteos era um projeto empresarial nascido nos finais do ano 2009, que tinha como objetivo gerir as instalações da planta industrial que “Leche Pascual” tinha em Outeiro de Rei.
No mês de maio de 2009 “Leche Pascual” ameaça com um ERE de extinção que afetaria a 155 trabalhador@s. De seguido estabelecem-se negociações, chegando-se ao acordo de adiar a adoção da medida por quatro meses, tempo que se dão as partes para que apareça uma oferta. Nesse meio tempo fala-se de várias propostas, entre elas a de 24 cooperativas galegas nucleadas por Feiraco.
Nos primeiros dias de dezembro tudo indicava que o projeto das 24 cooperativas seria quem ficaria com a planta, de feito a imprensa galega, o dia 16, dava conta de um pré-acordo com Pascual, mas a surpresa salta o dia seguinte quando se anuncia o acordo definitivo com o grupo de cooperativas dissidentes liderado pela Arçuana.
O mais chamativo desta operação foi o empresário optar pela oferta mais débil, tendo de conta as dificuldade de liquidez que arrastavam estas cooperativas, tal como se pode comprovar nestes precisos momentos. Esta decisão somente se pode explicar tendo de conta as ligações políticas e de orientação religiosa que existe entre, por um lado, o proprietário da empresa e, por outra, o atual Presidente do Conselho de Estado e sucessor de Barcenas nas finanças do PP. O Presidente da Cooperativa Arçuana, e tenente de alcaide de Touro, é, ou era, pessoa de confiança de Romay Beccaria.
Este acordo chega logo de na noite anterior, à que se dera a conhecer a decisão final, se deslocara desde Galiza a Madrid o na altura conselheiro do Meio Rural, Samuel Juarez, para ter uma reunião com Tomas Pascual. Tudo muito suspeitoso, não é?
Desde o primeiro momento o nacionalismo galego, tanto a FRUGA como o BNG, denunciamos a duvidosa viabilidade deste projeto e que a decisão adotada respondia mais a critérios político-partidários que a critérios técnico-económicos, em base às evidentes ligações entre o PP e as cooperativas que finalmente constituiriam Alimentos Lácteos. O Presidente da Cooperativa Gancobre foi Presidente da Câmara Municipal d´A Pastoriza pelo PP.
O resultado desta operação salda-se com Alimentos Lácteos fechada, deixando trás de sim 20,9 milhões de euros de dívida reconhecida, aproximadamente 1000 granjas lácteas às que se lhe deve o leite de 3 e 4 meses, 9 milhões de euros, de dinheiro público, desaparecidos e 85 trabalhador@s na rua, junto com uma planta industrial, que segundo todas as informações, vai ser muito complicado pôr de novo em funcionamento.
A isto há que lhe acrescentar a dissolução, nos primeiros deste ano, da Cooperativa Gancobre e o início do processo de dissolução da Cooperativa Arçuana acordado o dia 29 de setembro. O feche desta cooperativa presidida por Eugênio Montero, tenente de alcaide de Touro, supõe a perda de 11 postos de trabalho, aos que nem se lhes pagou os últimos três meses nem a extra, assim como que a mais de 90 granjas leiteiras desta comarca não se lhes pagara o leite dos três meses últimos, ao que lhe há que acrescentar uma dívida de 700.000 euros.
Este desenlace não colhe por surpresa a ninguém já que segundo os dados do Registro Mercantil do ano 2010, Alimentos Lácteos já apresentava dívidas por valor de 3 milhões de euros, quantidade superior ao seu ativo circulante, o que vinha dar a razão a quem desde o primeiro momento questionamos a decisão adotada. Nos finais do ano 2011 mais da metade dos e das cooperativistas da Arçuana decidiram deixar de entregar o seu leite à cooperativa por causa do sistema de pagamento, consistente na emissão de pagarés a cobrar três meses depois da sua emissão.
Chama a atenção à maioria da gente do setor, e sobre tudo à das zonas mais diretamente afetadas, a total impunidade com que atuam os responsáveis desta enorme falcatruada. Os senhores Eugenio Montero e Arcádio López movem-se livre e tranquilamente, mesmo com ostentação, pelas comarcas onde estão a maioria das granjas afetada pelo calote que deixarão.
Impunidade dos diretivos da empresa T-Solar que fizeram evaporar 65 milhões de euros e destruir 170 postos de trabalho; impunidade na que estão os diretivos das Caixas galegas depois de tê-las feito desaparecer ao tempo que organizavam o saqueio do dinheiro da gente com as preferentes; impunidade da Agência Tributária Espanhola que lhe quere tirar as suas poupanças às galegas e galegos que se viram obrigados a emigrar; impunidade no caso das sanções de trânsito na Delegação de Lugo; provável impunidade nos casos Pokémon, Pikachu e demais que já a está a denunciar o fiscal chefe da Galiza; impunidade nos casos por narcotráfico que lhe caíram nas mãos ao juiz estrela, Garzon; e assim muitos mais.
Os poderes fácticos do Estado espanhol, e não só eles, perseguem assentar e estender na sociedade a sensação de impunidade, de desfeita, de nada há a fazer, de tudo é o mesmo e, sobre tudo, o de que todos são iguais. O objetivo é conseguir desmoralizar e desmobilizar à maioria social, procurando que deixe de acreditar na sua auto-organização e na sua capacidade de luta, potenciando o desalento e a impotência, ao tempo que se promove a desconfiança e o individualismo.
Ao final, “passotismo” e mãos livres para uma pequena elite oligárquica e poderosa que procura permanecer sem nome nem apelidos, que quer fazer e desfazer ao seu antolho, ficar com as mãos livres para dirigir o destino da sociedade em benefício próprio. Em definitiva impor um fascismo light, nas formas, mediante o controlo da sociedade com a ajuda dos mass média e dos demais poderes fácticos, e não tão facticos.
Perante esta operação somente fica a luta, a unidade e a capacidade de resistência e de organização que a maioria social seja capaz de gerar em cada momento.