A fenda ideológica


Desde a queda do muro de Berlim (novembro de 1989), e a sua venda em cachotes como lembranças turísticas, o mundo já não é o que era. A pesar de ser o tempo da minha primeira juventude, não cream que tenho saudades daquele mundo sempre pronto a rebentar nuclearmente. Ainda que o de hoje não tenha menos possibilidades de tal (seguramente mais).

E o medo induzido, entre outros, a um holocausto nuclear era o motor de políticas conservadoras no Ocidente (Europa e América do Norte) e de ditaduras ferozes noutros lugares (Sulamérica, África (com nós ao norte), Ásia) onde alguns românticos marxistas pretendiam mudar o modelo polo do bloque transmuriano. Com a queda do muro ficou á vista, de quem quisser ver, o desastre do segundo mundo, do hipotético paraíso socialista. Ainda há “românticos” que acham Cuba um deficiente exemplo de socialismo gorado pola maldade dos EUA.

Ao que vou. Desde então, pouco e pouco, falar de política começou a ser politicamente incorrecto. Como muito, um podia votar (máximo acto político admisível) a um partido que jogava á contraposição ente direita e ultradireita. Qualquer outra opção era residual.

Era evidente, a dicotomia socialismo-capitalismo estava superada e se alguém ainda duvidar aí estavam as famintas hordas de proletarios soviéticos para confirmar que melhor pobre europeu, liberal ou social-democrata, que comunista misserável. De facto os velhos loitadores (políticos, sindicais, artísticos ou laborais) foram deixando de dizer cousas que soavam mal. Revolución foi substituído por progresso de clara intenção não transformadora, comunismo por liberdade (os países do bloco soviético eram cárceres ao ar livre, no melhor dos casos), proletariado passou a ser classe media-baixa, luta armada foi trocada por terrorismo. Era hora de mudar o discurso e mesmo o rumo. O fim da história, o fim das ideologias. A igualdade que extinguiria os odios que envenenam o mundo passou a converter-se numa especie de mal que havia que erradicar. O culto ao multimilionário chegou ao paroxismo com este novo século.

,A ideologia liberal não só ganhou o pulso, também conseguiu impor-nos o seu discurso, o seu modo de fazer política e os obejctivos desta, convertendo á esquerda numa comparsa da sua farsa. Mandam os “mercados”, a politica fai-se com vistas ás elecções e o horizonte é, apenas, sobriviver individualmente ou como partido...

Na Galiza todo o discurso revolucionario teve pouco calado. Era pouco o proletariado e muito o minifundiário abafado de miserias e de cantilenas de clero e caciques políticos. Mas o discurso tinha um peso e um arsenal de munição verbal para contrarrestar o omnipresente discurso liberal-capitalista. Já nem isso existe. E com ele foi-se também o discurso nacional. Galiza é uma nação em que os seus proprios nativos não acreditam. Não é que apenas seja, como adoita dizer-se, uma nação sem estado, é que, agora mesmo, é uma nação virtualmente sem povo.

Aqueles, venerábeis avós de hoje (como os do rebuçado da publicidade), que viviram a decepção do estalinismo, do maoísmo, do castrismo, deixaram de contar contos de igualdade futura e paraísos na terra aos seus netos. Mesmo deixaram de crer neles porque chegaram a considerá-los ridículos. Eis a fenda ideológica.

Os nossos jovens apenas si podem compreender que poida ser isso de movementos revolucionários, propaganda ideológica, organizações de base... vivem nos mundos virtuais de Strategic Games, ou doutras marcas, que lhes prometem “enganchá-los” para afastar-se da realidade, até que a realidade os estampa, já cos seus bos 30 anos, contra a precariedade laboral, a falta de oportunidades, a fenda de gênero e a imposibilidade de converter-se numa honrada mãe ou pai duma família. Aliás poucos falam já da Galiza e ainda menos no seu idioma porque esse assunto não está na agenda política do poder, dos meios, da educação...

Toda esta perorata vem a conto dum assunto no que levo tempo a insistir desde diversas perspectivas mas com idêntico objectivo... e decepcionante resultado. Não há uma força política com um projecto de formação ideológica para as gerações mais novas. Este esforço é necessário, imprescindível se queremos sobreviver como sociedade diferenciada. Não podemos deixar isto nas mãos do sistema. Há demasiados estímulos contrarios como a tira de Davila recentemente publicada deixa ver.

Necessitamos duma estrategia geral e dumas tácticas concreta. Necessitamos um plano e realizá-lo. Os cerebros do galeguismo deveriam desenhar as linhas mestras dese plano geral para regaleguizar o país. Neste ponto fago um apelo directo a Pontón, se me ler, para que consensue com outras organizações implicadas e desejosas de traballar as linhas mestras do plano. E ao falar destes cérebros não falo da RAG auténtico ninho de múmias dirigida por um duvidoso galeguista e declarado anti-nacional.

Há que deixar de confiar no labor desinteressado dos professores de secundaria (que com frequência não têm o menor interesse no futuro do país quando não são abertamente contrarios ao projecto nacional galego) porque os programas tenhem feito desaparecer qualquer referencia ao país. Mesmo as equipas de dinaminazación e normalización têm escaso sucesso, polos vistos, no seu labor.

,Há que baixar os niveis de impacto do projecto a idades mais temperãs. Sigo sinalando o exemplo das escolas infantis “Semente” que promovem e avogam por um ensino em galego (reintegracionista, claro) nas idades em que os filhos, e netos, criados com afám em galego deixam de ser monolingües e passam a espanholear, as mais das vezes com professorado pagado por nós particularmente. Sei que a ideia é que a administração faga o que tem que fazer mas ... se não o faz, ao final, qual é o resultado real? e se o faz qual vem sendo o resultado? Cada vez mais meninos espanhol-falantes (a fenda lingüística). Por que não criar um consorcio de escolas infantis galegas para, quando menos, dar ensino infantil para as filhas e filhos de quem quere, ou não ve mal, educar as crianças no idioma do país?

Há que recuperar algumas prácticas antigas (teatros populares, actividade nas associações de vizinhos, clubes culturais) adaptando-as ás modernas circunstancias e discursos. O lazer no nosso idioma deve ser uma opção real. Mesmo concelhos governados polo BNG promovem uma oferta bastante anémica e combinam-a, em aras da “convivência pacífica” de todos os cidadãos, com questionáveis elementos da mais “casposa” espanholidade.

É mester também informar e formar a gente sobre nós. Nós povo, nós país, nós história, nós arte e cultura, nós tradições (sobre isso há bastante mas nunca é demais), nós. Também se pode promover o desporto (quase todos os acontecimentos deportivos estão espanholizados), as caminhadas, as viagens culturais... E de passo lembrar ás legiões de galega e galegos de classe media-alta, media-media e media-baixa que o que somos, todos os que vivemos dum soldo, é trabalhadores, proletariado.

Por último e para não aborrecer, ainda que poderiamos propor outras áreas de trabalho o que segue: O galeguismo tem de asumir de uma vez que a sobrevivência do idioma, e como consequencia da identidade nacional (lembre-se Castelao: somos galegos por obra ... da lingua e também a nosa lingua floresce en Portugal), que o futuro noso precisa do mundo lusófono para se amarrar á vida. Eis outro eixo do que esse plano tem que comtemplar. E, por favor, em breve pois o tempo se esgota.

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