As verdadeiras causas da catastrófica crise na Grécia e a "esquerda"
1. A integração da Grécia na União Europeia é a verdadeira causa da sua crise catastrófica
A quase total destruição das classes mais baixas na Grécia não se deve às causas que lhe são atribuídas habitualmente pela "esquerda". [1] Na realidade, contrariamente às "explicações" mistificadoras apresentadas por essa esquerda e também pela direita, a verdadeira causa é a plena integração da economia grega na globalização neoliberal, através da sua entrada na UE. Foi isso que determinou a total transformação da Grécia num protectorado económico e político da Elite Transnacional. [2]
O catalisador para esta crise foi o incumprimento não oficial da Grécia que, no entanto, foi apenas a consequência da destruição da sua estrutura de produção, em resultado da abertura e da liberalização de mercados impostas pela UE, decorrente da entrada da Grécia em 1981. Portanto, não é de admirar que tanto a esquerda (com exclusão da esquerda comunista) como a direita – na realidade, todo o establishment grego – estejam plenamente unidas em não contestar a principal causa da actual destruição económica: o facto de a Grécia ser membro da UE.
Por outras palavras, contrariamente às mistificadoras promessas pré-eleitorais do SYRIZA (que é uma parte orgânica da euro-esquerda que acaba de escolher o seu líder, A. Tsipras, como candidato para presidente da Comissão da UE), não é possível que um estado-membro da UE/UEM possa recusar-se a aplicar as políticas impostas pela globalização neoliberal, como a História confirma com Mitterrand, Lafontaine, Hollande e outros. É igualmente enganador afirmar, como faz o SYRIZA, que, se for eleito para o poder, inverterá a legislação catastrófica imposta pela famosa 'Troika' (que representa o FMI, a UE e o BCE) nos últimos três anos.
As promessas mistificadoras acima referidas baseiam-se no mito de que o neoliberalismo é uma espécie de ideologia errada ou de doutrina [3] defendida por "maus" políticos como Thatcher, Merkel, Blair, etc. No entanto, a globalização neoliberal é, na verdade, um fenómeno sistémico que significa também que o crescimento económico dos membros da UE já não assenta principalmente no mercado interno mas no mercado internacional (dentro e fora da UE) e que são as Corporações Transnacionais (CTN) que controlam a produção e o comércio mundiais, e – através da Elite Transnacional [4] – as instituições políticas, militares e culturais internacionais.
Assim, só se os governos da UE fossem conquistados pela euro-esquerda e depois forçassem as CTN com sede na UE a funcionar apenas no interior da área da UE – impondo nesse processo estritos controlos sociais sobre o movimento de capitais e de mercadorias de outros blocos económicos (i.e. Extremo Oriente e América) – só então a economia europeia podia ser indiferente ao seu nível de competitividade e viver no nirvana da euro-esquerda, feliz para sempre. Mas, na verdade, a UE está a avançar exactamente na direcção oposta para uma maior integração na Nova Ordem Mundial definida pela globalização neoliberal! Isso é claramente visível nas actuais negociações entre a UE e os EUA para uma Área Transatlântica de Comércio Livre.
2. A globalização capitalista só pode ser neoliberal
As euro-elites, pura e simplesmente, não podem dar-se ao luxo de perder mais competitividade. Na verdade, a verdadeira razão para a criação da UE e, posteriormente, da Zona Euro não teve nada a ver com os ideais de liberdade, democracia, valores humanos e o resto da sua ideologia, como demonstra claramente a história da UE. Foi o fosso crescente na competitividade (em termos de quota da UE nas exportações mundiais) durante os anos 80, que levou as euro-elites a acelerar os processos de integração, que na sua maioria estavam adormecidos até aí. O fracasso económico da UE ficou a dever-se claramente ao facto de que a competitividade das suas mercadorias estava a crescer a ritmos muito mais lentos do que a dos seus competidores, em especial nos países de baixos custos do Extremo Oriente. [5] Como os defensores da UE e da sua integração andavam a afirmar nessa altura, apenas um mercado de dimensões continentais podia proporcionar a segurança e as economias de escala que eram necessárias para a sobrevivência do capital europeu no mercado global híper-competitivo que estava a surgir na época.
