Piketty: Regular o capitalismo através da fiscalidade? (I)
O capitalismo e a sua história, segundo Piketty
Thomas Piketty publicou em 2013, com o êxito que se sabe, um espesso volume intitulado Le Capital au XXI e siècle (Éditions du Seuil, Paris). Um êxito merecido, pois este livre representa um esforço bastante raro entre os economistas para retraçar a história de um certo número de variáveis económicas, tais como a taxa de crescimento da economia (ou seja, do produto interno bruto, ou PIB) e a taxa de rendimento do "capital", assim como a das desigualdades, ao longo de três séculos (tendo mesmo uma retropolação tentada ate o ano zero), sempre estabelecendo comparações entre os principais países ricos do Norte (mas também, com menos dados, entre eles e os países emergentes). Um trabalho impressionante, conduzido com uma preocupação de clareza se de pedagogia que é preciso saudar. Um trabalho indiscutivelmente útil, onde o leitor encontrará uma mina de informações, que por vezes vão contra as ideias recebidas.
A título indicativo, aprende-se por exemplo que uma taxa de crescimento do PIB de 1%, que parece entretanto bem modesta, não é sustentável a longo prazo, pois corresponderia a uma multiplicação exorbitante deste indicador ao cabo de alguns séculos, o que faz reflectir . Aprende-se que os Estados Unidos foram durante muito tempo, e até o fim do século XIX, bem menos desigualitários que os países europeus, e que não queriam parecer-se muito quanto a isto; ou que a mobilidade social ali é hoje mais fraca do que na Europa. Aprende-se ainda que o capitalismo patrimonial nos nossos dias estaria mais desenvolvido na França ou na Alemanha do que nos Estados Unidos. Descobre-se também, ao contrário do que se teria pensado, que o património público em França, apesar da sua importância aos olhos dos investidores, é quase nulo (sendo as dívidas públicas aproximadamente do mesmo montante), etc.
Mas o livro não se contenta em compilar séries de dados estatísticos. Ele define uma problemática, enuncia uma tese central, confronta-a com os factos, expõe uma tendência para o século XXI e procura soluções. Segundo o autor, sem uma regulação (fiscal), o "capitalismo" – se ele não conduzir ao apocalipse, como se supõe que Marx tenha pensado – torna-se entretanto incompatível com a democracia, pois esta última é antinómica com a plutocracia e não pode repousar senão sobre a meritocracia. Antes de entrar no pormenor, é preciso começar por expor a tese central do livro.
A contradição fundamental do capitalismo segundo Piketty
Pode-se muito brevemente resumir a tese de Piketty, feita reiteradamente na obra, da seguinte maneira: se o rendimento do capital é superior à taxa de crescimento da economia, este capital faz bola de neve, pois "os patrimónios vindos do passado recapitalizam-se mais rapidamente que o ritmo da produção e dos salários (...). O passado devora o futuro".
Seria preciso precisar à partida que, para o autor, o capital é assimilado àquilo que seria preciso denominar os "bens de capital", englobando de facto tudo aquilo que produz dinheiro, portanto não apenas o capital dedicado à produção mas também o imobiliário de habitação (que é de um volume aproximadamente igual ao capital produtivo), a terra, as obras de arte, etc. Em consequência, o "rendimento do capital" considerado não se limita unicamente ao lucro da empresa. Retornaremos a este ponto mais adiante. Portanto, por escolha deliberada, Piketty retoma a noção de capital que se encontra na linguagem corrente, mas ainda e sobretudo a concepção adoptada pelos economistas da corrente dominante neoclássica de um capital visto como um activo qualquer, o qual seria remunerado pela sua produtividade marginal (o preço da última unidade útil de um bem). O capital é portanto o património. Quanto à taxa de crescimento da economia, Piketty decompõe-na logicamente em crescimento da população e crescimento da produção per capita, o que é mais pertinente do que simplesmente o crescimento, pois isso leva em conta a evolução da população – o factor demográfico sendo demasiado frequentemente negligenciado, quando as evoluções das suas estruturas, bastante previsíveis, têm consequências cruciais sobre a economia .Verificar-se-á assim que a taxa de crescimento da economia estado-unidense não é mais elevada do que a da maior parte dos países europeus senão porque a demografia ali é relativamente mais dinâmica.
