Cem anos a traçar novas fronteiras (3)
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Ninguém podia prever que na altura de publicar este artigo, final duma série de três, estivesse a situação como está. O estado de Alarma e a pandemia do Covid-19 tem atraído a atenção de muitos dos que publicam neste médio e acho que pouco poderia eu acrescentar às suas análises e projeções. Por este motivo decidi continuar com o meu assunto, ainda que esteja agora num segundo plano.
Com menos ruído mediático e tempo para a reflexão (quem o tiver, porque o tele-trabalho -essa nova forma de escravatura sem horário- ou os filhos podem fazer da reclusão um castigo bíblico) os dados aportados nesta série de artigos podem dar linhas para a reflexão e, se calhar, para um projeto político futuro, realista, para o nosso país.
Nas duas entregas anteriores falei de como, nos últimos 100 anos, as fronteiras e países da velha Europa têm mudado tanto que é difícil reconhecê-las. Se quem ler isto teve a paciência de ler os anteriores artigos veria que os casos escolhidos são de estados independizados. Não falei nada dos que agora estão a trabalhar por se independizarem: Escócia e Catalunha nomeadamente. Disso há muito barulho por toda a parte e para mim requer de muita reflexão, discussão e análise.
Mas há outros casos que nunca saem nas novas da televisão ou da imprensa. Modificações de estatutos que não produzem cabeceiras nos jornais. Mesmo no que era o espaço dos poderes europeus fora da Europa houve mudanças pacíficas para ajustar as relações dos súbditos com o estado aos desejos desses súbditos. Entre eles podemos incluir diversos territórios com diversos estatutos e dependentes de diversos estados europeus... Da comunidade europeia, da mesma comunidade europeia que olha para outro lado para não molestar a oligarquia espanhola pola política do parlamento catalão.
Gronelândia é um território vinculado à Dinamarca como as ilhas Faroé. Muitos territórios que habitualmente consideramos parte do Reino Unido da Grande Bretanha estão integrados de diversas maneiras baixo a coroa. As ilhas do canal, a ilha de Man, Gibraltar são exemplos a ter em conta. Nesta nómina poderíamos incluir Aruba e ilhas caribenhas do reino dos Países Baixos também conhecido como Nederlands.
Vejamos alguns deles
O caso de Gronelândia
Gronelândia é um imenso território (mais de 2 milhões de Km2) escassamente povoado (pouco menos de 62.000 habitantes) com poucos núcleos urbanos de pouca população (trece mil habitantes na capital, Nuuk). O nome foi adaptado do nome escandinavo que significa Terra Verde, tal vez batizada assim no seu momento para atrair colonos.
Desde a promulgação da constituição dinamarquesa de 1953, passou de ser uma colónia de Dinamarca a formar parte do reino de Dinamarca com uma relação denominada Rigsfællesskabet, algo como a “Mancomunidade da Coroa”.
No ano 1979 Dinamarca lhe outorga a autonomia, não a autonomia ao estilo espanhol, claro, uma verdadeira autonomia. Em 2008 o governo dinamarquês decide transferir ao governo local, suponho que depois dalguma pressão dos gronelandeses, quase todas as competências do governo central com excepção de assuntos internacionais, segurança e política financeira.
Com o modelo atual o chefe do estado é Margarida II, rainha de Dinamarca e de Gronelándia. O governo nomeia um representante no território e os gronelandeses elegem dous parlamentários para a câmara dinamarquesa.
O poder legislativo em Gronelândia reside num parlamento de 31 membros e o poder executivo (com as limitações apontadas acima) está em mãos dum primeiro ministro.
Dous detalhes permitiram-nos compreender o grau de autonomia de Gornelândia. Em 1985 abandonou a Comunidade Europeia a diferença do estado do que se “independizou” que segue dentro dela. O outro é o controle da guarda costeira apesar de a defesa do território estar baixo a soberania dinamarquesa.
O caso das Faroé
As ilhas Faroé, “muito conhecidas” entre nós polo bacalhau, são um território autónomo de Dinamarca. O seu nome na língua faroesa é føroyar, com o significado de “ilha das ovelhas” (før: ovelha, mais oyar: ilha). Não semelha que o nome descreva os faroeses, humanos, claro.
A sua autonomia tem-se acrescentado desde o ano 1948 em que obteve este nível de autogoverno pola primeira vez. Mas a autonomia não caiu do céu. No ano 1946 os faroeses declararam a independência das suas ilhas após um referendo muito ajustado (48’7% a favor fronte a 47% em contra). Dinamarca anulou essa declaração mas permitiu, dous anos depois, um governo autónomo, ficando a responsabilidade do exército e defensa, da polícia, da justiça e do assuntos estrangeiros no governo dinamarquês. No território das Faroé a monarquia dinamarquesa nomeia um Alto Comissionado que a representa.
