A crise política em espanha e o eufemismo da questão territorial

A crise política em espanha e o eufemismo da questão territorial

A existência do Estado espanhol assenta na ideia imperial da supremacia castelão-espanhola a respeito dos considerados territórios periféricos, mais concretamente das nações conquistadas (Galiza, Euskadi e Paisos Catalans), ou da sempre pendente por conquistar (Portugal), as mais das vezes militarmente e ultimamente econômica e culturalmente.

A inserção das nações dominadas que fazemos parte do Estado espanhol sempre esteve presidida por umas relações de subordinação a respeitos dos interesses, políticos, económicos e culturais da oligarquia latifundiária espanhola.

Tanto a ocupação militar da Galiza por parte nobreza espanhola, como os distintos intentos de anexação de Portugal, a conquista de Barcelona ou a abolição do sistema foral em Euskadi, sempre tiveram como fim submeter às distintas nações que ocupamos o território da Península Ibérica.

Logicamente este processo imperial tem provocado a contestação das distintas nações subjugadas e pode-se dizer que, mais concretamente, desde o século XIX esta situação esteve sempre presente nas distintas crises políticas que viveu e vive o Estado espanhol.

Assim, a primeira república espanhola, presidida por Pi e Margall, que se definia como federal, pode-se interpretar com o intento de dar resposta ao fastio gerado pela imposição centralista da divisão territorial em províncias de 1833. Vexame que, presumivelmente, está na origem do surgimento do movimento provincialista, germe do futuro nacionalismo galego, e que teve como manifestação mais relevante o levantamento de 1846. Revolta que tinha como objetivo reclamar a unidade administrativa, social, cultural e económica da histórica “província” ou Reino da Galiza. Pois bem todo este período conflituoso rematará com a primeira restauração borbônica com o fim de desencorajar as demandas de liberdade.

Outro claro exemplo deste conflito representa-o o golpe de estado de 1936. A razão última que explica, não unicamente, mas sim em grande medida, o levantamento militar franquista, temo-la de encontrar na pujança do movimento nacionalista e na aprovação dos estatutos de autonomia de Catalunya, Euskadi e Galiza; “antes uma Espanha roja que rota”. Significativamente o golpe militar fascista produz-se três dias após de que uma delegação galega tivera feito entrega do Estatuto da Galiza ao Presidente das Cortes espanholas. Este longo período especial terá continuidade, à morte do ditador, com a segunda restauração borbônica e a proclamação da Constituição espanhola em 1978.

Fitos importantes que mostram o esgotamento do regime de 78 ao tempo que a intransigência e teimosia do poder espanhol em negar a realidade plurinacional do Estado, foram o tratamento dado tanto à Proposta de um Novo Estatuto Político para Euskadi, conhecido popularmente como Plano Ibarretxe, como à Reforma do Estatut de Catalunya. Ambos intentos pretendiam chegar a um acordo com o poder central tendente ao reconhecimento das nações basca e catalã, e pelo tanto de que no Estado espanhol há mais nações das que oficialmente reconhece a Constituição vigorante, a espanhola. As duas propostas que contavam com o apoio maioritário dos seus respetivos Parlamentos partiam de que tanto o povo basco como catalão eram povos com personalidade própria e pelo tanto com capacidade para determinar livremente o seu futuro; é dizer com capacidade para exercer o direito a autodeterminação.

O Plano Ibarretxe que iniciou o seu percorrido no Parlamento Vasco em outubro de 2003, finalmente foi tombado no Parlamento espanhol o 1 de fevereiro de 2005 por 313 votos em contra (PSOE, PP, IU, CC e CHA), 29 a favor (PNV, BNG, ERC, CiU e NaBai) e 2 abstenções (ICV).

O 1 de outubro de 2005 o Parlament aprova a proposição de lei orgânica de reforma do Estatut por 120 votos a favor e 15 em contra do PP, e remata o seu percurso o 28 de junho de 2010 quando o Tribunal Constitucional espanhol sentença a aprovação do novo Estatut de Catalunya com a imposição de várias modificações sobre o texto inicial que desnaturalizaram os aspetos fundamentais da proposta surdida do Parlament de Catalunya. Neste meio tempo assistimos ao cambio de postura operado no PSOE, que passou de dizer que aceitava todo o que vier do Parlament catalão a combater abertamente a proposta catalã, sobre todo no que tinha a ver com o reconhecimento de Catalunya como nação.

