O efeito Midas
Pensar em como investir a nossa capacidade de decidir, não apenas onde metemos o nosso dinheiro, de o termos, é um ato de soberania
O efeito Midas
Quem não conhece o lendário rei Midas? Bom, pode que haja quem não o conheça... ou quem não tenha fresca a sua história. Passo a conta-la brevemente.
Midas era um rei da Frígia (reino situado na Anatólia, atual Turquia) a quem Dioniso/Baco concedeu um desejo como pagamento por um serviço (ajudar a Sileno, um dos membros do seu cortejo). Midas, imprudente e avarento, pediu ao deus que lhe outorgasse o poder de converter em ouro quanto entrasse em contato com o seu corpo. E assim foi.
Seguindo livremente a versão de Ovídio, a sua roupa virou dourada. Tocou uma póla de amieiro e converteu-a em ouro. Apanhou uma mancheia de terra do chão que começou a brilhar. Coçou uma rocha e refulgiu amarela. Acarinhou as espigas da mes com a mão e puseram-se da cor do sol. Mesmo as fruitas das árvores pareciam traídas do jardim das Hespérides e as águas vertidas na sua boca tornaram sólidas, brilhantes...
Algumas versões, carregando tintas sobre o terrível erro de Midas, contam que a sua amada filha, Zoé, cujo nome significa “vida” em grego, ficou convertida em estátua de ouro ao abraçar o seu amado pai.
Teria morrido da fome porque os alimentos viravam em ouro e o metal não serve de alimento. Mas consciente do seu erro procurou o deus para renegar do pedido mas nem o deus era quem de desfazer o feito. Vai ao rio e banha-te nele. Se ao saíres ficares salvo do teu pedido... E o rio acolheu a qualidade de levar ouro nas suas augas, libertando Midas do seu malfadado desejo.
Esta lenda mitológico-moral está muito apegada ao concepto material do ouro. Claro que, mesmo no sentido representativo que este tem, o ouro acaba por se converter em fome, desgraça e morte para alguém, ainda que nem sempre seja o avarento que o procura com deleite.
E a que vem este passeio polos relatos moralistas dos antigos helenos? Pois vem como pé a uma reflexão. Uma reflexão minha e uma reflexão para todos os que me lerem, se o considerarem oportuno, claro está.
Em passados dias uma jovem que ainda não tem trabalho porque está a estudar uma dessas intermináveis formações acadêmicas às que condenamos os nossos jovens... Como digo, uma jovem, numa conversa familiar e distendida, perguntou aos presentes qual o melhor médio para aumentar os dinheiros poupados até o momento... porque tê-los aí parados...
É verdade que todos nós (sempre que disponhamos de numerário suficiente que não é necessariamente o habitual) pensamos isto alguma vez, atrapados poderíamos dizer por um certo “efeito Midas”. Queremos ter mais, sempre mais. E normalmente não reflexionamos sobre as consequências desta banal atividade financeira que denominamos “investir”.
Sempre que pensamos em investir analisamos o risco do investimento. Ao fim, ninguém quere perder o dinheiro que tanto lhe custou reunir, pouco ou muito, ao longo dos anos da sua vida, renunciando a cousas ou atividades que poderiam ter-nos feito mais felizes. A segurança na velhice é uma prioridade, claro. Ainda que, talvez, por acaso, nem cheguemos a ser velhos (quando é um velho?).
Também nos preocupamos, e muito, do seu rendimento. De facto boa parte das decisões dos que investem estão guiadas por esta variável, por vezes mais do que pola anterior. Que juro me vão dar polo meu dinheiro? E aí fica a nossa análise, normalmente.
Outros, talvez, mais comprometidos com alguma ideia altruísta (a selva da Amazonia, as baleias, o anticolonialismo agrícola ou minerológico, sei lá) param-se a conhecer qual é o objetivo dessa carteira de investimento... e provavelmente são enganados polo seu agente.
Também há agente que mente para pôr-nos a economia e o investimento de cor de rosa, como os das preferentes famosas que arruinaram a tantos e, sobre todo, os deixaram sem os aforros da vida.
Eu reflexiono que ficar sem o colchão duns milheiros de euros na conta bancária quando a vida che oferece uma pensão ridícula ou simplesmente justinha para chegar ao fim do mês deve resultar realmente duro, pola incerteza. Mas também penso que se podes investir em bolsa é porque não necessitavas -realmente necessitar- esses cartos. Porque nos puido a avareza.
Comparo com os jovens que nem sequer têm um soldo que podamos chamar por tal e que ficam à sorte dos seus médios para iniciar a vida, pagar morada, procurar meios de vida. Menos mal que estão os avós com o que lhes ficou de aforros depois do calote das preferentes. Que país! Os mais novos, sem trabalho, vêm-se forçados a viver das magras pensões dos avós!
Mas o dinheiro não tem pátria... nem sentimentos! Está para servir aos seus amos como o Gênio da Lâmpada. Ele só faz o que o seu amo lhe manda, sem julgar a ética dos seus pedidos. Queres dinheiro, eu farei o que for por proporcionar-che ouro.
O terrível do caso é que o amo do dinheiro não é o inversor de a pé, o cidadão que investe uns centos ou uns milheiros de euros com ingênua codícia para receber, despois de quatro, cinco ou dez anos de imobilização do seu fundo e descontados os impostos, um magro 6 ou 4’5 %, no melhor dos casos,... que, afinal, resulta um monto de escassa capacidade de compra. Quanto é o 6% de 10.000 euros? Pois uns tristes 600. Serei capaz de viver melhor, passado esse tempo, com 600 euros mais na minha conta? Seguramente não!