Retornemos aqui à "lei fundamental" do capitalismo, para acrescentar uma precisão: o valor do património (em relação ao rendimento nacional) é tanto mais elevado quanto a taxa de poupança for importante e a taxa de crescimento do PIB for fraca. E vejamos como esta "lei" declinaria. Se a taxa de rendimento do capital fosse inferior ao crescimento da economia (por exemplo, um rendimento de 1% para um crescimento de 2%), isso "mataria o motor da acumulação" , pois os capitalistas veriam seu lucro diminuir sem cessar e não investiriam mais o suficiente. Se a taxa de rendimento do capital fosse igual à taxa de crescimento da economia, estes capitalistas deveriam investir todos os seus rendimentos (o que corresponderia a uma poupança de 100%, reinvestida na totalidade) para que o seu capital progrida ao mesmo ritmo da economia e, portanto, nada consumir a fim de manter a sua posição social. Isto poderia acontecer se o capital já acumulado representasse uma massa tão considerável (20-30 anos de rendimento nacional) que já não proporcionaria grande coisa. Mas o que é que impediria o capital de proporcionar 2% ao invés de 5%? Será que seria o facto de que a produtividade marginal deste último diminuiria devido à sua superabundância, como sustenta Piketty, ou antes o facto de que a parte do trabalho não cessaria de se reduzir? Voltaremos ao assunto.
A conclusão de Piketty é que a taxa de rendimento do capital deve manter-se acima da taxa de crescimento da economia para que os capitalistas continuem a investir sem cessar de consumir. Haveria portanto um volume óptimo do capital acumulado, tal que a taxa de rendimento fosse suficiente para favorecer o crescimento? O problema fundamental para Piketty parece sobretudo que é reduzir a concentração deste capital dispersando-o por uma tributação progressiva sobre o rendimento que ele proporciona e um imposto sobre a fortuna, ampliando assim o campo dos investidores privados, bem mais eficaz segundo ele do que um poder público que teria, como no sistema soviético, destruído o essencial dos patrimónios privados. Estas tributações deveriam tornar demasiado fraco o rendimento do capital após imposto, pois desencorajaria os investidores. Isto é o que se chamaria "regular o capitalismo".
Ora, deve-se perguntar agora se a tese de Piketty permite dar conta dos movimentos do capital (sua taxa de rendimento e seu ritmo de acumulação em relação à taxa de crescimento) e se assim será possível regular post festum o capitalismo.
O capitalismo e a sua história, segundo Piketty
Piketty nos preveniu logo na introdução: "Não me interessa denunciar as desigualdades ou o capitalismo enquanto tal (...). O que me interessa é tentar contribuir, modestamente, para determinar os modos de organização social, as instituições e as políticas públicas mais apropriadas que permitam por em prática realmente e eficazmente uma sociedade justa ". Mas de qual capitalismo se trata? Notamos com efeito que a definição dada do capital como "sinónimo de património" pode aplicar-se a não importa que sistema social patrimonial, quer à sociedade do Ancien Régime e à sua detenção privativa da terra entre as mãos da aristocracia e da Igreja quer a outras formas privadas de posse dos meios de produção. A regulação (pelo imposto) valeria o mesmo para não importa qual sistema de propriedade privada, ou mesmo pública. Dito isto, foi o capitalismo que a partir do fim do século XIX desenvolveu por si mesmo esta regulação.
Mas o capitalismo experimentou uma segunda regulação política, que vai igualmente actuar sobre a acumulação dos capitais. Esta é, como se viu, um fenómeno "mecânico" implicando uma desigualdade crescente. Isto é o efeito da divergência entre a taxa de rendimento do capital e a taxa de crescimento da economia. Ela ainda seria mais forte, diz Piketty, se não existisse uma "força de convergência", a saber, a difusão dos conhecimentos e a elevação das qualificações, que actuam em favor dos salários. É aqui que intervém a regulação pelo Estado social, pois é ele que para Piketty assegura melhor a promoção da educação. Entretanto esta força de convergência não é suficiente para compensar a dinâmica dos patrimónios, reforçada pela herança, ao contrário do que acreditaram certos historiadores muito optimistas da economia, como Kuznets. A dupla regulação política, ao mesmo tempo fiscal e social, apenas moderou o ritmo da acumulação e o agravamento das desigualdades.
