O investimento directo estrangeiro e os recursos exauríveis
Isto também é um argumento para manter a extracção de todos os recursos exauríveis dentro do sector público.
Joan Robinson, a famosa economista, chamou a atenção para uma diferença fundamental entre investimento directo estrangeiro (IDE) no sector manufactureiro e investimento directo estrangeiro num sector que extraísse um recurso exaurível, tal como um produto mineral. A diferença pode ser ilustrada com um exemplo.
Suponha-se que em ambos os sectores o valor de 100 rupias seja ganho e repatriado anualmente para o exterior pela companhia estrangeira e suponha-se que a vida da mina seja de 10 anos. Então, ao fim de 10 anos, durante os quais Rs100/ano foram repatriados, ainda ali estaria a unidade manufacturadora intacta no país hospedeiro; mas ao fim de 10 anos, em que cada um testemunhou a repatriação de um lucro de Rs100/ano, já não haveria mais daquele recurso mineral no país.
Isto não quer dizer que o investimento directo estrangeiro na manufactura deva ser sempre bem-vindo, de modo nenhum. Quer dizer apenas que apesar de haver situações em que ele poderia ser permitido na manufactura (quando por exemplo proporciona um ganho líquido de divisas estrangeiras), nunca há uma situação em que um país devesse optar por permitir o investimento directo estrangeiro num sector produtor de recursos minerais.
Isto também é um argumento para manter a extracção de todos os recursos exauríveis dentro do sector público. Precisamente porque estes recursos são exauríveis, não se trata apenas da questão de assegurar a taxa óptima de extracção de tais recursos, mas sim que todo grama de tais recursos, ou a moeda obtida contra a venda de tais recursos, deve ser utilizada para finalidades que sejam consideradas socialmente desejáveis. Isto exige controle social sobre tais recursos e para isso uma condição necessária é mantê-los dentro do sector público.
Trata-se de uma ideia que durante muito tempo enformou a política da Índia em relação ao investimento directo estrangeiro no sector do carvão. Na verdade, houve relaxamento nesta política quanto à produção de carvão cativo para centrais termoeléctricas e para unidades produtoras de ferro, aço e cimento, mas tais minas de carvão cativas não podiam vender carvão no mercado aberto. Mas isto agora mudou, com o governo Modi a anunciar que, doravante, não apenas o investimento privado mas 100 por cento do investimento directo estrangeiro, por processo automático, será permitido no sector carvoeiro. Isto significa que o monopólio virtual da empresa do sector público, Coal India Limited (CIL), a qual representa cerca de 83 por cento da produção total de carvão do país, acabará.
Toda a espécie de argumentos especiosos está a ser avançada para justificar esta medida. Há em primeiro lugar argumentos ridículos como o de "isto nos ajudará a atingir o objectivo de ser uma economia de US$5 milhões de milhões": estabelecer uma meta e depois alcançá-la por todos os meios dificilmente pode ser apresentado como uma justificação para a trapaça. Depois, há o argumento de que isso aumentará a "competitividade" dentro do sector carvoeiro. Como exactamente a ausência de "competitividade" impactou negativamente o povo do país nunca é explicado por aqueles que defendem tal argumento. Afinal de contas, a Coal India é uma empresa do sector público: ela não recorre a quaisquer preços exorbitantes devido à sua posição monopolista. Então, o que significa aumento da "competitividade"?
Um terceiro argumento ligado a este é que isto promoveria maior "eficiência". Nenhum indicador de "eficiência", em termos, por exemplo, de quaisquer indicadores físicos tais como inputs por unidade de output de carvão, é apresentado com base no qual esta afirmação possa ser julgada. Só se faz alguma vaga referência ao custo de produção por unidade de carvão; mas um custo de produção mais baixo por unidade de carvão não é indicação de maior eficiência. De facto, no sector carvoeiro onde os custos salariais são uma parte importante do custo unitário total, qualquer redução observada de custo na produção privada é devida a dois factores principais: salários mais baixos, que por vezes são estimados serem tão baixos como um terço dos salários pagos pela CIL para trabalho semelhante, e menor preocupação para com a segurança dos mineiros.
