A fauna silvestre, um problema de toda a sociedade

A fauna silvestre, um problema de toda a sociedade
Considera-se fauna silvestre ou selvagem aquela que vive em liberdade e não foi domesticada. Têm a consideração de espécies nativas ou autóctones aquelas que aparecem numa determinada região geográfica sem a prévia intervenção do ser humano, e pela contra consideram-se espécies exóticas ou alóctones as introduzidas num ecossistema de jeito artificial, bem voluntariamente ou involuntariamente, pela ação do ser humano. Em contraposição temos todas aquelas espécies que foram domesticadas para aproveitamento e em benefício da espécie humana.

Por volta do ano 2013 a FRUGA celebrou uma reunião de trabalho em Lugo à que assistiram representantes dos distintos sectores comprometidos com o mundo rural galego, contando com a presença de representantes do sector produtor agrário e pecuário, pessoal veterinário, de meio ambiente, ecologistas e representantes das Comunidades de Montes e dos TECORES (Terreiros Cinegeticamente Ordenados).

Naquela jornada já se analisava que o campo galego estava a padecer, cada vez mais intensamente, os danos causados pela fauna silvestre e especialmente os originados pela ação do javali. Também se constatava que as perdas produzidas não eram compensadas por parte da administração galega, já que a Junta da Galiza, desde o ano 2009, deixara de retribuir os danos causados pelo javali, o que provocava grandes prejuízos às pessoas afetadas, e sobre tudo tendo de conta que estes se estavam a dar num contexto marcado pela crise do capitalismo iniciada no ano 2008, o que tinha incidido negativamente nas receitas das explorações agrárias e pecuárias.

Para as pessoas presentes a principal causa da proliferação dos danos provocados pela fauna silvestre estava intimamente relacionada com o abandono do espaço rural, com o que isso implica de desestruturação e desordem. Abandono que se viu acrescentado como resultado das políticas planeadas desde os governos da Junta da Galiza do Partido Popular (PP). E com o abandono viu a massiva plantação de espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, mesmo em terras de cultivo. Plantações promovidas pelas empresas ENCE e FINSA, com o consentimento e beneplácito da atual administração galega, em detrimento das espécies caducifólias autóctones, que por outra parte são quem de lhe proporcionar algo de alimento a esta fauna silvestre.

Mas não só nós chegamos a esta conclusão, senão que há certo consenso, entre todos os sectores sociais preocupados por este fenômeno, em que a proliferação da fauna silvestre está ligada com o processo de desertificação humana da maior parte do território da Galiza, principalmente do interior do país, mas não exclusivamente porque este processo também está a afetar a algumas comarcas costeiras.

Despovoamento rural, desaparição do modelo de agricultura familiar e promoção de uma agricultura e uma pecuária intensiva, e de quase monocultura, fazem parte do mesmo processo que tem como resultado a menor presença humana sobre o território e uma proliferação descontrolada do mato. Em consequência a expansão da presença de fauna silvestre e a destruição do habitat humano e natural do espaço rural galego, não se podem enter uma sem a outra.

Pese embora non contar com dados oficiais, tem-se a sensação de que nos últimos anos se têm acrescentado os danos, sobre a atividade agropecuária, causados pela fauna silvestre, fundamentalmente javali e em menor medida canídeos (lobos e cães), mamíferos ungulados tipo corços, cervos ou gamos, ou raposos. Mas do que sim se tem dados é do número de acidentes de viação, e um acidente deste tipo pode-nos passar a qualquer de nós em qualquer momento.

No que tem a ver com os acidentes de trânsito, um estudo feito por uma companhia de seguros, achega as seguintes conclusões; os javalis são os animais que mais acidentes causam em todo o Estado espanhol, supondo 35,1% de todos os acidentes provocados pela fauna cinegética ou silvestre, seguido dos corços com 24,9%. Em concreto na Galiza os acidentes de viação provocados pelo javali supõem o 74% do total de acidentes provocados pela fauna cinegética. Galiza ocupa o segundo lugar no Estado espanhol enquanto ao número de acidentes causados por este tipo de animais, 17,6% do total, depois de Castela e Leão que fica em primeiro lugar com 35,5%. Se o que se tem de conta é a divisão administrativa provincial vê-se que Ourense ocupa o terceiro lugar nesse ranking, seguida de Corunha e em sexto lugar Lugo, não aparecendo Ponte-Vedra entre as dez primeiras com mais incidências. Por demais constata-se um aumento no número de sinistros em todo o território galego no período que vai entre 2014 e 2018, assim na demarcação de Ourense os acidentes acrescentaram-se em 67,5%, em Lugo em 52%, em Ponte-Vedra em 57% e a demarcação de Corunha foi a que sofreu o maior crescimento, nestes quatro anos, chegando este a ser do 93%.

O período temporal no que mais acidentes de viação se produzem é o compreendido entre a sexta e a segunda-feira, é dizer o fim de semana. Entre a meia-noite e as 7 horas da amanhã, com serem as horas em que menos trânsito circula, dão-se o 25% dos sinistros por colisão com animais. Outro dato a ter de conta é que são nos meses finais do ano quando se produzem mais acidentes, principalmente novembro e dezembro, 84%, porém os meses de julho e agosto são nos que menos colisões se dão com animais cinegéticos.

