Construirmos o futuro
Nos fins do mes março de 2016, como é possível que saibam os que isto lerem, desenvolverom-se em Ponte Vedra as jornadas da Semana Galega de Filosofia. A trigêssima terceira semana. Nela falaba-se de filosofia e Política, com maiúscula. Política política; não tácticas de partidos para alacançar poder. Política para atingir a felicidade dos cidadãos, para atingir a igualdade (mais hipotética que real), para melhorar a nossa relação com o meio, para racionalizar o uso do capital, para redefinir as relações entre humanos (entre homes e mulheres, entre primeiro mundistas e “altermundistas”, entre natureza e sociedade, própria e alheia,...) em fim Política dessa que não se vê nestes tempos excepto contadas ocasiões.
De todas estas perspectivas queria ressaltar hoje a surpreendente, para mim, percepção de dous comunicantes, de diversa procedência e formação, como são António Baños e Helena Miguélez.
De Antonio Baños muitos que me lem saberám mais do que sei eu e terám a sua própria opinião ou o seu próprio estupor, segundo o entenderem ou não. Jornalista e voceiro da CUP no parlamento de Catalunha é um político controvertido pola sua actuação e ideologia.
Helena Miguélez é autora de Galiza um povo sentimental e professora na Universidade de Bángor, Cymru ou Gales, desde há uns anos. O que foi uma estadia de formação no extrangeiro converteu-se numa migração económica... Na sua terra não tem onde exercer a sua actividade profissional, como tantas outras galegas e galegos formados e em idade de se lavrar uma profissão para viver. É curioso que os que procuram um trabalho fora das nossas fronteiras sejam emigrantes (ainda que agora não seja cool chamá-los assim) porque a situação económica e laboral da nossa terra é o resultado duma política criada a mão tenta para liquidar o país. E os que fogem da política dos seus governantes acostumam considerar-se exiliados... Mas esse é outro asunto.
Como digo ambos os relatores coincidiram (Miguélez em conversa privada, tal vez não na palestra) em que eles não eram nacionalistas. Mesmo identificavam o nacionalismo como uma sorte de conservadurismo (esta é a minha interpretação, para ser claro) que recalca o passado e as “grandezas” do país (de cada um, claro) e, em certo, modo desvaloriza o alheio. Um concepto pouco “adequado” para um mundo tão cosmopolita e multiplo como é o de hoje, mesmo nos lugares mais afastados do mundo.
E isso fez-me reflexionar. Ambos falam de independentismo e identitarismo –permita-se-me o palavrão-. “Sentir-se de” e reivindicar a independência desse “que” que eu, na minha simplicidade chamo nação... galega. E tal vez esse seja o erro. Os “nacionalismos” estão mal vistos, e tal vez desfasados. Assim como o comunismo, por mais que ambas as soluções foram, na análise tradicional do galeguismo, as soluções ao nosso caso.
Tal vez os que ficamos aqui assumimos uma retórica caduca, pensei. É certo que o mundo é muito diferente do que foi hai, sem irmos muito longe, 20 anos. Já nem digamos há 40 ou 60. A definição duma nação deve actualizar-se com o passo do tempo, adaptar-se á realidade mutável que a rodeia e conservar, do que foi, o que for aproveitável para conformar a sua identidade diferenciada. E ao escrever isto lembro-me da aporia da nave Argos que tanto preocupou os filósofos gregos e que lhes serviu como reflexão sobre a identidade das cousas.
Como os seres humanos, a identidade colectiva, é uma realidade cambiante em permanente mutação. Hai momentos de criação desta, quando somos crianças, e momentos de revisão como na adolescência. Reconhecer-se ao espelho é difícil mesmo para o que sofre as transformações. Depois vem a madurez e uma sorte de estabilidade, mais ou menos fiticia, que deriva em diversas situações críticas ao longo do tempo. Envelhecer é o último reto desse percurso que é a identidade do individuo no decurso da vida.
