A miopia domina a política internacional

Na ONU, em Nova Iorque, o secretário-geral da organização notabiliza-se por dizer banalidades e estar a exercer um dos consulados mais apagados dos últimos anos quando as relações internacionais se encontram em território muitas vezes virgem e têm necessidade, ao menos, de uma consciência crítica.
A situação que se desenvolveu na República Centro Africana e no Mali, como a que continua a desestabilizar a região do Kivu, ou as escaramuças fronteiriças inter-sudanesas, a violência na Síria, para não ser exaustivo, são uma demonstração da miopia que domina as relações internacionais e as estratégias politicas internacionais.
Se na ONU se não vislumbram as águias pairando atentas sobre os acontecimentos que escrutinam com apurado olhar, o resto do Mundo parece necessitar de óculos sempre que o assunto não é ganhar uns cobres. A União Africana, o CEDEAO, a nível regional, acompanham a incapacidade da ONU; do lado das Américas ninguém se importa se não envolver os “gringos” ou os seus interesses económicos e comerciais; na União Europeia a ideia de Defesa tornou-se uma anedota; e os Estados Unidos pensam e pensam e pensam para agirem, quando agem, tarde e a más horas. Imagine-se que depois da paixão intervencionista de Ronald Reagan, empenhado em provar que “America is back”, e dos Bush(es), a Casa Branca estuda agora as implicações legais, Guantánamo à parte. No Mali, face à inércia internacional, à situação humanitária, ao risco de desestabilizar ainda mais o país e a região, ao risco de o Norte ser perdido para os fundamentalistas, o risco de se criar um conflito tuaregue dentro de um outro conflito, a França não teve dúvidas em intervir.
O único dirigente europeu falado é Ângela Merkel e pelas razões erradas. O Presidente francês, François Hollande, parece ter dado sinais de uma liderança de que se duvidava. Enquanto Paris empenha cerca de três mil homens numa acção que estaria cometida à CEDEAO, com cobertura da ONU e, pelo menos envolvimento tácito da União Africana, os restantes países da União Europeia dão mostra da sua falta de visão, da miopia política com que olham para além da austeridade, das metas orçamentais, da sacrossanta estabilidade da invenção que foi a Zona Euro.
O Mundo, para os europeus, começa e acaba em Berlim. Os 27 da União Europeia, num momento de crise, não conseguem ir além de uma vaga ideia de “treinar” as forças do Mali, que se encontram no teatro de guerra ao lado das tropas francesas. A solidariedade inter-europeia limita-se a garantir que nada será feito para prejudicar o esforço da França. Quanto ao resto, Hollande tem de se “desenrascar”.
A Europa mostra assim, “urbi et orbi”, que não é um aliado credível. Torna-se uma edição barata dos Estados Unidos fechados sobre si mesmos. Uns Estados Unidos que discutem, imagine-se, a legalidade de irem além de fornecer informação a Paris e tem reservas no envio de aviões tanque que reabasteçam em voo os aparelhos franceses. Obama parece estar, como dizem os brasileiros, “no mato sem cachorro”. Eventualmente, está mesmo.
Para a Washington a Sul do Rio Grande, os fundamentalistas da Al Qaeda, que importa empurrar para Guantánamo, substituíram os comunistas.
A guerra dos “drones” inventada pelos americanos para atingirem a Al Qaeda e seus associados no Paquistão, e outros países “amigos” e antigos aliados, fica-se por ali. Se os europeus tinham, e os dirigentes políticos europeus têm, a ilusão de que na sua defesa podem contar com a OTAN e os Estados Unidos, estão a iludir-se mais uma vez.
Desde que o poder económico e financeiro se sobrepôs ao poder político, desde que a Europa começou a ser dominada pela paranóia do défice, a única região que perspectivava a sua política externa reduziu os seus horizontes ao visível da Frederick Straßen, da Unter den Linden e da quadriga de Bradenburg.
Em política internacional existe hoje uma miopia inaceitável, um desprezo profundo pelo Terceiro Mundo – onde, curiosamente, estão as matérias-primas -, uma incapacidade de antecipar.
Pouco se faz para prevenir os conflitos ou apoiar, e muito menos pela força, a sua resolução. Faz-se bem menos que se fazia há uma década. Que o diga Angola, que se viu só num processo de agressões externas e violência interna. Em política internacional, hoje, faz-se pouco, tarde e mal.
Artigo públicado o 29 de janeiro de 2013 no Jornal de Angola