No entanto, apesar do alto grau de integração conseguido pelo 'Acto Único Europeu' nos anos 90, e mesmo apesar da criação da Zona Euro, o seu declínio na competitividade continuou. Assim, enquanto a quota das euro-exportações no total mundial foi de 35,8% em 1990, dez anos depois, tinha caído para 29,7% e em 2010 ainda tinha caído mais para 26,3%! [6] Por outras palavras, em duas décadas, os países da Zona Euro perderam mais de um quarto da sua competitividade, medida em termos da sua quota nas exportações mundiais. Embora as euro-elites estejam bem conscientes de que uma parte significativa da sua 'perda' de exportações seja na verdade devida à sua desindustrialização – visto que as CTN (muitas delas com sede nos países metropolitanos incluindo os da Zona Euro) transferiram o capital industrial para os paraísos de baixos custos da China, da Índia e outros – obviamente isso não serve de consolo aos seus trabalhadores (e eleitorados), que beneficiam muito pouco (se é que beneficiam alguma coisa!) com a globalização!
Assim, as actuais políticas da UE não são o resultado de uma conspiração ou de uma conjura satânica para explorar ainda mais os trabalhadores europeus mas resultam simplesmente do facto de que a abertura e a liberalização de mercados exigidas pela globalização, para que as CTN possam expandir mais as suas actividades, levaram inevitavelmente às actuais políticas neoliberais implementadas por todos os países plenamente integrados na Nova Ordem Mundial. Para falar de modo simples, a globalização num mundo capitalista só pode ser neoliberal e o resto é mitologia adoptada pela "esquerda" mundial actualmente falida – com excepção da genuína (mas em contracção) esquerda anti-sistémica.
3. A competitividade é a regra
Portanto, se aceitarmos a premissa de que as euro-elites não têm alternativa senão melhorar a sua competitividade dentro da economia globalizada, a questão que se segue é como melhorar a competitividade. Há duas maneiras principais para melhorar a competitividade de um país: ou mudando os preços relativos, i.e. esmagando os preços das mercadorias produzidas localmente em relação às produzidas no exterior através do esmagamento dos ordenados e dos salários, ou melhorando a produtividade das mercadorias produzidas localmente, o que pode levar a um custo mais baixo de produção sem reduzir os ordenados e salários reais ou a melhor qualidade dos produtos, etc.
Mudar os preços relativos segundo a primeira forma é a solução fácil, porque pode ser implementada, quase duma só penada, no caso de um país que controla a sua divisa e a Grécia recorreu repetidas vezes a políticas de desvalorização no período pós-guerra para melhorar, temporariamente, a sua competitividade. Mas, no caso em que um país não controla a sua divisa, como é o caso da Grécia na Zona Euro, dado o baixo nível histórico da sua produtividade da mão-de-obra devido à falta de investimento na investigação e desenvolvimento, a única alternativa é a política actualmente implementada de esmagar ordenados e salários na esperança de que o custo de produção baixe em conformidade. Na verdade, o nível da produtividade da mão-de-obra grega, por exemplo, tem sido sempre historicamente muito mais baixo do que a da Zona Euro (em 2006 era apenas 77% da média da Zona Euro [7] ), uma coisa que não é assim tão estranha se tivermos em conta que a proporção de investimentos produtivos em relação ao PIB é muito mais alta no 'Norte' da Europa do que no 'Sul' em geral e na Grécia em particular.
Portanto, se partirmos da premissa de que os níveis desiguais de competitividade e produtividade são inevitáveis numa união económica como a UE, que é formada por países de níveis de desenvolvimento muito diferentes (dado que se formaram historicamente num processo de desenvolvimento muito desigual tal como é o capitalista), então podemos perceber facilmente as causas da crise em países como a Grécia. O facto de um país da Zona Euro como a Grécia, que enfrenta um problema de baixa competitividade, não poder desvalorizar a sua divisa (i.e. mudar os preços relativos sem a necessidade de reduzir salários e receitas internas) não é a causa da crise. Pode ser a causa de uma crise de competitividade semelhante num país capitalista avançado como a Alemanha mas não num país como a Grécia em que a baixa competitividade é um problema de desenvolvimento.