De facto, a CIL tem um recorde de segurança, o qual sem dúvida pode e deve ser melhorado, mas que é muito melhor do que se observa em outros países que foram para a mineração privada, incluindo mesmo a China. Na realidade, a taxa média de fatalidade por milhão de toneladas de produção de carvão é muito mais baixa na Índia do que na China e na Indonésia, dois outros grandes produtores que permitiram a mineração privada. Alcançar "reduções de custos" a expensas de vida humanas dificilmente é algo que devêssemos ter como objectivo.
Isto basicamente leva-nos aos dois argumentos mais citados. Um é de que o IDE trará melhor tecnologia ao sector das minas de carvão da Índia. Mesmo se este argumento fosse aceite, temos de perguntar porque a melhoria tecnológica da produção de carvão pela própria CIL não pode ser efectuada simplesmente pela aquisição de melhor tecnologia e porque se torna realmente necessário abrir o sector a 100 por cento ao IDE. De facto, não há evidência de o governo alguma vez ter feito sérios esforços para adquirir tecnologia através de outros meios diferentes da abertura a 100 por cento ao IDE.
O segundo argumento muitas vezes repetido é que ultimamente a Índia tem estado a importar carvão, com a magnitude das importações a aumentar ao longo do tempo porque a produção interna é insuficiente para atender às exigências de consumo interno. Portanto, a produção interna tem de ser aumentada rapidamente, para o que precisamos envolver actores privados, inclusive estrangeiros. O problema com este argumento é que ele nunca explica porque a CIL não seria capaz de aumentar a produção na medida necessária. A CIL é reconhecida pelo seu desempenho muito bom em 2018-19, adicionando 40 milhões de toneladas de produção incremental. Por que não se deveria pedir que continuasse a fazer isso nos próximos anos de modo a que as importações pudessem ser eliminadas nunca é explicado.
Faz-se muitas vezes a sugestão de que a CIL está "super-tensionada". O que é que isso significa exactamente também não está claro. É uma característica das grandes empresas que elas tenham os recursos para crescer ainda mais sempre que haja procura suficiente para sua produção. Por que isto não deveria acontecer no caso da CIL desafia a razão. E se por acaso houver algum constrangimento ao crescimento da CIL, então o governo poderia facilmente estabelecer outra empresa do sector público a fim de aumentar a capacidade de produção de carvão do país, ao invés de convidar multinacionais estrangeiras para o nosso sector carvoeiro.
Muito se diz neste contexto do facto de que "preciosas divisas estrangeiras" serão poupadas se aumentarmos a produção interna através de convite a multinacionais estrangeiras. Mas nunca há qualquer reconhecimento do facto de que tal convite também levará a uma substancial saída das "preciosas divisas estrangeiras" a título de repatriamento de lucros por estas multinacionais.
Ironicamente, as mesmas fontes que argumentam que multinacionais estrangeiras deveriam ser convidadas porque a CIL está "super-tensionada", imediatamente acrescentam que multinacionais estrangeiras não virão, dadas as dificuldades actualmente existentes quanto à aquisição de terra, ao preço do carvão e à necessidade de licitar pelos blocos de carvão. A sugestão, portanto, é que todas estas restrições devem ser abandonadas a fim de facilitar a entrada de multinacionais estrangeiras. Por outras palavras, não só as multinacionais estrangeiras devem ser autorizadas a produzir carvão, como deve-se recebê-las com um tapete vermelho e todo o regime político do país deve ser tornado subserviente às suas exigências; e tudo por causa de alguns não especificados "super-tensionamentos" da parte da CIL.
A conclusão inelutável é que não há nenhuma razão objectiva premente para esta política de abertura do sector carvoeiro a multinacionais estrangeiras. Esta política não é ditada por qualquer necessidade mas exclusivamente porque ter capital estrangeiro per se é considerado desejável, mesmo se, no processo, o preço do carvão subir e mesmo se uma desenfreada acumulação primitiva de capital, a expensas da população tribal do país, for executada (este afinal de contas é o significado do "facilitar" a aquisição de terra).
É irónico que um governo que proclama o seu "nacionalismo" de modo tão vociferante, e que ao mais ligeiro pretexto aprisiona pessoas por seres "anti-nacionais" , esteja tão ansioso por entregar o controle sobre os recursos da nação a multinacionais estrangeiras através da reversão de toda a política anterior.
