África do Sul rejeita violência xenófoba
O colonialismo e o racismo deixaram uma pesada herança em África. Entre os factores que procuram entravar e fazer recuar o caminho para o progresso está o sistemático surgimento de velhos e novos factores de divisão: tribal, étnica, religiosa, racial. Os velhos factores de dominação – e a frequente frustração de legítimas expectativas das populações - não serão alheios ao empolamento de todos eles.
O governo e as principais forças políticas da África do Sul condenaram os ataques contra imigrantes ocorridos no país de Nelson Mandela.
A onda de agressões e pilhagens, em Durban e Joanesburgo, provocou sete mortos, milhares de deslocados e centenas de repatriados para países como o Zimbabué, o Malawi e Moçambique.
Devido à violência, o presidente Jacob Zuma anulou uma viagem à Indonésia para participar na cimeira dos 60 anos da Conferência de Bandung, um marco na amizade afro-asiática e na luta emancipadora dos povos do Terceiro Mundo. O dirigente sul-africano deslocou-se a Durban, onde visitou um improvisado centro de abrigo para as vítimas da xenofobia. Prometeu repor a ordem e assegurou que os imigrantes são bem-vindos.
A calma regressou depois da intervenção da polícia, que efectuou centenas de prisões. O ministro do Interior, Malusi Gigaba, garantiu que os desordeiros serão punidos com «o rigor da lei». Por seu turno, a ministra da Defesa, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, anunciou que o exército vai ajudar a patrulhar Alexander, em Joanesburgo.
Os actos de banditismo começaram após um discurso, no final de Março, do rei dos zulus, Goodwill Zwelithini, que convidou os «estrangeiros» a fazer as malas e deixar o país. O chefe tradicional desmentiu posteriormente as acusações, explicou que fora mal interpretado e afirmou que «a violência contra os nossos irmãos e irmãs é uma vergonha». Já as forças políticas no poder na África do Sul condenaram de forma veemente os ataques contra cidadãos estrangeiros e o saque dos seus bens.
O Partido Comunista Sul-africano (SACP) e o Congresso Sul-africano das Uniões de Sindicatos, a COSATU, aliados do ANC na governação, há duas décadas, consideraram que não há justificação para tais actos, retrógrados e criminosos, e que as autoridades devem pôr termo imediato à barbárie. Exortaram as suas estruturas a continuar a lutar em defesa das relações pacíficas entre as diferentes comunidades. «Todos os trabalhadores devem ser respeitados e têm direitos iguais, independentemente da sua nacionalidade», reafirmaram.
A «nação arco-íris»
No Moçambique vizinho, a vaga de xenofobia na África do Sul foi sentida. Três moçambicanos foram assassinados, muitos foram forçados a refugiar-se em centros de acolhimento e centenas deles regressaram já ao país natal.
Desde há décadas que milhares de moçambicanos emigram para a África do Sul para trabalhar nas minas – em geral condições muito duras – e, mais recentemente, na agricultura. Em Maputo realizou-se uma marcha pacífica protestando contra os ataques aos imigrantes. O primeiro-ministro, Agostinho do Rosário, manifestou solidariedade com os conterrâneos perseguidos e apelou à calma. Mesmo assim, registaram-se incidentes na vila fronteiriça de Ressano Garcia, no distrito de Moamba, quando moçambicanos expulsaram trabalhadores sul-africanos e tentaram cortar o trânsito na estrada entre Moçambique e a África do Sul. Outros dois ou três casos de retaliação contra técnicos sul-africanos foram registados nas províncias de Inhambane e de Tete.
O escritor Mia Couto deu expressão aos sentimentos de tristeza e indignação dos moçambicanos, publicando uma carta aberta ao presidente Jacob Zuma.
Recordou a ajuda do Moçambique independente, na segunda metade dos anos 70 e na década de 80 do século passado, aos combatentes do ANC, durante a guerra contra o regime racista do apartheid. Lembrou que, talvez mais do que qualquer outra nação vizinha, Moçambique pagou caro esse apoio à libertação da África do Sul: «A frágil economia moçambicana foi golpeada. O território foi invadido e bombardeado. Morreram moçambicanos em defesa dos seus irmãos do outro lado da fronteira». E porquê? «É que para nós não havia fronteira, não havia nacionalidade. Éramos, uns e outros, irmãos de uma mesma causa e quando tombou o apartheid a nossa festa foi a mesma, de um e de outro lado da fronteira».
Antes de exigir medidas para que «nunca mais se repitam estes criminosos eventos», Mia Couto escreve: «A xenofobia que se manifesta hoje na África do Sul não é apenas um atentado bárbaro e cobarde contra os “outros”. É uma agressão contra a própria África do Sul. É um atentado contra a rainbow nation [nação arco-íris] que os sul-africanos orgulhosamente proclamaram há uma dezena de anos. Alguns sul-africanos estão a manchar o nome da sua pátria. Estão a atacar o sentimento de gratidão e solidariedade entre as nações e os povos. É triste que o seu país seja hoje notícia em todo o mundo por tão desumanas razões».
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2160, 23.04.2015
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