Cem anos a traçar novas fronteiras (2)

Cem anos a traçar novas fronteiras (2)
Cem anos a traçar novas fronteiras (2)

No artigo anterior (publicado em dezembro) falamos dos resultados da Grande Guerra e o caso concreto de Irlanda, contemporâneo mas desvinculado dos efeitos desse conflito. O contexto destas novas fronteiras, há pouco mais de cem anos, já foi tratado sucintamente. Agora retomamos o assunto das fronteiras novas no contexto prévio à 2ª Guerra Mundial e como consequência desta.

Arredor da 2ª Guerra Mundial
Nos tempos revoltos da pré-guerra houve integrações forçadas. O 3º Reich, constituído como um novo estado, assimilou outros estados. Primeiro, com a desculpa de terem população de fala alemã (Ein Reich, ein folk, ein Führer), integrou Áustria e Checoslováquia; despois, sem desculpa, repartiu com a URSS a Polónia. Mas este é um assunto bastante conhecido.

Seria longo de mais concretar os resultados da IIª Guerra Mundial. O efeito mais evidente foi a divisão do mundo em dous blocos de influência política (capitalista e “comunista”) liderados polos EUA e o Reino Unido polo bando capitalista e pola URSS polo bando “comunista”.

Com todo destacarei que ficam desenhados os países da Europa na situação que conhecemos até os anos noventa e, nalguns casos, até a atualidade. Mesmo com os sentimentos de serem injustamente tratados que se sentem, por exemplo, na Hungría pola perda dum terço (dizem eles) do seu território original em favor de Romênia.

Nesta nómina de novos países ou de fronteiras novas pode ser incluída a divisão da Alemanha em duas repúblicas (inicialmente eram três domínios, um para os EUA e outro para o Reino Unido que constituíram a RFA e um terceiro para a URSS que constituiu a RDA). A unificação das duas Alemanhas, após a queda do Muro de Berlim, foi um outro processo de criação dum novo estado, por mais que a perspectiva ocidental potenciasse a ideia de continuidade.

Também terá muito significado, pola violenta resolução posterior, a criação, a partir de elementos étnica e linguisticamente similares mas com histórias (e por tanto culturas) bem diferentes, do estado da Iugoslávia. Nele se integrariam croatas, eslovenos, bósnios e sérvios baixo o liderado de Tito.

O caso Islandês
Islândia tem um povoamento permanente desde o século IX em que foi “descoberta” polos noruegueses. Constituída como república inicialmente (Comunidade islandesa) passou a formar parte do reino de Noruega desde o século XIII. Com a União de Kalmar (1387) a soberania passou de Noruega a Dinamarca e assim ficou até o século XX.

Em 1918 Islândia acede ao estatuto de estado independente com a fórmula, similar aos estados da Commonwealth britânica, da “união na persoa do monarca” do estado de Islândia que reconhece como soberano o monarca de Dinamarca. Este acordo, registrado na Acta de União tinha uma vigência por 25 anos. Apenas a política internacional foi encomendada ao governo dinamarquês ainda que Islândia abriu, num ato fortemente simbólico, embaixada em Copenaga.

Ao ser ocupada Dinamarca polos nazistas em abril de 1940 o parlamento islandês (Althing) decidiu que o governo islandês devia fazer-se cargo dos deveres do monarca dinamarquês e das funções encomendadas ao governo desse reino. Os britânicos, pola sua parte, decidiram ocupar Islândia para evitar que o exército alemão se apoderasse dela e assim conseguisse uma base adiantada no Atlântico norte. Um ano depois os EUA ocupariam a ilha para facilitar o despregue de tropas britânicas noutros cenários.

A Acta de União expirou em plena Guerra Mundial (1943) e os islandeses decidiram em referendo (com o 95% dos votos emitidos) não continuar com a união persoal com o monarca dinamarquês e se constituíram em república. A república foi proclamada em junho de 1944. A ocupação estado-unidense acabou em 1946 mas Islândia acedeu a ser um membro da OTAN e as tropas dos EUA voltaram, para a defensa do país (?), trás o acordo de 1951.

Apesar de ser um país de povoação bem pouco abundante passou de ser uma triste colónia de camponeses e marinheiros a ser um dos países com maior desenvolvimento até o ponto de ser dos 10 primeiros países em qualidade de vida. A independência não lhe sentou mal, parece.