O orixinal atópase en resitir.info
Joan Robinson, a famosa economista, chamou a atenção para uma diferença fundamental entre investimento directo estrangeiro (IDE) no sector manufactureiro e investimento directo estrangeiro num sector que extraísse um recurso exaurível, tal como um produto mineral. A diferença pode ser ilustrada com um exemplo.
Suponha-se que em ambos os sectores o valor de 100 rupias seja ganho e repatriado anualmente para o exterior pela companhia estrangeira e suponha-se que a vida da mina seja de 10 anos. Então, ao fim de 10 anos, durante os quais Rs100/ano foram repatriados, ainda ali estaria a unidade manufacturadora intacta no país hospedeiro; mas ao fim de 10 anos, em que cada um testemunhou a repatriação de um lucro de Rs100/ano, já não haveria mais daquele recurso mineral no país.
Isto não quer dizer que o investimento directo estrangeiro na manufactura deva ser sempre bem-vindo, de modo nenhum. Quer dizer apenas que apesar de haver situações em que ele poderia ser permitido na manufactura (quando por exemplo proporciona um ganho líquido de divisas estrangeiras), nunca há uma situação em que um país devesse optar por permitir o investimento directo estrangeiro num sector produtor de recursos minerais.
Isto também é um argumento para manter a extracção de todos os recursos exauríveis dentro do sector público. Precisamente porque estes recursos são exauríveis, não se trata apenas da questão de assegurar a taxa óptima de extracção de tais recursos, mas sim que todo grama de tais recursos, ou a moeda obtida contra a venda de tais recursos, deve ser utilizada para finalidades que sejam consideradas socialmente desejáveis. Isto exige controle social sobre tais recursos e para isso uma condição necessária é mantê-los dentro do sector público.
Trata-se de uma ideia que durante muito tempo enformou a política da Índia em relação ao investimento directo estrangeiro no sector do carvão. Na verdade, houve relaxamento nesta política quanto à produção de carvão cativo para centrais termoeléctricas e para unidades produtoras de ferro, aço e cimento, mas tais minas de carvão cativas não podiam vender carvão no mercado aberto. Mas isto agora mudou, com o governo Modi a anunciar que, doravante, não apenas o investimento privado mas 100 por cento do investimento directo estrangeiro, por processo automático, será permitido no sector carvoeiro. Isto significa que o monopólio virtual da empresa do sector público, Coal India Limited (CIL), a qual representa cerca de 83 por cento da produção total de carvão do país, acabará.
Toda a espécie de argumentos especiosos está a ser avançada para justificar esta medida. Há em primeiro lugar argumentos ridículos como o de "isto nos ajudará a atingir o objectivo de ser uma economia de US$5 milhões de milhões": estabelecer uma meta e depois alcançá-la por todos os meios dificilmente pode ser apresentado como uma justificação para a trapaça. Depois, há o argumento de que isso aumentará a "competitividade" dentro do sector carvoeiro. Como exactamente a ausência de "competitividade" impactou negativamente o povo do país nunca é explicado por aqueles que defendem tal argumento. Afinal de contas, a Coal India é uma empresa do sector público: ela não recorre a quaisquer preços exorbitantes devido à sua posição monopolista. Então, o que significa aumento da "competitividade"?
Um terceiro argumento ligado a este é que isto promoveria maior "eficiência". Nenhum indicador de "eficiência", em termos, por exemplo, de quaisquer indicadores físicos tais como inputs por unidade de output de carvão, é apresentado com base no qual esta afirmação possa ser julgada. Só se faz alguma vaga referência ao custo de produção por unidade de carvão; mas um custo de produção mais baixo por unidade de carvão não é indicação de maior eficiência. De facto, no sector carvoeiro onde os custos salariais são uma parte importante do custo unitário total, qualquer redução observada de custo na produção privada é devida a dois factores principais: salários mais baixos, que por vezes são estimados serem tão baixos como um terço dos salários pagos pela CIL para trabalho semelhante, e menor preocupação para com a segurança dos mineiros.