Tanto mais quanto a entrada da Grécia para a UE e posteriormente para a Zona Euro exacerbou significativamente o problema do desenvolvimento ao desmantelar efectivamente a estrutura produtiva do país, quando a sua indústria e agricultura incipientes não foram capazes de competir com as mercadorias importadas, na sequência da abertura e liberalização de mercados impostas pelo Mercado Único. Nestas condições, mesmo a saída da Grécia do Euro e uma desvalorização do dracma que seria depois reintroduzido, apenas podiam ter efeitos temporários na competitividade grega, a não ser que simultaneamente se fizessem maciços investimentos na sua estrutura produtiva, o que está longe de ser garantido numa economia de mercado internacionalizada.
4. A UE enquanto mecanismo para transferir excedentes do 'Sul' para o 'Norte'
Por outras palavras, a competitividade no núcleo dos países do Euro, que se caracterizam por níveis mais altos de produtividade de mão-de-obra do que no Sul, depende sobretudo de manter sob controlo os salários e os preços, para que as mercadorias alemãs continuem a ser competitivas (por causa da sua qualidade mais alta, etc) em comparação com mercadorias semelhantes produzidas na Ásia oriental e noutros locais. Por outro lado, a competitividade na periferia europeia, que engloba países de níveis mais baixos de produtividade de mão-de-obra, como a Grécia, depende sobretudo da melhoria da produtividade através de novos investimentos em Investigação e Desenvolvimento. Assim, o problema da competitividade no Sul é sobretudo um problema de desenvolvimento e prende-se com a necessidade de criar uma forte base produtiva, que não pode ser formada dentro do processo de desenvolvimento capitalista desigual (tal como hoje), mas dentro de um processo de controlo social da economia para criar uma economia de auto-suficiência.
No entanto, apesar da diferença fundamental relacionada com as causas de baixa competitividade entre o 'Norte' e o 'Sul' da UE, no enquadramento da Europa pós-Maastricht, foi adoptada uma política comum para todos os países membros – uma política que foi determinada pelas necessidades e pelos interesses do Norte. Assim, o Mercado Único não significou a unificação de povos, como a propaganda da UE o apresentou, nem sequer a unificação de estados, mas apenas a unificação de mercados livres. No entanto, 'mercados livres' não significavam apenas mercados abertos (i.e. o movimento sem inibições de mercadorias, capitais e mão-de-obra) mas também mercados flexíveis (i.e. a eliminação de quaisquer obstáculos na livre formação de preços e salários), assim como a restrição do papel do estado no controlo da actividade económica, o que implica a drástica restrição do elemento da 'economia nacional'.
Foi esta a essência da globalização neoliberal que caracterizou o novo enquadramento institucional da UE, i.e. que o controlo estatal do mercado interno de cada estado membro (que ficou drasticamente restrito no seio do Mercado Único de 1992) não fosse substituído por um correspondente controlo da UE, para além de alguns regulamentos (na sua maioria prejudiciais) sobre a uniformidade, etc. Por outras palavras, as novas instituições tinham em vista a maximização da liberdade do capital organizado, cuja concentração foi facilitada por todas as maneiras possíveis, e a minimização da liberdade do trabalho organizado, cuja coordenação foi restringida de todas as maneiras possíveis e em especial através da ameaça do desemprego.
Não foi por acaso nem devido a uma má concepção da Zona Euro, conforme argumentam os pós-keneysianos e outros reformistas (incluindo a euro-esquerda!) que a Alemanha é de facto o país que estava no lado receptor dos maiores benefícios da adesão à UE e à Zona Euro, enquanto os países do Sul da Europa beneficiavam minimamente dela. Quando foi institucionalizada a Zona Euro no início do novo milénio, a Alemanha já gozava de níveis relativamente altos de produtividade de mão-de-obra e de competitividade e a nova divisa 'congelou' essencialmente os desvios relativos entre o Norte avançado e o Sul muito menos avançado (que tinha partes que realmente eram subdesenvolvidas).