Contudo, isto não explica a queda da riqueza patrimonial após 1920 (época em que representava seis a sete vezes o rendimento nacional). Foram grandes acidentes históricos que, segundo o autor, enfraqueceram a este ponto o fenómeno da acumulação: as guerras mundiais, as revoluções e a descolonização destruíram grandes quantidades de capitais, a poupança privada foi drenada pelos Estados em guerra e corroída pela inflação, finalmente o "novo contexto político de propriedade privada e regulada do pós-guerra" fez cair o preço dos activos. O movimento a seguir retomou o seu curso, a riqueza patrimonial crescendo outra vez a partir de 1950 para atingir hoje os cinco a seis anos de rendimento nacional.
Como se vê, o autor evita subestimar os factores institucionais e políticos (ele se reclama de uma economia política, contra o economismo dos economistas), mas estes factores acabam de alguma maneira por modificar o mecanismo da acumulação. Ora, é este mesmo mecanismo que é preciso interrogar. O que é que faz com que o capital se acumule, que apresente um rendimento geralmente superior à taxa de crescimento e corte para si a fatia do leão no valor acrescentado? Não é raciocinando a partir da produtividade marginal dos factores que se pode compreender isto, pois esta produtividade, se bem que seja calculável, não é independente do modo de propriedade destes factores e da correlação de força que dela resulta (Adam Smith já o sabia). É forçoso aqui reconhecer que a análise marxista tem um poder explicativo bem maior e que ela esclarece melhor a história contemporânea do capitalismo. E eis aqui porque.
[Este artigo encontra-se em http://resistir.info]-------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota da Fundación Bautista Álvarez, editora do dixital Terra e Tempo: As valoracións e opinións contidas nos artigos das nosas colaboradoras e dos nosos colaboradores -cuxo traballo desinteresado sempre agradeceremos- son da súa persoal e intransferíbel responsabilidade. A Fundación e mais a Unión do Povo Galego maniféstanse libremente en por elas mesmas cando o consideran oportuno. Libremente, tamén, os colaboradores e colaboradoras de Terra e Tempo son, por tanto, portavoces de si proprios e de máis ninguén.
Thomas Piketty publicou em 2013, com o êxito que se sabe, um espesso volume intitulado Le Capital au XXI e siècle (Éditions du Seuil, Paris). Um êxito merecido, pois este livre representa um esforço bastante raro entre os economistas para retraçar a história de um certo número de variáveis económicas, tais como a taxa de crescimento da economia (ou seja, do produto interno bruto, ou PIB) e a taxa de rendimento do "capital", assim como a das desigualdades, ao longo de três séculos (tendo mesmo uma retropolação tentada ate o ano zero), sempre estabelecendo comparações entre os principais países ricos do Norte (mas também, com menos dados, entre eles e os países emergentes). Um trabalho impressionante, conduzido com uma preocupação de clareza se de pedagogia que é preciso saudar. Um trabalho indiscutivelmente útil, onde o leitor encontrará uma mina de informações, que por vezes vão contra as ideias recebidas.
A título indicativo, aprende-se por exemplo que uma taxa de crescimento do PIB de 1%, que parece entretanto bem modesta, não é sustentável a longo prazo, pois corresponderia a uma multiplicação exorbitante deste indicador ao cabo de alguns séculos, o que faz reflectir . Aprende-se que os Estados Unidos foram durante muito tempo, e até o fim do século XIX, bem menos desigualitários que os países europeus, e que não queriam parecer-se muito quanto a isto; ou que a mobilidade social ali é hoje mais fraca do que na Europa. Aprende-se ainda que o capitalismo patrimonial nos nossos dias estaria mais desenvolvido na França ou na Alemanha do que nos Estados Unidos. Descobre-se também, ao contrário do que se teria pensado, que o património público em França, apesar da sua importância aos olhos dos investidores, é quase nulo (sendo as dívidas públicas aproximadamente do mesmo montante), etc.
