Vassalagem

A recente visita do presidente brasileiro aos EUA ficará certamente para os anais como uma das páginas mais negras da diplomacia do Brasil. Por tudo quanto encerra de vexatório e degradante para a dignidade e soberania nacionais, reflectindo-se em toda a América Latina, e no mundo.

No beija-mão a Trump e na aquiescência aos supremos interesses do imperialismo, Bolsonaro quis aparecer como a alma gémea do inquilino da Casa Branca, não olhando a esforços, e ao despautério, no engajamento com os EUA na virulenta cruzada reaccionária que tem como argamassa o anticomunismo mais cavernícola. A emergência e afinidades de uma extrema-direita neofascista, impulsionada pela ascensão de Trump, configuram um processo não desdenhável, a reter na sua real dimensão. Mas a realidade mais prosaica que perpassa da postura política de Bolsonaro é a da bajulação da besta perante o criador. A eleição do ex-capitão em 2018 constituiu o coroar do golpe jurídico-institucional que afastou Dilma e levou à prisão Lula, bloqueando a sua participação no pleito presidencial em que era apontado favorito. Toda uma trama, em que o braço longo do imperialismo dos EUA não desempenhou, de todo, um papel menor.

Durante a visita, Bolsonaro jantou com Bannon, figura pivot da alta-reacção dos EUA. O presidente e comitiva, incluindo o agora ministro Moro, visitaram nada menos que a sede da CIA. Foi anunciada a mudança de embaixador em Washington – por certo para um perfil mais funcional ao afã de subserviência que o Planalto deseja imprimir. Com Trump, em tom tu-lá-tu-cá, Bolsonaro admitiu trocar o regime preferencial do Brasil na OMC por uma adesão à OCDE. Sobre o cadáver da Unasul, cedeu aos EUA a utilização da base militar de Alcântara, na região amazónica, na esteira do processo de alienação da Embraer à Boeing. No prometido regabofe privatizador mais estará para vir, inclusive o petróleo do pré-sal. O Brasil dispôs-se a baixar tarifas e rubricou mais compras de trigo. Trump fez questão de vincar a reciprocidade do America first com uma mão cheia de nada em termos de compras reais. Mais: inebriado pelo espírito de comunhão, prometeu conceder ao Brasil o estatuto de aliado-maior não membro da NATO e, quiçá, até a integração (à semelhança da inclusão na Nato em 2018 da Colômbia como ‘parceiro global’). A fórmula da NATO e a OCDE poderão ser uma forma de anular a permanência do Brasil no BRICS, mas para já tudo indica que o país acolherá a cimeira de 2019 da organização. E não é empresa simples satisfazer as salientes pretensões anti-China, quando Pequim é o maior parceiro comercial e principal destino exportador do Brasil.

Claro, o prato forte do encontro com Trump foi a Venezuela. Bolsonaro não foi claro na rejeição da participação numa intervenção militar, depois de os EUA ecoarem pela enésima vez a ameaça de que «todas as opções estão em cima da mesa».

Contudo, a subordinação de Bolsonaro terá ido longe de mais. Como confidenciou uma fonte da comitiva brasileira «eles pedem tudo, mas não estão dispostos a ceder em nada». No regresso, a delegação presidencial deparou-se com novas expressões da resistência popular contra a gravíssima reforma da Previdência e a política de claudicação nacional.


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