Assim, o Mercado Único, nas condições de uma divisa comum, provocou uma relativa igualização de preços de mercadorias e um certo aumento nos salários no Sul, quando os trabalhadores lutaram para manter o valor real dos salários e simultaneamente para estreitar o fosso de salários com os trabalhadores do Norte. Por outro lado, os empregadores alemães estavam em muito melhor posição para suprimir o aumento de salários dada a diferença na produtividade de mão-de-obra de que tinham beneficiado devido à tecnologia avançada e ao investimento em Investigação e Desenvolvimento, mas também devido aos melhores preços relativos. Como exprimiu Wolfgang Münchau, "a Alemanha entrou na Zona Euro com uma taxa de câmbio sem competição e embarcou num longo período de moderação de salários".
Os macroeconomistas diriam que "a Alemanha beneficiou de uma verdadeira desvalorização em relação aos outros membros". [8] Se a isso acrescentarmos que os países no Sul deixaram de ter o poder de desvalorizar as suas divisas, enquanto a Alemanha não tinha necessidade nenhuma de desvalorizar a sua divisa enquanto pudesse manter a subida dos salários ao ritmo dos aumentos da produtividade de mão-de-obra, então podemos perceber porquê (e como) a Zona Euro funciona essencialmente como um mecanismo económico para transferir os excedentes económicos dos países do Sul da Europa para os do Norte e em especial para a Alemanha.
5. O papel desorientador da "esquerda"
A conclusão óbvia é que é impossível tomar quaisquer medidas radicais para sair do actual desastre económico (e não só!), sem uma saída unilateral da UE juntamente com o cancelamento da dívida (para a qual, de resto, o povo nunca foi consultado), assim como sem abandonar toda a legislação imposta pela Troika e a adopção simultânea das necessárias mudanças geoestratégicas. [NR] Só deste modo pode a Grécia recuperar a soberania económica e nacional minimamente requerida para uma estratégia de auto-suficiência económica, que é necessária para a saída permanente da crise, através da criação de uma nova estrutura produtiva para satisfazer as suas necessidades.
Isto significa que a opinião de que podemos implementar outra política mesmo dentro da Zona Euro, como sugere o SYRIZA, ou que bastará sair do Euro (sem a saída paralela directa e unilateral da UE) para implementar uma estratégia económica radicalmente diferente (conforme sugerem outras organizações de esquerda), são totalmente mistificadoras. Isto porque, conforme tentei demonstrar acima, a causa da presente catástrofe económica na Grécia não são as políticas de austeridade da Troika, como afirmam os apoiantes da primeira perspectiva, nem a fraca concepção do Euro (e a sua implementação) que contribuíram para os défices e para a dívida maciça, conforme argumentam os apoiantes desta ultima perspectiva. [9]
Assim, os apoiantes da primeira perspectiva (Laskos e Tsakalotos), reproduzem na realidade os mitos de um internacionalismo obsoleto segundo o qual a luta do proletariado europeu no interior da UE deitará abaixo as políticas de austeridade, apesar de, depois de quase cinco anos de esmagamento económico dos estratos populares, não ter havido uma única luta europeia ("oficial" ou não oficial) contra essas políticas! Por outro lado, os apoiantes da última perspectiva (Flassbeck e Lapavitsas), agindo como o "Plano B" da Euro-elite – no caso de esta ser forçada a expulsar a Grécia (temporária ou permanentemente) da Zona Euro – defendem a saída da Grécia do Euro, mas não da UE. No entanto, em ambos os casos, pode considerar-se como certo o fracasso das políticas propostas, embora as consequências não sejam idênticas.