Vemos como frequentemente se contemplam as batidas como a medida mais eficaz para combater este tipo de animais, com o objetivo de reduzir o seu número. Mas alguns dados parecem contradizer esta como a melhor opção para diminuir tanto o número de animais como de acidentes. De acordo com este informe a maioria dos acidentes produzem-se nos fines de semana, entre as 24 e 48 horas seguintes à realização de batidas e, por outra parte, resulta que nos meses centrais do verão é quando menos sinistros se produzem por coincidir duas circunstâncias, uma que são os meses nos que menos batidas se realizam, e outra que coincide com o período no que há mais alimento ao seu dispor, em forma de milho, patacas ou erva.

Dá-se também outro fator e é que na Galiza é a única zona do Estado onde está permitida a prática de treinamento dos cães de caça durante todo o ano. Esta prática provoca que os animais se vejam obrigados a fugir totalmente despavoridos refugiando-se nas zonas de cultivo e provocando com isso perdas importantes.

A primeira grande dificuldade com que nos encontramos para defrontar a verdadeira dimensão do problema é saber com a maior exatidão possível o censo e a distribuição da fauna silvestre, sobre tudo no que tem a ver com o javali, para o que se faz necessário que a administração galega aborde este assunto elaborando um estudo rigoroso e a partir do mesmo desenvolver um Plano de Gestão Integral com medidas efetivas de prevenção e controlo do censo para o que tem de estar dotado de orçamento suficiente e que não passe como com o Plano de Gestão do Lobo que existe, mas que carece do orçamento necessário.

E que papel vem desempenhando a Junta da Galiza em mãos do PP? Perante deste problema tem optado por duas opções. A primeira, derivar responsabilidades sobre os TECORES obrigando às pessoas danificadas, tanto pelos danos causados nas atividades agropecuárias como pelos causados por sinistros de viação, a se defrontar e lhe reclamar indemnizações aos TECORES. Com este proceder a administração galega está-se a se desentender dum problema que afeta a toda a sociedade e deste jeito provocando conflitos entre os distintos sectores sociais (pessoas danificadas, TECORES, movimento ecologista e comunidades de montes vizinhais), abdicando das suas responsabilidades políticas e administrativas.

A segunda, promulgar linhas de apoio pontualmente, a maior parte das vezes coincidindo com períodos eleitorais. Em concreto desde o ano 2014 somente publicou ordens de apoio para paliar os danos causados no 2016, ano de eleições galegas, e este de 2019 coincidindo com as eleições autárquicas. Em todo caso estas ajudas caracterizam-se por ser totalmente insuficientes e por não cobrir, em nenhum caso, o importe total do dano causado, tanto nos cultivos como nos animais.

Transcorridos mais de cinco anos desde que a FRUGA celebrara a anterior reunião e desenvolvera uma campanha de recolhida de assinaturas para demandar soluções ao governo galego, comprovamos que as coisas têm mudado desde aquela, mas para pior; o abandono do rural não se detém e os efeitos dos danos causados pela fauna silvestre continuam crescendo, motivo pelo que a FRUGA celebrou uma nova reunião, para tratar deste assunto, o passado dia 30 de março na localidade d´O Carvalhinho.

Podemos partir por admitir que este problema não tem uma solução nem a curto prazo nem fácil. Porque? Porque para isso ter-se-ia que de novo voltar a ocupar o espaço rural abandonado, algo, a estas alturas, utópico, e sobre tudo tendo de conta que os planos do atual governo galego perseguem o desmantelamento do rural.

Em tanto não se apliquem políticas que visem reverter o abandono do rural vai ser necessário demandar da atual administração galega uma série de medidas que tentem paliar os efeitos da presença da fauna silvestre, partindo de que a sobrevivência destas espécies é algo que incumbe a toda a sociedade galega.

Em primeiro lugar temos de reclamar à Junta à Galiza que assuma as suas responsabilidades e competências no que tem a ver com os danos causados pela fauna silvestre, fazendo-lhe fronte ao pagamento da totalidade dos mesmos, para o que se faz necessário a constituição, de jeito urgente, de um fundo de compensação de danos, como já fica contemplado na Lei de Caça da Galiza, mas que nunca se efectivou.

Levar a cabo um estudo sério e rigoroso que permita saber com certa precisão a distribuição e o censo das distintas espécies. Neste sentido parece ser que no caso do lobo estima-se que na Galiza deve haver entre 60 e 70 grupos, mas no que diz respeito do javali está por determinar. A partir do mesmo elaborar um Plano de Gestão Integral, com a participação de todos os sectores afetados e implicados, um específico para o javali e outro para o resto das espécies, contando com que o lobo já tem um, mas infradotado orçamentalmente.

Promover medidas que favoreçam a prevenção e as boas práticas agrárias e pecuárias tendentes a limitar os danos causados, como os feches ou a compra de cães para fazer fronte ao lobo, mas sem as limitações das medidas atuais.

Posta em prática de um sistema que permita o controlo da possível transmissão de enfermidades por parte da fauna silvestre, tanto às pessoas como aos animais.

E como medida mais estrutural que conjuntural -algo no que não acredita o atual governo galego- favorecer a mobilidade tanto da terra agrária como da de monte, assim como impedir plantações florestais em terras agrárias, aplicando uma moratória a todas as plantações de eucalipto ao tempo que se potenciem as plantações de frondosas caducifólias (com critério técnico) como apoio ao sustento da fauna silvestre.