Caos


Mais um país árabe está a ser destruído. O Iémen, um dos países mais pobres, é vítima das bombas da Arábia Saudita e outros países árabes do Golfo – dos mais ricos do planeta. A responsável pelos assuntos humanitários da ONU diz que «pelos menos 519 pessoas foram mortas e quase 1700 feridas nas duas últimas semanas, e mais de 90 por cento das vítimas são crianças» (Deutsche Welle, 3.4.15). Segundo a mesma fonte, «cerca de 40 pessoas, na maioria civis, foram mortas numa incursão aérea sobre um campo de refugiados». O governo dos EUA declarou o seu apoio aos bombardeamentos e prometeu «auxílio logístico [...] às operações militares conduzidas pelo Conselho de Cooperação do Golfo» (Comunicado da Casa Branca, 25.3.15). O envolvimento militar dos EUA no Iémen não é novo. A 10 de Setembro de 2014 o presidente Obama citava aquele país como exemplo de êxito na sua política de drones para «eliminar os terroristas que nos ameaçam, ao mesmo tempo que apoiamos parceiros nas linhas da frente». Segundo a emissora oficial alemã Deutsche Welle (3.4.15) agora a «Al Qaeda controla a maior parte da terceira maior cidade iemenita», Mukalla. Mas não são esses os alvos dos bombardeamentos sauditas, apoiados pelos EUA...

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Como na Líbia, Iraque ou Síria, o objectivo – depois do fracasso das intervenções directas dos EUA – é outro: gerar o caos para, face à inexistência de estados soberanos capazes de afirmar a independência, abrir caminho à pilhagem imperialista. Os bandos terroristas fundamentalistas patrocinados pela Arábia Saudita contribuem para esse objectivo. Os sauditas têm sido fiéis serventuários do imperialismo e em 2011 tropas suas esmagaram a revolta popular no vizinho Bahrain (sede da V Esquadra Naval dos EUA). Parecem apostar num confronto com o Irão. Mas deveriam acautelar-se. Uma vez cumprido o seu papel, seriam descartáveis. Também Saddam Hussein aceitou combater a guerra dos EUA contra a revolução iraniana de 1979 para vir mais tarde a ser levado ao cadafalso por aqueles mesmos que serviu.

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Não será o anunciado acordo sobre o programa nuclear do Irão um acontecimento de sinal contrário, de diálogo e solução pacífica de conflitos? É cedo para avaliar ainda todo o seu significado. Todas as cautelas são poucas. Antes de Junho não existirá acordo assinado. E convém lembrar que as assinaturas dos EUA são de escasso valor: há muitos antecedentes (Iraque, Líbia, Jugoslávia) de acordos que serviram apenas aos EUA para criar melhores condições para um ataque posterior. Pode existir o objectivo de criar clivagens entre futuras vítimas. Podem existir também reais divergências no seio da classe dominante dos EUA (e desta com Israel), mas parecem incidir sobretudo nas prioridades da estratégia de guerra daquele poderoso país em declínio. Há quem prefira dedicar-se 'a tempo inteiro' à Rússia e China. O que é indiscutível é que importantes forças nos EUA (e Israel) se opõem ao acordo, como ficou claro na posição pública de 47 senadores republicanos. John Bolton, ex-embaixador dos EUA na ONU, assinou um artigo no New York Times (26.3.15) de título «Bombardear o Irão para travar a bomba do Irão». Mostrando que não há limites para a demência, outro conhecido colunista do NYT, Thomas Friedman, publicara dias antes (18.3.15) a seguinte prosa: «Não devíamos estar a armar o ISIS? [...] Porque estamos pela terceira vez desde o 11 de Setembro a combater uma guerra favorável ao Irão? Em 2002 destruímos o principal rival sunita do Irão no Afeganistão (o regime talibã). Em 2003 destruímos o principal rival sunita do Irão no mundo árabe (Saddam Hussein). [...] Porque será do nosso interesse destruir o último bastião sunita ao controlo completo iraniano do Iraque?». 'Guerra contra o terrorismo', ou guerra através do terrorismo? O 'dividir para reinar' está a transformar-se em 'destruir para reinar'.

(*) Artigo publicado na edición nº 2.158 do semanario Avante!,
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