Assim, no primeiro cenário de um governo com base no SYRIZA (que parece provável na sequência das Euro-eleições e que poderá funcionar como catalisador para as eleições gerais), é uma questão de tempo até o seu fracasso se tornar evidente, se insistir na sua política pró-UE e pró-Euro. Apesar da sua actual retórica, terá simplesmente que seguir as mesmas políticas económicas que o actual governo, talvez com um menor relaxamento das políticas de austeridade (partindo do princípio de que as Euro-elites encontrarão forma de cancelar parte da Dívida para conseguir tornar pagável a parte restante). Enquanto os mercados se mantiverem abertos e liberalizados sob um governo do SYRIZA (o partido nunca contestou este princípio fundamental da globalização neoliberal), os mercados de trabalho também continuarão a ser flexíveis. No entanto, mercados abertos e liberalizados significam que:
- os ordenados e salários serão mantidos em torno dos seus níveis mínimos actuais ou, pelo menos, esses níveis serão a base para quaisquer futuros aumentos estritamente ligados aos aumentos de produtividade;
- a Saúde Pública e a Educação nunca recuperarão do seu actual desmantelamento, visto que o governo vai ter que continuar a implementar as actuais políticas fiscais restritivas da Zona Euro para manter os défices orçamentais sob estrito controle;
- o desbarato da riqueza social da Grécia, na sequência das privatizações de serviços essenciais como a electricidade, a água, os transportes, os portos e aeroportos, as comunicações (e agora até mesmo as ilhas gregas!) não será invertido, tornando impossível a implementação de qualquer política social eficaz para proteger as vítimas da globalização;
- o desemprego pode cair marginalmente dos actuais quase 30% da população trabalhadora (e 60% dos jovens) mas apenas na medida em que os investidores estrangeiros sejam atraídos pelos ordenados/salários extremamente baixos e pela 'estabilidade política' que o SYRIZA possa assegurar. No entanto, dada a forte competição nesta frente com outros países de salários baixos nos Balcãs e noutros locais (Ásia oriental), o desemprego está condenado a estabilizar em níveis muito altos durante o próximo futuro, e os jovens gregos terão que trabalhar na "indústria pesada" da Grécia (como o establishment chama ao turismo) ou terão que emigrar.
Mr. Tsipras… afastou-se da retórica do passado quanto a abandonar o Euro e disse que não pretende que a Grécia saia da zona dos 18 países que usam essa divisa. Mas pretende uma reformulação fundamental das condições dos fundos de salvação da Grécia, no valor de 240 mil milhões de euros. "A nossa intenção é alterar o enquadramento, não é esmagar o Euro", disse ele. [12]
Por outro lado, no caso do segundo cenário, i.e. de um governo de esquerda que decida a saída da Grécia do Euro (mas se mantenha na UE), a imagem seria muito mais turva, porque a reintrodução e a significativa desvalorização do dracma reintroduzido traria inicialmente alguns resultados positivos. Mas estes seriam totalmente temporários, a não ser que fossem acompanhados de uma radical estruturação paralela da estrutura produtiva, baseada em decisões sociais e que não fosse deixada às forças do mercado, conforme os dois cenários implícita ou explicitamente assumem. E isso leva-nos de volta à necessidade de uma estratégia de auto-suficiência que pressupõe uma saída da Grécia tanto do Euro como da UE.
A principal razão por que ambas as abordagens não só são erradas, mas também totalmente mistificadoras, é que elas não se baseiam no facto de a actual crise devastadora ser devida a razões estruturais que têm tudo a ver com o processo desigual de desenvolvimento capitalista, e que ainda é mais exacerbado na era da globalização neoliberal e das políticas consequentes implementadas pela UE, e muito pouco a ver com a crise financeira mais lata [13] , com as políticas de austeridade ou com a própria dívida e com as formas de a gerir.
Assim, no que se refere às políticas de austeridade, é óbvio que elas são uma consequência e não a causa da crise devastadora. Portanto, a solução para o "problema" não é apenas a redistribuição de rendimento à custa dos lucros e a favor dos salários (como supostamente será a conclusão tirada por um certo tipo de análise "marxista"), porque esta desigualdade não é nada de novo mas uma característica inerente do sistema capitalista. Não admira que, apesar da crescente desigualdade mundial durante a era da globalização neoliberal, o sistema tenha desfrutado de um período sustentado de expansão durante este período, com o PIB mundial a crescer a uma média de 2,9% nos anos 90 e 3,2% no período até ao início da última crise financeira (2000-2008). [14] Além disso, o único caso em que ocorreu uma redistribuição sistemática de rendimento contra os ricos num sistema capitalista foi quando a carga fiscal foi transferida para os ricos durante o período social-democrata (aprox. 1945-1975). No entanto, este tipo de redistribuição já deixou de ser possível na Nova Ordem Mundial da Globalização Neoliberal, visto que as Corporações Transnacionais podem mudar-se facilmente para paraísos fiscais como a Irlanda, a Índia, etc., deixando atrás de si desemprego maciço e pobreza.
