Que Europa?
O Brexit, a ascensão de Trump e o auge de movimentos parafascistas estão a agitar o tabuleiro europeu, mudando os ventos do debate entre as posições pro e anti europeístas e criando uma nova rede de significados. Neste rio de águas movidas fazem-se mais evidentes uma série de paradoxos e contradições dos que devemos tomar conta. Recontamos e analisamos.
Paradoxo 1: Ainda que não gostemos, hoje os abandeirados do europeísmo anti-UE são movimentos de xenófobos e chauvinistas. Infelizmente, nem os impulsores do Brexit, nem Le Pen nem Wilders questionam a UE desde o progressismo e a igualdade, senão desde todo o contrário.
Paradoxo 2: Aquelas nações sem estado que estão, em parâmetros históricos, a ponto de deixar de sê-lo (Catalunha, Escócia) ou aquelas que estão a ponto de suprimir fronteiras e se reunificar em novos estados (Irlanda) dizem ser declaradamente europeístas e confiam os seus planos futuros à própria existência da UE. Incluso desde a esquerda: ERC e o Sinn Féin são um bom exemplo.
Paradoxo 3, relacionado com o anterior: Os modelos de independência nacional que como galegas e galegos desejamos seguir estão basicamente aí, na Europa, e não faz falta inventá-los nem imaginá-los. Deram-se muitos processos de criação de estados independentes dentro do continente nos últimos cem anos. Certo é que nenhum deles deve ser considerado como o modelo final em quanto a justiça social ou igualdade, mas coincidirão comigo em que, incluso dentro do capitalismo que partilhamos, em muitos casos as comparações são odiosas.
Paradoxo 4: É curioso que o nacionalismo de um país que jogou papéis de envergadura na configuração da Europa (o primeiro reino medieval, a primeira rota de peregrinação global, uma lírica de primeiríssima fila) tenha demostrado um escasso interesse no processo de integração europeia, polo menos nos últimos tempos e deixando a geração Nós à margem. Efetivamente, a Europa da UE demostra ser a dos mercadores, a que nos deixa sem médio rural e a que acaba com setores clave da nossa economia. Mas há uma outra Europa, a denominada por nós mesmos Europa dos Povos, que não acaba de ser visualizada.
Paradoxo 5: As instituições europeias, incluso na sua forma atual, são por vezes capazes de lhe dar a volta a causas perdidas entre a corruptíssima maranha de interesses do estado espanhol, abrindo novos cursos de ação aqui impedidos. É o caso dos afetados do acidente de Angróis e da teimosa defesa que, com um mérito extraordinário, a nossa Ana Miranda está a fazer deste caso nas instituições continentais.
Permitam-me que acrescente um par de paradoxos mais, esta vez –e perdoem- através de um câmbio drástico de perspetiva e falando da minha experiência pessoal, uma mais entre tantas possíveis: A tradicional falta de coordenação entre o professorado dos institutos de educação secundária e a aparição de programas europeus de colaboração está a provocar, já desde há tempo, que o trabalho conjunto que desenvolvo com professores de outros países seja maior que o que desenvolvo com a maioria dos meus companheiros no meu centro de ensino. Isso da dimensão europeia da educação vai resultar ser paradoxalmente certo.
Por certo, não podem nem imaginar o impacto que me produz a querência identitária dos docentes dos pequenos países com os que trato, sempre empenhados em que tal ou qual projeto seja formulado desde uma perspetiva finlandesa, islandesa, da Letónia ou de onde for. Não duvidem: se vierem de um galego, tais comentários seriam tomados em certos foros como mostra de paletismo e cerração. Eles, cidadãos de países livres, põem-nos em cima da mesa como se tal cousa.
Três são as alusões que no documento de conclusões do Processo Adiante se fazem diretamente à palavra Europa. A primeira afirma a existência de cada vez mais novos estados na Europa (pág. 42) e a terceira assevera que é nos estados pequenos da Europa onde melhor se vive (pág. 45). São duas verdades incontestáveis. A nossa meta é, afinal, converter-nos num desses estados. Iremos mais ou menos avançados nesse processo, mas esse deve ser o ponto final da nossa trajetória. É a segunda das referências, também na página 42, a que concretiza algo mais sobre a posição do nacionalismo galego a respeito da Europa:
No ámbito europeo, o nacionalismo galego avoga por unha Europa dos Pobos, fronte ao modelo de construción europea representado pola Unión Europea, concibida como un espazo ao servizo da globalización e dos intereses do capitalismo financeiro e das multinacionais.
Á luz da paradoxal situação que vivemos hoje, quiçá convenha no futuro perfilar mais esta postura, cujo sentido último fica na redação do anterior parágrafo à mercê de uma vírgula, a segunda das que ali aparecem. Ou aceitamos a União Europeia tal e como é e nos dispomos a intentar reformá-la desde dentro -tarefa quase impossível, mas comparável à que de facto estamos a fazer com o estado espanhol- ou, sós ou em companhia de outros, formulamos essa desejada Europa dos Povos num modelo teórico bem definido, tangível e entendível por todo o mundo. Então haveria que se esforçar por fazê-lo crível, explicando que tipo de instituições queremos, que parte da nossa soberania cedemos, que é o que vale do caminho de integração que levamos andado e que é o que não.
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