Caminho Longo


O nacionalismo galego vem desenvolvendo desde há muitos anos uma estrategia de resistência. Essa resistência visava conservar as essencias do país, mas o país tinha outras condições que as de hoje: uma população esmagadoramente galegofalante, uma maioria de população rural, num país económicamente atrassado e ancorado no sector primário, com certas industrias punteiras... e uma emigração que sangrava o país ao tempo que limitava revoltas sociais. Duma política de resistência a penas pode aguardar-se uma conservação do que já se tinha, nomeadamente num contexto em que a realidade é abertamente hostil. Os resultados colheitados por essa política de resistênica são francamente decepcionantes.

Hoje a emigração prossegue mas, em todo o demais, e mesmo nisso, a realidade tem mudado de modo muito significativo desde a morte do ditador e, de modo crecente, nestes anos do século XXI. Depenicar os intermináveis agrávios e modificações do nosso país levaria-nos muito longe.

O caso é que cada vez resulta mais evidente, para os que temos uma identificação nacional firme, que sem soverania não há a menor possibilidade de deter e, muito menos reverter, a destruição da nossa nação como tal. Não se trata de retrotrairmo-nos ao tempo "arcádico" das vaquinhas e do analfabetismo. Isso já mudou definitivamente, por sorte, mas mudou para uma progressiva anulação da nossa identidade.

Mas não alcança com enunciarmos essa convinção. Necessitamos, ademais da consciência política, uma nova perspectiva estratégica. Até hoje o nacionalismo galego tem-se conformado com aguardar a ocasião de acceder ao poder mentres trabalha à contra, mobilizando, nas ocasiões sinaladas (que cada vez são mais), as bases do galeguismo. Uma estrategia de resistência, como dixem.

É tempo de estruturar um novo projecto. O objectivo final há de ser a independência que, por fim, faz parte do discurso do BNG, mas também é claro que no caminho há de haver muitos objectivos secundários, parciais, de etapa. É esencial sabermos a onde nos diriximos. Também é esencial termos claro que esse objectivo não é doado de conseguir e que, nas circunstancias actuais, pode semelhar quase quimérico. Por isso é imprescindível estabelecermos objectivos e estrategias a longo praço, mas também propormos diversas fases de actividade para alcançar, com sucesso, objectivos progressivamente.

Ao abraçarmos este objectivo ponhemo-nos no começo (tal vez um re-re-começo) duma longa e difícil viagem e, para conseguirmos avançar nesse caminho ainda por traçar, hão de se conjugar esforços e adoptarmos uma perspectiva geral que podemos chamar “projecto nacional”. Há de se aproveitar o tempo de mudanças para re-orientar a sociedade e re-educá-la. Unir esforços com quem tiver uma perspectiva similar, ainda que for em aspectos parciais, sem perdermos de vista o objectivo real, alcançar a independência e não, a penas, o poder político. Também não devemos deixar que “la voz” de Galiza seja o velho figurão, tão bem conhecido ... isso é deixar-nos comer o terreo.

Sobre todo devemos ser conscientes de que as nossas forças, as de hoje, não alcançam para a consecução do objectivo final. Por isso precissamente um objectivo prévio irrenunciável é ganhar força social do modo mais imediato. Ganhar força social para poder implementar boa parte dos trabalhos que nos aguardam neste caminho. Com este fim, sempre segundo os meus critérios, proponho quatro objectivos prévios e esenciais intimamente relacionados:

-formar as bases humanas do nacionalismo. Sem pretender menospreçar ninguém, a profundeza e raigame das convições do galeguismo estão-se contaminando de forma determinante polos valores do modelo espanhol. Na minha opinião é urgente alicerçar ideológicamente as bases do movimento galeguista. Que a gente tenha referências claras e argumentos contundentes para contrarrestar os mantras (que nem sequer chegam a ideias políticas) do antigaleguismo. Uma militância e um entorno simpatizante bem formados garantem uma difusão ideológica a áreas adjacentes que hoje nem se atingem.

-ter presença real nos meios de comunicação. Este é um elemento fulcral para conseguir uma difusão da ideologia nacionalista. É verdade que os meios de comunicação assentados na Galiza (que não galegos) são mais que refractários e com frequência antigalegos. Os ensaios para criar um jornal, em papel, galeguista forom um fiasco e mesmo hoje "Sermos Galiza" não alcança nem o público potencial, em princípio. Dotar-se de meios, quaisquer forem, é essencial.

-regaleguizar a sociedade. Este ponto está relacionado com os pontos anteriores mas tem ainda maior dificuldade e transcendência. Temos que reconhecer que nos últimos 20 anos e ainda mais desde a españolidade sem complexos de Aznar, o proceso de desgaleguização da nossa sociedade vai em progressão geométrica, a pesar de estar mais assentada numa minoria significativa. Não é o lugar aqui mas uma revisão do modelo lingüístico teria efeitos significativos. Contodo uma acção socio-cultural activa dos meios galeguistas é um veículo necessário para regaleguizar o país. Estabelecer um circuito cultural de tempo livre para meninos, promover a música de raiz entre os adolescentes, programar conferências, projecções de documentários ou filmes com debate, estabelecer uma escola para adultos de diversas actividades com marcado acento nacional, mesmo escolas privadas (concertadas, se é possível) para meninhos, filhos de gente com convições galeguistas (a pesar da baixa natalidade há muitas familias que nao têm escolas galeguizadas ás que poder enviar os filhos)...Por propor algumas possibilidades. É evidente que todo isto precisa de dinheiro... tudo é dinheiro, mas também de esforço, trabalho e ilusão. E de ideias claras.

-formular um modelo socio-político. É com este ponto que os anteriores têm finalidade e veículo. Um modelo socio-político atinge a um amplo abano de actividades e sectores. Supõe-se que o modelo sócio-político deveria promover a igualdade, um sistema de liberdades básicas, uma economia produtiva baseada num modelo cooperativista, um sistema finaceiro próprio... Neste ponto deixo ás assembleias ou aos ideólogos do BNG estabelecer um modelo. O importante é definir com clareça os pontos fundamentais e os objectivos. E insistir neles.

Estes processos, que em si mesmos são trabalhosos e mesmo permanentes, permitirám crear um estado de opinião que enchoupe a sociedade toda, para além dos elementos superficiais que hoje mantêm certa persistência. É óbvio que estes trabalhos devem projectar-se com perspectiva de futuro, a médio ou longo praço, e deixando á margem metas concretas referenciadas a sucessos electorais pois, ainda que ganhar as eleições pode ser um objectivo válido, não é um fim em si mesmo, mais se não temos claro que fazer com o poder.

Por outra parte, alcançar responsabilidades na Xunta em coalição ou colaboração com um partido espanholeiro não garante em absoluto poder desenvolver políticas galeguistas de calado, como já temos comprovado.

O trabalho na base social, um trabalho de formação e contra-formação, é o único meio para conseguirmos uma ampla influência na sociedade e no decurso dos acontecementos políticos. O trabalho em reorganizar e reorientar a base social deve ser objectivo prioritário para alcançarmos o único fim irrenunciável de construirmo-nos como nação.