De facto, a CIL tem um recorde de segurança, o qual sem dúvida pode e deve ser melhorado, mas que é muito melhor do que se observa em outros países que foram para a mineração privada, incluindo mesmo a China. Na realidade, a taxa média de fatalidade por milhão de toneladas de produção de carvão é muito mais baixa na Índia do que na China e na Indonésia, dois outros grandes produtores que permitiram a mineração privada. Alcançar "reduções de custos" a expensas de vida humanas dificilmente é algo que devêssemos ter como objectivo.
Isto basicamente leva-nos aos dois argumentos mais citados. Um é de que o IDE trará melhor tecnologia ao sector das minas de carvão da Índia. Mesmo se este argumento fosse aceite, temos de perguntar porque a melhoria tecnológica da produção de carvão pela própria CIL não pode ser efectuada simplesmente pela aquisição de melhor tecnologia e porque se torna realmente necessário abrir o sector a 100 por cento ao IDE. De facto, não há evidência de o governo alguma vez ter feito sérios esforços para adquirir tecnologia através de outros meios diferentes da abertura a 100 por cento ao IDE.
O segundo argumento muitas vezes repetido é que ultimamente a Índia tem estado a importar carvão, com a magnitude das importações a aumentar ao longo do tempo porque a produção interna é insuficiente para atender às exigências de consumo interno. Portanto, a produção interna tem de ser aumentada rapidamente, para o que precisamos envolver actores privados, inclusive estrangeiros. O problema com este argumento é que ele nunca explica porque a CIL não seria capaz de aumentar a produção na medida necessária. A CIL é reconhecida pelo seu desempenho muito bom em 2018-19, adicionando 40 milhões de toneladas de produção incremental. Por que não se deveria pedir que continuasse a fazer isso nos próximos anos de modo a que as importações pudessem ser eliminadas nunca é explicado.
Faz-se muitas vezes a sugestão de que a CIL está "super-tensionada". O que é que isso significa exactamente também não está claro. É uma característica das grandes empresas que elas tenham os recursos para crescer ainda mais sempre que haja procura suficiente para sua produção. Por que isto não deveria acontecer no caso da CIL desafia a razão. E se por acaso houver algum constrangimento ao crescimento da CIL, então o governo poderia facilmente estabelecer outra empresa do sector público a fim de aumentar a capacidade de produção de carvão do país, ao invés de convidar multinacionais estrangeiras para o nosso sector carvoeiro.
Muito se diz neste contexto do facto de que "preciosas divisas estrangeiras" serão poupadas se aumentarmos a produção interna através de convite a multinacionais estrangeiras. Mas nunca há qualquer reconhecimento do facto de que tal convite também levará a uma substancial saída das "preciosas divisas estrangeiras" a título de repatriamento de lucros por estas multinacionais.
Ironicamente, as mesmas fontes que argumentam que multinacionais estrangeiras deveriam ser convidadas porque a CIL está "super-tensionada", imediatamente acrescentam que multinacionais estrangeiras não virão, dadas as dificuldades actualmente existentes quanto à aquisição de terra, ao preço do carvão e à necessidade de licitar pelos blocos de carvão. A sugestão, portanto, é que todas estas restrições devem ser abandonadas a fim de facilitar a entrada de multinacionais estrangeiras. Por outras palavras, não só as multinacionais estrangeiras devem ser autorizadas a produzir carvão, como deve-se recebê-las com um tapete vermelho e todo o regime político do país deve ser tornado subserviente às suas exigências; e tudo por causa de alguns não especificados "super-tensionamentos" da parte da CIL.
A conclusão inelutável é que não há nenhuma razão objectiva premente para esta política de abertura do sector carvoeiro a multinacionais estrangeiras. Esta política não é ditada por qualquer necessidade mas exclusivamente porque ter capital estrangeiro per se é considerado desejável, mesmo se, no processo, o preço do carvão subir e mesmo se uma desenfreada acumulação primitiva de capital, a expensas da população tribal do país, for executada (este afinal de contas é o significado do "facilitar" a aquisição de terra).
É irónico que um governo que proclama o seu "nacionalismo" de modo tão vociferante, e que ao mais ligeiro pretexto aprisiona pessoas por seres "anti-nacionais" , esteja tão ansioso por entregar o controle sobre os recursos da nação a multinacionais estrangeiras através da reversão de toda a política anterior.
O orixinal atópase en resitir.info