Os corpos sociais que chamamos nações têm também os seus retos e as suas mudanças, mesmo algumas chegam a ensumir-se polo esgoto da história para desaparecerem. Assumirmos como somos é o primeiro degrau para elevarmos pola escada da identidade. Nem sempre o retrato que temos de nós mesmos é atinado. Ainda hai quem esgrime o carácter rural e económicamente atrassado do nosso país para a sua retórica. O retrasso foi o resultado da Cruzada do Movimiento Nacional, mal chamada guerra civil. Os galegos nem sequer tiverom oportunidade de fazer a guerra a esses delicuentes que perpetuarom o modelo ideológico, econômico e político da 1ª Restauração Borbónica e que deixarom uma nova restauração monárquica. Esses a quem as repúblicas resultam arrepiantes.
Também hai quem esgrime uma desafecção do povo á sua própria identidade. Nem tanto. A identidade constroi-se de muitos elementos e a renúncia, voluntária ou não, a algum deles não deconstroi a identidade toda. Quantos dos galegos que se consideram profundamente galegos escolhem opções políticas antigalegas? Alienação e colonização são evidentes... para alguns de nós, tal vez não para eles. Aos alienados e colonizados hai que lhas fazer evidentes, mas sem insultar nem desacreditar. Muitos são ainda moças e moços adolescentes que não conhecem porque ninguém lhes diz. Galiza está fora do discurso político, cultural ou qualquer outro que for e quando aparez é na forma de Luar, um anquilosado populismo ancorado nos setenta do século passado.
De facto são muitos os galegos que afastado do país por causas diversas, geralmente laborais, no medio do extranho, do externo, do alheio podem ver como não são, por comparação, e identificar-se com o que deixaram. Alá, no longe, a imagem de nós resulta mais nítida. Como essas imagens em pouca resolução que muito ampliadas enchem-se de píxeis e ao longe resultan melhor definidas. Mas nem sempre a imagem real é agradável. Quando do Prestige resultou significativo ouvir afectados contentes com as suas indemnizações e desejosos de uma outra catástrofe para seguir cobrando! Por exemplo.
Acredito que a lingua é um desses elementos identitários básicos mas, como se acha de ver para quem ler isto, não acredito no modelo que a oficialidade nos tem imposto mas tampouco nas degradadas falas mais populares. A minha pátria é a lingua portuguesa dixo Pessoa... eis um modo de se identificar: a través da lingua; mas pode haver outros. E mais numa sociedade em liquidação como a nossa. A lingua é importante mas nem é o único (convém ter em mente o processo irlandês de perda da lingua própria a pesar da independência). Temos que recoñecer que muitos galego-falantes são, pola sua praxe política e persoal, menos galegos do que outros que nem dam palavra no nosso idioma. Eles (uns e outros) não têm a culpa de terem sido educados e conducidos por esse caminho desde a data do seu nascimento. E o caminho inverso causa dor, dificuldades e moreas de trabalho.
Assim que acho que o trabalho dos que estamos a favor de conservar e promover a nossa identidade e de atingir cotas mais altas de independência temos como trabalho pendente sermos capazes de transmitir o que significa ser galego, a importância de sentir satisfacção de sermos quem somos, sem menospreço doutros, e a pesar dos defectos, e sumar para a nação mesmo os que sentem serem galegos sem serem galeguistas ou nacionalistas.
Deveriamos apreender do exemplo doutros e Catalunha está aí, do outro lado da península, exibindo um proceso de nacionalização, levado também por não nacionalistas que vêm evidente que o marco (o “que”) não pode ser outro que Catalunha. De conseguirmos que os galegos vejam evidente que o marco para mantermo-nos no mundo como povo e cultura, é a Galiza teriamos alcançado um grande êxito. Hoje parez que o caminho vai em sentido contrário. E a definição do que haja de ser o nosso país amanhã há ir-se perfilando com o contributo de todos os que moram na Galiza, galeguistas ou não, e dos que moram fora, como até agora, por mais que não gostemos do ressultado.
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