Grandes incêndios, mundo rural e lições a extrair

Grandes incêndios, mundo rural e lições a extrair

Com ocasião da grande tragédia acontecida recentemente em Pedrógrão Grande, um jornalista perguntava-me que lições se podiam extrair do que se passou no país irmão. Ao que eu lhe vim a respostar que, na Galiza, já tínhamos extraído as nossas lições próprias a partir do que se passou com a vaga de incêndios que tiveram lugar entre o 3 e o 15 de agosto de 2006, e que de acordo com aquelas ensinanças já se tinha agido corretamente por parte da, daquela, conselharia nacionalista de meio rural, pondo em andamento toda uma série de medidas, de carácter estrutural, tendentes a pôr os alicerces para evitar que episódios como aqueles voltaram a acontecer.

Duas grandes medidas constituíam a base de atuação sobre política do monte, por um lado o fomento do associacionismo mediante a posta em prática das Unidades de Gestão Florestal (UGFOR), e por outra a aprovação da Lei 3/2007, de 9 de abril, de prevenção e defesa contra os incêndios florestais da Galiza. Complementando estas duas iniciativas criou-se a sociedade mercantil pública autonómica denominada, Serviços Agrários Galegos (SEAGA), que tem entre os seus cometidos a conservação do meio natural e ambiental, especialmente, destacando a sua intervenção na prevenção e luta conta os incêndios florestais, e a acompanhar todos estes instrumentos o Voluntariado em Defesa do Monte Galego, como melhor jeito de implicar à sociedade galega no cuidado do monte e na prevenção e luta contra os incêndios.

Com a volta do PP ao governo galego, por volta de 2009, todas estas medidas e ferramentas postas em andamento pelo nacionalismo galego foram fulminantemente botadas em baixo. Umas, como as UGFOR ou o Voluntariado, eliminadas literalmente; outras, caso da Lei 3/2007, praticamente derrogada; e outras, como SEAGA, pervertidas e infra-utilizadas.

Em concreto a Lei 3/2007, de prevenção e defesa contra os incêndios florestais na Galiza, foi modificada aproveitando a aprovação, por parte do governo galego do PP, da Lei 7/2012, de 28 de junho, de montes da Galiza.

A aprovação desta lei implicou a entrada em vigor da disposição derradeira primeira, de modificação da Lei 3/2007, que na prática viu a ser o mesmo que a sua derrogação, já que com ela introduziram-se uma série de modificações que acabaram por deturpar e esvaziar de conteúdo à Lei 3/2007.

A lei de montes da Galiza abre a possibilidade de florestar terras agrárias, aspecto que fica regulado, tanto no artigo 2.c), como no 61, bem é certo que com alguns condicionantes, mas si fica claro que há determinados terrenos agrícolas que podem ser considerados como monte ou terreno florestal, quando o artigo 25 da Lei 3/2007 proibia explicita e rotundamente as repovoações florestais em zonas dedicadas a lavradio, prados ou pastagens, com independência da sua classificação urbanística. Favorecer a florestação de terras agrárias acrescenta a desordem territorial, a dependência das explorações que ficam em ativo e redunda no abandono do mundo rural incidindo negativamente na prevenção e defesa contra os incêndios florestais.

O artigo 21 da Lei 3/2007 obrigava a todas as pessoas responsáveis a gerir a biomassa vegetal numa faixa de 100 metros arredor de qualquer núcleo, edificação, urbanização, depósito de lixo, parques de campismo, instalações recreativas, obras, parques e instalações industriais situadas a menos de 400 metros do monte, ademais nos primeiros 50 metros a contar desde a extrema da propriedade não podia haver espécies que favorecem a propagação do lume, tais como o eucalipto, a acácia ou o pinheiro, entre outras. Com a modificação introduzida, a distância de 100 metros fica reduzida a 50 metros no caso de solo urbano de núcleo rural e urbanizável, edificações, vivendas ilhadas e urbanizações, depósitos de lixo e parques e instalações industriais, ao tempo que reduze a 30 metros a presença de espécies pirofóricas.

Mediante este mecanismo modifica-se o artigo 23, cambiasse-lhe a denominação, e aproveita-se a nova redação para reduzir a 30 metros a existência de uma faixa de proteção livre de vegetação seca e com a massa arbórea aclarada respeito de edificações para uso residencial, comercial, industrial ou de serviços, instalações agrícolas, pecuárias ou florestais, quando na Lei 3/2007 esta distância ficava estabelecida em 50 metros. Confunde o presidente Feijoo à opinião pública ao falar em 50 metros, já que a sua lei estabelece a distância em 30 metros e 20 mais, mas, neste caso, são os e as proprietárias dos terrenos quem se devem responsabilizar da gestão da biomassa.