O poder autónomo reside num parlamento de 32 membros (løgtingið) que representam os 47.000 habitantes das ilhas (1999) e num presidente do governo (løgmann) com um executivo de 7 membros.
No exercício dessa autonomia decidiu não formar parte da União Europeia, a diferença da sua metrópole, nem da unidade monetária (euro). Também tem a sua própria política económica e pode estabelecer acordos comerciais com outros estados.
Desde 1998 em que o partido republicano secessionista ganhou as eleições iniciou-se um processo político para alcançar a soberania total. Em 2002 iniciaram-se conversas entre o governo local e o governo dinamarquês para acordar o estátus de soberania das ilhas sem rompimento total com a Dinamarca mediante uma sorte de mancomunidade entre ambos os territórios. Mas estas conversas não tiveram resultados a causa de se modificarem as proporções das forças unionistas nos resultados das eleições desse ano.
Em 2011 iniciou-se a elaboração duma constituição própria que colide com a constituição dinamarquesa polo que o poder dinamarquês apenas contempla a hipótese de os faroeses se independizarem de continuar com este projeto.
A Ilha de Mann
É uma “dependência” da Coroa Britânica com autogoverno situada no mar de Irlanda entre esta ilha e a Grande Bretanha. A cabeça do estado é o “Senhor de Mann” (Lord of Mann em inglês), atualmente Isabel II, quem está representada por um Tenente-governador na Ilha. Apenas a defensa é responsabilidade do Reino Unido da Grande Bretanha. O senhorio feudal recaiu na Coroa Inglesa em 1399 trás muitos anos de alternância do poder do rei de Escócia e do de Inglaterra e mesmo de Noruega. Apesar de ser um senhorio da Coroa Britânica nunca formou parte das sucessivas fórmulas de unidade do Reino Unido (reino da Grande Bretanha do séc. XVIII, Reino Unido da G. Bretanha e Irlanda do século XX ou Reino Unido atual. Sempre mateve o seu próprio autogoverno.
Esta série de artigos acabam aqui apesar de ser possível ampliar exemplos em quantidades consideráveis. Como conclusão chegamos a duas reflexões (tal vez quem ler tenha outras). A primeira é que a mutabilidade de fronteiras na velha Europa é, apesar do discurso habitual das elites espanholas e dos seus coristas, uma constante e, a segunda, a diversidade de opções de relacionamento entre entidades diferenciadas, estado e partes do estado, bastante ampla. Não basta dizer que a soberania é do conjunto dos espanhóis. A praxe europeia, não apenas nas antigas colónias africanas, é a contraria.
Com menos ruído mediático e tempo para a reflexão (quem o tiver, porque o tele-trabalho -essa nova forma de escravatura sem horário- ou os filhos podem fazer da reclusão um castigo bíblico) os dados aportados nesta série de artigos podem dar linhas para a reflexão e, se calhar, para um projeto político futuro, realista, para o nosso país.
Nas duas entregas anteriores falei de como, nos últimos 100 anos, as fronteiras e países da velha Europa têm mudado tanto que é difícil reconhecê-las. Se quem ler isto teve a paciência de ler os anteriores artigos veria que os casos escolhidos são de estados independizados. Não falei nada dos que agora estão a trabalhar por se independizarem: Escócia e Catalunha nomeadamente. Disso há muito barulho por toda a parte e para mim requer de muita reflexão, discussão e análise.
Mas há outros casos que nunca saem nas novas da televisão ou da imprensa. Modificações de estatutos que não produzem cabeceiras nos jornais. Mesmo no que era o espaço dos poderes europeus fora da Europa houve mudanças pacíficas para ajustar as relações dos súbditos com o estado aos desejos desses súbditos. Entre eles podemos incluir diversos territórios com diversos estatutos e dependentes de diversos estados europeus... Da comunidade europeia, da mesma comunidade europeia que olha para outro lado para não molestar a oligarquia espanhola pola política do parlamento catalão.
Gronelândia é um território vinculado à Dinamarca como as ilhas Faroé. Muitos territórios que habitualmente consideramos parte do Reino Unido da Grande Bretanha estão integrados de diversas maneiras baixo a coroa. As ilhas do canal, a ilha de Man, Gibraltar são exemplos a ter em conta. Nesta nómina poderíamos incluir Aruba e ilhas caribenhas do reino dos Países Baixos também conhecido como Nederlands.
Vejamos alguns deles
O caso de Gronelândia
Gronelândia é um imenso território (mais de 2 milhões de Km2) escassamente povoado (pouco menos de 62.000 habitantes) com poucos núcleos urbanos de pouca população (trece mil habitantes na capital, Nuuk). O nome foi adaptado do nome escandinavo que significa Terra Verde, tal vez batizada assim no seu momento para atrair colonos.