Mas o livro não se contenta em compilar séries de dados estatísticos. Ele define uma problemática, enuncia uma tese central, confronta-a com os factos, expõe uma tendência para o século XXI e procura soluções. Segundo o autor, sem uma regulação (fiscal), o "capitalismo" – se ele não conduzir ao apocalipse, como se supõe que Marx tenha pensado – torna-se entretanto incompatível com a democracia, pois esta última é antinómica com a plutocracia e não pode repousar senão sobre a meritocracia. Antes de entrar no pormenor, é preciso começar por expor a tese central do livro.
A contradição fundamental do capitalismo segundo Piketty
Pode-se muito brevemente resumir a tese de Piketty, feita reiteradamente na obra, da seguinte maneira: se o rendimento do capital é superior à taxa de crescimento da economia, este capital faz bola de neve, pois "os patrimónios vindos do passado recapitalizam-se mais rapidamente que o ritmo da produção e dos salários (...). O passado devora o futuro".
Seria preciso precisar à partida que, para o autor, o capital é assimilado àquilo que seria preciso denominar os "bens de capital", englobando de facto tudo aquilo que produz dinheiro, portanto não apenas o capital dedicado à produção mas também o imobiliário de habitação (que é de um volume aproximadamente igual ao capital produtivo), a terra, as obras de arte, etc. Em consequência, o "rendimento do capital" considerado não se limita unicamente ao lucro da empresa. Retornaremos a este ponto mais adiante. Portanto, por escolha deliberada, Piketty retoma a noção de capital que se encontra na linguagem corrente, mas ainda e sobretudo a concepção adoptada pelos economistas da corrente dominante neoclássica de um capital visto como um activo qualquer, o qual seria remunerado pela sua produtividade marginal (o preço da última unidade útil de um bem). O capital é portanto o património. Quanto à taxa de crescimento da economia, Piketty decompõe-na logicamente em crescimento da população e crescimento da produção per capita, o que é mais pertinente do que simplesmente o crescimento, pois isso leva em conta a evolução da população – o factor demográfico sendo demasiado frequentemente negligenciado, quando as evoluções das suas estruturas, bastante previsíveis, têm consequências cruciais sobre a economia .Verificar-se-á assim que a taxa de crescimento da economia estado-unidense não é mais elevada do que a da maior parte dos países europeus senão porque a demografia ali é relativamente mais dinâmica.
Retornemos aqui à "lei fundamental" do capitalismo, para acrescentar uma precisão: o valor do património (em relação ao rendimento nacional) é tanto mais elevado quanto a taxa de poupança for importante e a taxa de crescimento do PIB for fraca. E vejamos como esta "lei" declinaria. Se a taxa de rendimento do capital fosse inferior ao crescimento da economia (por exemplo, um rendimento de 1% para um crescimento de 2%), isso "mataria o motor da acumulação" , pois os capitalistas veriam seu lucro diminuir sem cessar e não investiriam mais o suficiente. Se a taxa de rendimento do capital fosse igual à taxa de crescimento da economia, estes capitalistas deveriam investir todos os seus rendimentos (o que corresponderia a uma poupança de 100%, reinvestida na totalidade) para que o seu capital progrida ao mesmo ritmo da economia e, portanto, nada consumir a fim de manter a sua posição social. Isto poderia acontecer se o capital já acumulado representasse uma massa tão considerável (20-30 anos de rendimento nacional) que já não proporcionaria grande coisa. Mas o que é que impediria o capital de proporcionar 2% ao invés de 5%? Será que seria o facto de que a produtividade marginal deste último diminuiria devido à sua superabundância, como sustenta Piketty, ou antes o facto de que a parte do trabalho não cessaria de se reduzir? Voltaremos ao assunto.
A conclusão de Piketty é que a taxa de rendimento do capital deve manter-se acima da taxa de crescimento da economia para que os capitalistas continuem a investir sem cessar de consumir. Haveria portanto um volume óptimo do capital acumulado, tal que a taxa de rendimento fosse suficiente para favorecer o crescimento? O problema fundamental para Piketty parece sobretudo que é reduzir a concentração deste capital dispersando-o por uma tributação progressiva sobre o rendimento que ele proporciona e um imposto sobre a fortuna, ampliando assim o campo dos investidores privados, bem mais eficaz segundo ele do que um poder público que teria, como no sistema soviético, destruído o essencial dos patrimónios privados. Estas tributações deveriam tornar demasiado fraco o rendimento do capital após imposto, pois desencorajaria os investidores. Isto é o que se chamaria "regular o capitalismo".