No entanto, nem os défices e as consequentes dívidas foram criados por políticas fiscais imprudentes nem, como afirmam as variantes mais refinadas sobre o mesmo tema, pelo facto de a elite alemã ter estado a reprimir aumentos de salários numa altura em que as outras elites na Zona Euro, e em especial as elites na periferia do Euro, estavam a fazer exactamente o oposto. Esta política, segundo o mesmo argumento, terá criado uma vantagem competitiva artificial e consequentes excedentes na Balança de Pagamentos (BP) na Alemanha e, vice-versa, no Sul da Europa, i.e., baixa competitividade e défices da BP. Isto, por sua vez, levou a um endividamento excessivo dos países periféricos (facilitado pelo facto de estar sustentado por uma divisa forte, o Euro) até ao momento em que rebentou a "bolha" fiscal, quando a consequente escassez de liquidez tornou muito mais difíceis os empréstimos a esses países, levando às bem conhecidas crises da dívida em países como a Grécia. Não é de admirar que a Euro-elite tenha acabado por decidir adoptar um controlo económico ainda mais apertado dos membros do Euro, através da União Bancária. [15]
6. Observações finais
Portanto, a questão fundamental que se coloca é a seguinte: pode um pequeno país periférico do Euro, como a Grécia, deixar hoje de implementar as políticas da globalização neoliberal? Ou os milhões de desempregados e de pobres devem esperar (como sugere a actual "esquerda") uma mudança radical no equilíbrio de forças na UE e na Zona do Euro, a fim de que no novo governo pan-europeu de esquerda avance com as reformas 'progressistas' sugeridas pelos seus apoiantes? Alternativamente, será melhor esperarem por uma nova revolução socialista a fim de avançar com genuínas políticas socialistas, conforme sugerido pela esquerda anti-capitalista cada vez mais reduzida? As minhas simpatias, claro, seriam (como sempre foram) a favor de uma esquerda anti-sistémica, porque é a única que luta contra a sua plena integração no sistema e na Nova Ordem Mundial. Contudo, é óbvio para mim que, actualmente, esta esquerda não é menos messiânica do que a integrada no sistema "esquerda" e como tal igualmente inútil para as vítimas da globalização que todos os dias perdem um pouco mais a esperança num futuro melhor, muitas delas recorrendo cada vez mais ao suicídio.
Nestas condições, para mim é claro que só se um país romper com a economia de mercado internacionalizada e prosseguir uma política de auto-suficiência, poderá recuperar o necessário grau de soberania económica, e portanto nacional, de modo a que seja o povo que determine o processo económico, i.e. quais as necessidades económicas e sociais que devem ser satisfeitas e de que modo, em vez de deixarem esta questão de vida ou morte para as 'forças de mercado' e para o social darwinismo que elas inevitavelmente implicam. Isto, para um país como a Grécia, implicaria a necessidade da criação 'pela base' de uma Frente Popular para a Libertação Social e Nacional [16] (em vez de se centrar em políticos profissionais da "esquerda" ou da direita), que formularão um programa das mudanças radicais necessárias para conseguir o objectivo a curto prazo de restaurar o pleno controlo social sobre todos os mercados, cancelando unilateralmente a Dívida e toda a legislação com ela relacionada, imposta pela Troika, assim como uma saída unilateral da UE. Embora seja necessária, mesmo nesta fase inicial, a socialização do sistema bancário e das indústrias reprivatizadas, em especial das que cobrem necessidades básicas (energia, água, transportes, comunicações, etc.), o objectivo a médio prazo terá que ser a auto-suficiência económica, de modo que as necessidades básicas de todos os cidadãos sejam satisfeitas através da reconstrução da estrutura económica segundo as necessidades sociais em vez de segundo a procura do mercado. Por outro lado, a questão da mudança sistémica, i.e. se a Grécia será no futuro uma sociedade de um estado socialista, uma democracia inclusiva [17] ou um tipo radical de social-democracia, será determinado pelo próprio povo numa fase posterior depois de resolvidos os actuais problemas cruciais ligados à sua sobrevivência.