Desde a promulgação da constituição dinamarquesa de 1953, passou de ser uma colónia de Dinamarca a formar parte do reino de Dinamarca com uma relação denominada Rigsfællesskabet, algo como a “Mancomunidade da Coroa”.
No ano 1979 Dinamarca lhe outorga a autonomia, não a autonomia ao estilo espanhol, claro, uma verdadeira autonomia. Em 2008 o governo dinamarquês decide transferir ao governo local, suponho que depois dalguma pressão dos gronelandeses, quase todas as competências do governo central com excepção de assuntos internacionais, segurança e política financeira.
Com o modelo atual o chefe do estado é Margarida II, rainha de Dinamarca e de Gronelándia. O governo nomeia um representante no território e os gronelandeses elegem dous parlamentários para a câmara dinamarquesa.
O poder legislativo em Gronelândia reside num parlamento de 31 membros e o poder executivo (com as limitações apontadas acima) está em mãos dum primeiro ministro.
Dous detalhes permitiram-nos compreender o grau de autonomia de Gornelândia. Em 1985 abandonou a Comunidade Europeia a diferença do estado do que se “independizou” que segue dentro dela. O outro é o controle da guarda costeira apesar de a defesa do território estar baixo a soberania dinamarquesa.
O caso das Faroé
As ilhas Faroé, “muito conhecidas” entre nós polo bacalhau, são um território autónomo de Dinamarca. O seu nome na língua faroesa é føroyar, com o significado de “ilha das ovelhas” (før: ovelha, mais oyar: ilha). Não semelha que o nome descreva os faroeses, humanos, claro.
A sua autonomia tem-se acrescentado desde o ano 1948 em que obteve este nível de autogoverno pola primeira vez. Mas a autonomia não caiu do céu. No ano 1946 os faroeses declararam a independência das suas ilhas após um referendo muito ajustado (48’7% a favor fronte a 47% em contra). Dinamarca anulou essa declaração mas permitiu, dous anos depois, um governo autónomo, ficando a responsabilidade do exército e defensa, da polícia, da justiça e do assuntos estrangeiros no governo dinamarquês. No território das Faroé a monarquia dinamarquesa nomeia um Alto Comissionado que a representa.
O poder autónomo reside num parlamento de 32 membros (løgtingið) que representam os 47.000 habitantes das ilhas (1999) e num presidente do governo (løgmann) com um executivo de 7 membros.
No exercício dessa autonomia decidiu não formar parte da União Europeia, a diferença da sua metrópole, nem da unidade monetária (euro). Também tem a sua própria política económica e pode estabelecer acordos comerciais com outros estados.
Desde 1998 em que o partido republicano secessionista ganhou as eleições iniciou-se um processo político para alcançar a soberania total. Em 2002 iniciaram-se conversas entre o governo local e o governo dinamarquês para acordar o estátus de soberania das ilhas sem rompimento total com a Dinamarca mediante uma sorte de mancomunidade entre ambos os territórios. Mas estas conversas não tiveram resultados a causa de se modificarem as proporções das forças unionistas nos resultados das eleições desse ano.
Em 2011 iniciou-se a elaboração duma constituição própria que colide com a constituição dinamarquesa polo que o poder dinamarquês apenas contempla a hipótese de os faroeses se independizarem de continuar com este projeto.
A Ilha de Mann
É uma “dependência” da Coroa Britânica com autogoverno situada no mar de Irlanda entre esta ilha e a Grande Bretanha. A cabeça do estado é o “Senhor de Mann” (Lord of Mann em inglês), atualmente Isabel II, quem está representada por um Tenente-governador na Ilha. Apenas a defensa é responsabilidade do Reino Unido da Grande Bretanha. O senhorio feudal recaiu na Coroa Inglesa em 1399 trás muitos anos de alternância do poder do rei de Escócia e do de Inglaterra e mesmo de Noruega. Apesar de ser um senhorio da Coroa Britânica nunca formou parte das sucessivas fórmulas de unidade do Reino Unido (reino da Grande Bretanha do séc. XVIII, Reino Unido da G. Bretanha e Irlanda do século XX ou Reino Unido atual. Sempre mateve o seu próprio autogoverno.
Esta série de artigos acabam aqui apesar de ser possível ampliar exemplos em quantidades consideráveis. Como conclusão chegamos a duas reflexões (tal vez quem ler tenha outras). A primeira é que a mutabilidade de fronteiras na velha Europa é, apesar do discurso habitual das elites espanholas e dos seus coristas, uma constante e, a segunda, a diversidade de opções de relacionamento entre entidades diferenciadas, estado e partes do estado, bastante ampla. Não basta dizer que a soberania é do conjunto dos espanhóis. A praxe europeia, não apenas nas antigas colónias africanas, é a contraria.