A reação em cadeia no mundo
Após a Segunda Guerra Mundial e até os anos 90 o número de países novos na África e na Ásia, descolonizados ou polo menos sem governo direto da potência colonial (porque o assunto dos países de África que alcançam a independência poderia ser um livro de centos de páginas) é significativo. O poder britânico depois de resistir-se à independência da India aprende uma lição muito valiosa para o seu futuro... É melhor dar a independência política, aforrando assim em manter a população das colónias com os níveis de dignidade europeus, e seguir controlando a economia das antigas colónias, nomeadamente as matérias primas.

Como este processo non promoveu novos países na Europa, ainda que frustrou o projeto francês de Estado descontínuo com Algéria como parte da metrópole, vou deixa-lo à margem e vou centrar-me num segundo momento de transformações no mapa político do velho continente.

Os anos 90
A muitos, com certa idade, virá-lhes à mente a lembrança da denominada Guerra dos Balcãs. Esta tendência a lembrar guerras não é viço em por si dos mortais. É o resultado duma manipulação ideológica a través da informação dos meios de massas.

A guerra vende mais, é certo, e em todos os sentidos da palavra vender: mercenários, armas, munição... jornais, ong’s para socorrerem as vítimas, empreiteiros e materiais para a reconstrução (cimento, forja, madeira, pintura, alumínio, cristal, telhas...). Também hipoteca o novo país para uns anos e deixa-o nas poutas do capital, limitando, assim, o potencial revolucionário dum processo independentista, quando for assentado numa ideologia revolucionária e mesmo sem assentar.

Para além de produzir mais titulares e dinheiro, a guerra tem também um efeito emoliente dos pensamentos mais inclinados ao direito dos povos a decidirem sobre o seu futuro e o modo de se organizarem. Quer dizer, mete o medo na gente e lhe tira ideias peregrinas da cabecinha. E como os casos de procura da independência são frequentes na Europa, há que esconjurá-los com toda a veemência possível.

Croácia, Bósnia e Herzegovina, Macedónia, Eslovénia... são o resultante dum conflito acirrado pelos poderes europeus maiores, nomeadamente Alemanha. Nesse conflito houve episódios de estrema violência e de violação de direitos básicos que ainda “hoje” estão a ser julgados. No passado março, há pouco menos dum ano, Rodovan Karajchik ouviu a nova sentença do tribunal de La Haie pola que elevavam dos 40 anos à cadeia perpétua a sua condena polos seus crimes contra a humanidade nessa guerra dos Balcãs.

Soluções pacíficas
Mas também houve dous estados derivados duma separação acordada e amistosa. A Chéquia e a Eslováquia ficaram divorciadas por via pacífica e parlamentar no ano 1993, a chamada “Separação de Veludo”. Mas dessa separação não houve grandes titulares e quase ninguém falou. Era bom demais! Sem mortos, sem exércitos próprios ou alheios com intenção pacificadora, sem crimes de guerra, sem espalhafato de políticos “hipernacionalistas” defendendo a unidade da pátria nem a independência da outra pátria... Um aborrecimento, de certo! Políticos a fazerem o seu trabalho, entendendo-se e negociando um processo de forma natural! Que péssimo exemplo.

Nem falar já nas concatenadas independências dos 15 novos estados (alguns de existência prévia), surgidos da dissolução da União Soviética em 1991: Rússia (11), Bielorrússia (3), Ucrânia (14), Moldávia (10), Estónia (4), Letónia (8), Lituânia (9), Arménia (1), Geórgia (5), Tadjiquistão (12), Azerbaijão (2), Uzbequistão (15), Cazaquistão (6) e Turcomenistão (13). Este processo foi considerado por ocidente como imprescindível, necessário... havia que libertar milhões de habitantes do jugo russo que a CCCP impusera com selvagem maldade de comunistas internacionais.

E podiam ter sido mais, pois o processo está longe de estar fechado, ainda que o Kremlin não abre a mão a certas nacionalidades como Osétia ou Chechnia, por exemplo). Por isso, nem todos foram casos pacíficos. Eis os Chechenos ainda em guerra com a Federação Russa pola sua independência. Eis também o conflito pola Crimeia que confronta Ucraína com Rússia.