Com efeito, a Grécia não estará sozinha nesta luta contra a Nova Ordem Mundial e a globalização neoliberal. Os povos de outros países na periferia europeia e noutros locais seguirão o seu exemplo quando perceberem que há uma saída da catástrofe actual, AQUI e AGORA, mas também os povos que já estão a lutar contra a globalização neoliberal se juntarão à luta comum contra a Nova Ordem Mundial da globalização neoliberal. De facto, esta luta já está a intensificar-se a partir da América Latina (Venezuela, Bolívia, Cuba, etc.) até aos povos da Eurásia da ex-URSS, e aos povos nos países árabes (claro que não estou a referir-me às pseudo-revoluções na Tunísia e no Egipto ou às insurreições engendradas na Líbia e na Síria) [18] que derramam sangue diariamente na luta pela sua libertação nacional e social. Notas
[1] Ver e.g. o recente livro de dois membros da direcção do SYRIZA (um deles membro do Parlamento representando o partido), Christos Laskos e Euclid Tsakalotos, Crucible of Resistance: Greece, the Eurozone and the World Economic Crisis, (Pluto Press, Sept. 2013).
[2] Takis Fotopoulos, "Greece: The implosion of the systemic crisis", The International Journal of INCLUSIVE DEMOCRACY, Vol. 6, No. 1 (Winter 2010); ver, também, Greece as a protectorate of the transnational elite,(Athens: Gordios, November 2010), www.inclusivedemocracy.org/...
[3] Ver e.g. Naomi Klein, The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism, (London: Penguin, 2008).
[4] Ver, para o sentido e significado da Elite Transnacional na administração da Nova Ordem Mundial, Takis Fotopoulos, Subjugating the Middle East: Integration into the New World Order – Vol. 1: Pseudo-Democratization, (Progressive Press, 2014), Part I.
[5] Assim, enquanto a quota da UE das exportações mundiais esteve estagnada entre 1979 e 1989, a quota dos EUA aumentou em 3,5% e a quota do Extremo Oriente aumentou nuns enormes 48%, (Banco Mundial, Relatório do Desenvolvimento Mundial 1991, Quadro 14).
[6] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2002, (Quadro 4.5) & Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2012, (Quadro 4.4).
[7] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2008, Quadro 2.4.
[8]Wolfgang Münchau, "Germany's rebound is no cause for cheer", Financial Times, 29/8/2010.
[9] Heiner Flassbeck and Costas Lapavitsas, Left-Wing Strategies to Solve the Euro Crisis, (Rosa Luxemburg Foundation: Berlin, May 2013, www.rosalux.de/fileadmin/rls_uploads/pdfs/Studien/kurzfassung_flassbeck_en.pdf
e versão completa in "The systemic crisis of the euro – true causes and effective therapies", www.rosalux.de/publication/39478 .
[10] Ver e.g. Andreas Bieler, "Crucible of Resistance: Class Struggle Over Ways Out of the Crisis", Socialist Project • E-Bulletin No. 926 January 10, 2014; Reproduced also in Global Research.
[11] Leo Panitch, "Europe's left has seen how capitalism can bite back»", The Guardian, 13/1/2014.
[12] Andrew Higgins, "Opposition Dissent Tempers Greek Attempts at Optimism", The New York Times, 12/1/2014.
[13] Takis Fotopoulos, "The myths about the economic crisis, the reformist Left and economic democracy", The International Journal of INCLUSIVE DEMOCRACY, Vol. 4, No. 4, (October 2008), www.inclusivedemocracy.org/journal/vol4/vol4_no4_takis_economic_crisis.htm
[14] Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial 2010, Quadro 4.1.
[15] 'Big step' reached in rescue plan for eurozone banks, BBC News, 12/12/2013
[16] Ver Takis Fotopoulos, "Neoliberal Globalization and the need for popular fronts for national and social liberation", The International Journal of Inclusive Democracy, Vol. 9, No. 1/2 (2013), (under publication).
[17] Takis Fotopoulos, Towards An Inclusive Democracy, (London/NY: Cassell /Continuum, 1997/1998).
[18] Takis Fotopoulos, Subjugating the Middle East: Integration into the New World Order – Vol. 2, Engineered Insurrections, (Progressive Press, 2014).
Nota. Este artigo foi públicado en resistir.info.