Não cavalguem

A vice-presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, fala aos jornalistas, durante a conferência de imprensa onde anunciou que se candidata à liderança do partido no 26.º Congresso, que decide a sucessão de Paulo Portas, Lisboa, 14 de janeiro de 2016. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Assunção Cristas e Passos Coelho afinam aranzéis com o roubo de armamento em Tancos e, à uma, exigem demissões de ministros e até do Governo (caso de Cristas, armada em Maria da Fonte da Linha de Cascais). Precisam que recordemos alguns factos – coisa a que esta gente é alegremente estranha.

Primeiro, os militares portugueses foram fundamentais para o derrube do fascismo em 25 de Abril de 1974, que abriu caminho à construção do Portugal de Abril, aquele de que hoje desfrutamos plasmado no Estado de direito democrático e regido por uma Constituição que, logo na altura, foi definida como a mais avançada entre os ordenamentos constitucionais das democracias burguesas do mundo Ocidental. E continua a sê-lo.

Hoje em dia já quase não se fala dessa importância fundadora das Forças Armadas portuguesas, como se os que se foram (re)apoderando das alavancas do poder em Portugal achassem que nada devem «à tropa». Mas devem e muito, não apenas «à tropa», mas ao heróico Movimento dos Capitães de Abril; a História não o esquecerá e também o lembrará, implacavelmente, a todos os revisionistas que hão-de sempre por aí proliferar.

Segundo, o esforço para domesticar «a tropa nos quartéis» foi um trabalho de primeira linha do PS, do PSD e do CDS, que manobraram anos e anos até imporem um regime onde terminaram com o serviço militar obrigatório e profissionalizaram as Forças Armadas, amarrando-as a «missões da NATO» e a estratégias militares imperiais estrangeiras, tornando-as mais caras e mais desligadas da sociedade nacional.

Terceiro, as mesmas forças políticas – PS, PSD e CDS –, utilizando o poder que foram ocupando ao longo de décadas, cercearam lentamente as Forças Armadas dos meios humanos e materiais, empurrando-as para situações de quase desvalimento e num eco do empenho inicial em domesticar «a tropa nos quartéis». Os «investimentos» protagonizados por Paulo Portas na compra de dois submarinos e centenas de veículos que nunca chegaram a ser montados foram apenas o esbanjamento de milhares de milhões de euros nas negociatas do então ministro da Defesa.

Este é o pano de fundo do roubo do armamento em Tancos, um acontecimento grave que deve ser investigado – como está a sê-lo – pelos excelentes órgãos de investigação criminal de que o País dispõe, tirando-se as consequências necessárias do que for descoberto.

Assinale-se a curiosa hipótese lançada pelo capitão de Abril, Vasco Lourenço, de o roubo estar a ser feito no paiol de Tancos há largos meses, tendo sido escolhida esta data para ser anunciado o desaparecimento.

A investigação dirá o que houver a dizer. Quanto a Passos Coelho e a Assunção Cristas, não cavalguem tão alegremente a onda do desastre, que ainda são atirados fragorosamente ao chão.

[Artigo publicado en Avante!]