O ponto vinte e dois dessa disposição modifica o artigo 24 da Lei 3/2007, que estabelecia, entre outras coisas, que os instrumentos de gestão florestal tinham de incluir medidas para garantir a descontinuidade tanto horizontal como vertical da biomassa florestal, a alternância de tesselas com distinta inflamabilidade e combustibilidade, assim como que as massas florestais monoespecíficas não podiam ter uma superfície contínua superior a 50 hectares. A nova redação elimina toda referência à necessidade da existência de tesselas com distinta inflamabilidade e combustibilidade, assim como à proibição de existir massas monoespecíficas superiores a 50 hectares. Esta supressão, feita sem nenhum critério lógico desde o ponto de vista da luta contra o lume, somente pode ser entendida se com ela pretender favorecer os interesses de certas indústrias monopolistas, como ENCE, com o fim de permitir grandes plantações de espécies de crescimento rápido, tipo eucalipto, ou de cultivos energéticos.

Incide nesta questão o arquiteto e paisagista português Henrique Pereira dos Santos, autor da obra Portugal: Paisagem Rural, quando manifesta que “é completamente irrelevante saber como começa o fogo. O problema central é porque é que ele não para. E não para porque há continuidade de combustíveis. A quantidade de combustíveis que está no terreno é de tal maneira grande que é absolutamente impossível combatê-la diretamente sem primeiro fazer a redução de combustível”.

Em consequência estamos em condições de afirmar que a lei de montes do PP é uma lei que desordena o espaço rural (favorece a florestação de terras agrárias), rebaixa as medidas preventivas (distâncias), induze a monocultura de espécies como o eucalipto e, pelo tanto, favorece que se propaguem os grandes incêndios. Com todo, o próprio governo do PP admite que nem tão sequer a sua lei se está a cumprir, fala num cumprimento anedótico das normas, já raquíticas, da lei de montes de 2012.

Há grande consenso tanto aqui como em Portugal a respeito das causas originais destes desastres, o de 2006 na Galiza e este de 2017 em Portugal.

É necessário primeiramente chamar a atenção sobre o abandono do mundo rural e pelo tanto das políticas postas em prática pelos governos neoliberais (cessamentos antecipados, florestação de terras agrárias, preços à baixa para os produtos agropecuários, e todo tipo de travas) que partiram da consideração de a presença de uma grande massa de povoação ativa agrária era sinônimo de atraso, e em consequência havia que a diminuir como fosse. Tarefa à que se dedicarão com tudo o seu empenho todos os governos, tanto da direita como social-democratas, favorecendo deste jeito o abandono do mundo rural e criando as condições propícias para a extensão da monocultura de espécies como o eucalipto, junto com uma política muito agressiva de empresas como ENCE.

Outro dos grandes condicionantes, que cada vez temos de ter mais em conta, é o que tem a ver com o câmbio climático, com períodos prolongados de seca, nos últimos doze messes na Galiza o regime de precipitações está sendo muito inferior ao que teria de ser, ligada com esta situação temos um acrescentamento médio das temperaturas, o que cria as condições favoráveis para o fogo alastrar, de não se estabelecerem medidas tendentes a evitá-lo.

Algo no que todo o mundo está de acordo é na necessidade de ter uma política de prevenção. Repete-se insistentemente que o fogo apaga-se no inverno, mas o governo galego está infra-utilizando o instrumento de que se dotou Galiza, no seu momento, para defrontar este trabalho e estou-me a referir concretamente aos serviços de SEAGA, ligado à necessidade do nos dotar de um serviço de extinção multifuncional, público e profissionalizado.

Um mundo rural habitado com um espaço rural e um monte ordenado, bem gerido e multifuncional é a melhor garantia para evitar que ocorram incêndios de grandes dimensões.

Remato fazendo-me eco, de novo, da opinião do arquiteto Henrique Pereira: “a opção não é a de ter fogos ou não ter fogos. A opção é entre ter fogos como queremos ou como não queremos. O que significa queimar no inverno, pagar os pastores para andarem com gado, utilizar essas faixas de redução de combustíveis e, depois, ter uma estrutura profissional de combate, que está lá o ano inteiro, que esteve envolvida nessa redução de combustíveis e que sabe quais são as linhas onde é possível parar o fogo”.