Ora, deve-se perguntar agora se a tese de Piketty permite dar conta dos movimentos do capital (sua taxa de rendimento e seu ritmo de acumulação em relação à taxa de crescimento) e se assim será possível regular post festum o capitalismo.
O capitalismo e a sua história, segundo Piketty
Piketty nos preveniu logo na introdução: "Não me interessa denunciar as desigualdades ou o capitalismo enquanto tal (...). O que me interessa é tentar contribuir, modestamente, para determinar os modos de organização social, as instituições e as políticas públicas mais apropriadas que permitam por em prática realmente e eficazmente uma sociedade justa ". Mas de qual capitalismo se trata? Notamos com efeito que a definição dada do capital como "sinónimo de património" pode aplicar-se a não importa que sistema social patrimonial, quer à sociedade do Ancien Régime e à sua detenção privativa da terra entre as mãos da aristocracia e da Igreja quer a outras formas privadas de posse dos meios de produção. A regulação (pelo imposto) valeria o mesmo para não importa qual sistema de propriedade privada, ou mesmo pública. Dito isto, foi o capitalismo que a partir do fim do século XIX desenvolveu por si mesmo esta regulação.
Mas o capitalismo experimentou uma segunda regulação política, que vai igualmente actuar sobre a acumulação dos capitais. Esta é, como se viu, um fenómeno "mecânico" implicando uma desigualdade crescente. Isto é o efeito da divergência entre a taxa de rendimento do capital e a taxa de crescimento da economia. Ela ainda seria mais forte, diz Piketty, se não existisse uma "força de convergência", a saber, a difusão dos conhecimentos e a elevação das qualificações, que actuam em favor dos salários. É aqui que intervém a regulação pelo Estado social, pois é ele que para Piketty assegura melhor a promoção da educação. Entretanto esta força de convergência não é suficiente para compensar a dinâmica dos patrimónios, reforçada pela herança, ao contrário do que acreditaram certos historiadores muito optimistas da economia, como Kuznets. A dupla regulação política, ao mesmo tempo fiscal e social, apenas moderou o ritmo da acumulação e o agravamento das desigualdades.
Contudo, isto não explica a queda da riqueza patrimonial após 1920 (época em que representava seis a sete vezes o rendimento nacional). Foram grandes acidentes históricos que, segundo o autor, enfraqueceram a este ponto o fenómeno da acumulação: as guerras mundiais, as revoluções e a descolonização destruíram grandes quantidades de capitais, a poupança privada foi drenada pelos Estados em guerra e corroída pela inflação, finalmente o "novo contexto político de propriedade privada e regulada do pós-guerra" fez cair o preço dos activos. O movimento a seguir retomou o seu curso, a riqueza patrimonial crescendo outra vez a partir de 1950 para atingir hoje os cinco a seis anos de rendimento nacional.
Como se vê, o autor evita subestimar os factores institucionais e políticos (ele se reclama de uma economia política, contra o economismo dos economistas), mas estes factores acabam de alguma maneira por modificar o mecanismo da acumulação. Ora, é este mesmo mecanismo que é preciso interrogar. O que é que faz com que o capital se acumule, que apresente um rendimento geralmente superior à taxa de crescimento e corte para si a fatia do leão no valor acrescentado? Não é raciocinando a partir da produtividade marginal dos factores que se pode compreender isto, pois esta produtividade, se bem que seja calculável, não é independente do modo de propriedade destes factores e da correlação de força que dela resulta (Adam Smith já o sabia). É forçoso aqui reconhecer que a análise marxista tem um poder explicativo bem maior e que ela esclarece melhor a história contemporânea do capitalismo. E eis aqui porque.
[Este artigo encontra-se em http://resistir.info]-------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota da Fundación Bautista Álvarez, editora do dixital Terra e Tempo: As valoracións e opinións contidas nos artigos das nosas colaboradoras e dos nosos colaboradores -cuxo traballo desinteresado sempre agradeceremos- son da súa persoal e intransferíbel responsabilidade. A Fundación e mais a Unión do Povo Galego maniféstanse libremente en por elas mesmas cando o consideran oportuno. Libremente, tamén, os colaboradores e colaboradoras de Terra e Tempo son, por tanto, portavoces de si proprios e de máis ninguén.