Outro episódio destacado da atual crise política espanhola, crise que podemos datar o seu início nos processos acima referenciados, foi o da abdicação, em junho de 2014, do anterior rei da Espanha e o indigitação de Filipe VI como novo rei, processo ao que se viu em chamar a terceira restauração borbônica.

Este intento de aparente regeneração, ao igual que os anteriores, perseguia fechar filas, mas parece que não o conseguiu porque a última, mas acho que não derradeira, mostra da crise permanente na que se encontra a política espanhola manifesta-se na incapacidade dos partidos políticos estatais para formarem governo após a celebração consecutiva de duas eleições gerais. Incapacidade que nasce da obstinação em não querer admitir a realidade plurinacional do Estado espanhol; “não se pode falar e menos negociar nada com os independentistas”, dizem e repetem constantemente pessoalidades políticas espanholas de todas as cores e os meios de comunicação.

O panorama político espanhol consta de dois partidos PP e C´s que baseiam tudo o seu discurso em fazer profissão de fé da indissolúvel unidade da pátria espanhola, ainda que no seu momento o senhor Aznar não duvidou em falar catalão, na intimidade. Um PSOE que passou de reconhecer formalmente o Estado como um estado federal a negar toda possibilidade de entendimento e negociação com os partidos nacionalistas presentes no atual Parlamento espanhol; e um Podemos-IU que aparentemente reconhece o direito a decidir das nações que fazemos parte do Estado unitário espanhol, mas para votar em contra do nosso direito a nos separar desse estado opressor. Dirigentes desta organização têm-se proclamado como os únicos garantes da unidade da Espanha. A última amostra deste posicionamento acabamo-la de ver nas recentes eleições ao Parlamento galego, quando o seu cabeça de cartaz proclamava fachendosamente que “dentro da constituição espanhola tudo, fora dela nada”.

Em definitiva todos os partidos políticos de âmbito estatal, incluídos os desaparecidos por não ser úteis ao sistema como a UCD-CDS e UPyD, compartem a mesma visão centralista e imperialista.

Eis a verdadeira razão que explica a crise permanente que atravessa à Espanha “cañí”. Nalguns casos e nalguns momentos históricos esta atitude totalmente refratária a reconhecer que o Estado espanhol é um Estado plurinacional, intenta-se suavizar agachando-a acudindo ao subterfúgio de falar da questão territorial, evitando em todo momento falar abertamente das nações que fazemos parte desse Estado; exemplos desta postura foi o “cafe para todos” da transição e a fraseologia baixo a que se esconde a “nova política” de Podemos-IU.

Perante desta posição irreconciliável que faz impossível qualquer tipo de negociação para chegar a um acordo de reconhecimento mutuo (e chegados a este ponto é bom lembrar as propostas feitas para conformar uma confederação de estados ibéricos, incluindo a Portugal, mesmo defendida por Castelao), às nações que fazemos parte do Estado unitário espanhol não nos fica mais saída que procurar a nosso próprio caminho, o da independência e o sobernanismo.

Uma anedota pode servir para ilustrar todo o que estou intentando argumentar, refiro-me ao que recentemente lhe passou ao jogador de futebol Gerard Piqué. Este jogador catalão que tem manifestado em diversas ocasiões as suas simpatias catalanistas, participando publicamente na celebração da Diada de Catalunya ou na consulta popular de 9 de novembro de 2014, habitualmente é convocado para jogar com a seleção espanhola; pois bem desde que tem feito publicas as suas posições catalanistas está constantemente baixo suspeita por parte dos setores mais intransigentes do espanholismo e sofrendo uma pressão fortíssima contra da sua pessoa. O último episódio teve lugar no último jogo desta seleção quando este desportista decidiu mudar a camisola, por comodidade para o exercício desportivo, de manga curta que portava uma franja com as cores da bandeira espanhola, por outra de manga longa que não levava essas cores. A campanha montada, pelos meios de comunicação espanholes e seguida pela torcida espanhola, contra este jogador alcançou grãos superlativos, baixo o argumento de que o senhor Piqué tinha cortado as mangas da camisola para evitar portar as cores da bandeira espanhola, coisa que não era certa, o que provocou que o desportista anunciara a sua renúncia a seguir jogando com esta seleção a partir da finalização do campeonato do mundo a celebrar em Rússia no ano 2018. Serva esta anedota para exemplificar a impossibilidade de convivência civilizada com a Espanha imperial.

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