Mais penoso é o caso dos que investem em fundos de pensões. Isso é uma innobre manobra dos estados (e da Comunidade Europeia) em conivência com o capital para apoderar-se do superávit dos trabalhadores baixo ameaça e coação de não lhes pagar suficiente de pensão quando se reformarem (aqui chamam-lhe, ironicamente suponho, jubilar-se que, como se sabe, significa “pôr-se contente”!). Então os investidores de pouca monta convertem-se (convertemo-nos) em sócios úteis dos criminais sistemas financeiros do mundo e servem de desculpa necessária para o espólio dos países pobres, dos países em vias de extinção ou das colônias interiores.
Isto aconteceu há poucas datas (quando se publicar este artigo serão uns 10 ou 12 dias) no nosso país (“colônia interior”). A empresa que gere a concessão da Autoestrada do Atlântico, Audasa, passou a ser controlada por Globalvia, um conglomerado empresarial com capital procedente -maioritariamente segundo me pareceu entender- de fundos de pensões canadianos, holandeses e britânicos. A nova nem apareceu na imprensa do país.
Com toda seguridade os inversores desses fundos desejam apenas beneficiar-se do jogo financeiro sem saberem que prejudicam a outros cidadãos do mundo -europeus neste caso- perpetuando a necessidade de a concessão da AP-9 ser rendível por conta dos cartinhos de todos os utentes dessa via. Claro que não são eles os que tomam as decisões financeiras... Com uma excepção: investir nesses fundos. E sem o dinheiro dos pequenos inversores os fundos seriam muito menos capazes de comprar e controlar. E teriam menos respaldo “ético” por não poderem esgrimir o interesse do pequeno inversor. Ficariam sendo o que são: predadores.
As decisões que tomamos a diário sobre como levar a nossa vida condicionam, em modos às vezes impensáveis, a vida doutras persoas em qualquer lugar do mundo. Investir em fundos de pensões é uma. Comprar telemóveis cada dous anos participando assim na obsolescência programada é outra; adquirir roupa barata confeccionada na China, alimentarmo-nos com produtos traídos do outro estremo do mundo e muitas mais.
Pensar em como investir a nossa capacidade de decidir, não apenas onde metemos o nosso dinheiro, de o termos, é um ato de soberania persoal com um enorme potencial político muito para além de votar cada quatro anos.
É tempo de constituirmos (ou re-constituirmos) em sociedade civil. Fazer o que as autoridades coloniais da Xunta não fazem porque não querem, não sabem ou porque não estão para isso.... A ação política não é apenas constituir-se em partido e projetar planos de governo por se se chegar alá. Os indivíduos temos que participar da vida política, económica, cultural sempre com projetos, com propostas, com ações positivas em todas as áreas da vida da nossa sociedade. E para começar proponho algo que já tenho proposto noutros artigos.
Criar o nosso próprio (galego) fundo de investimento centrado no desenvolvimento da nossa nação seria um ato, sequer mínimo, de soberania e um primeiro passo para uma autonomia real em muitos aspectos da vida quotidiana. Termos um fundo para financiar projetos agrícolas para recuperar o nosso rural. Termos um fundo para projetos ecológicos de energias alternativas ao fóssil, termos dinheiro para projetos electrónico-informáticos... sei lá, e dar trabalho a muita gente nova e potenciar a recuperação demográfica.
Somos um povo cheio de ideias mas sem dinheiro para as promover porque nem a banca aposta polo nosso desenvolvimento. O seu negócio é o nosso aforro. Juntemos o superávit de vários milheiros de galegos e teremos com que fazer algo.
É uma ideia!
O efeito Midas
Quem não conhece o lendário rei Midas? Bom, pode que haja quem não o conheça... ou quem não tenha fresca a sua história. Passo a conta-la brevemente.
Midas era um rei da Frígia (reino situado na Anatólia, atual Turquia) a quem Dioniso/Baco concedeu um desejo como pagamento por um serviço (ajudar a Sileno, um dos membros do seu cortejo). Midas, imprudente e avarento, pediu ao deus que lhe outorgasse o poder de converter em ouro quanto entrasse em contato com o seu corpo. E assim foi.
Seguindo livremente a versão de Ovídio, a sua roupa virou dourada. Tocou uma póla de amieiro e converteu-a em ouro. Apanhou uma mancheia de terra do chão que começou a brilhar. Coçou uma rocha e refulgiu amarela. Acarinhou as espigas da mes com a mão e puseram-se da cor do sol. Mesmo as fruitas das árvores pareciam traídas do jardim das Hespérides e as águas vertidas na sua boca tornaram sólidas, brilhantes...
Algumas versões, carregando tintas sobre o terrível erro de Midas, contam que a sua amada filha, Zoé, cujo nome significa “vida” em grego, ficou convertida em estátua de ouro ao abraçar o seu amado pai.
Teria morrido da fome porque os alimentos viravam em ouro e o metal não serve de alimento. Mas consciente do seu erro procurou o deus para renegar do pedido mas nem o deus era quem de desfazer o feito. Vai ao rio e banha-te nele. Se ao saíres ficares salvo do teu pedido... E o rio acolheu a qualidade de levar ouro nas suas augas, libertando Midas do seu malfadado desejo.
Esta lenda mitológico-moral está muito apegada ao concepto material do ouro. Claro que, mesmo no sentido representativo que este tem, o ouro acaba por se converter em fome, desgraça e morte para alguém, ainda que nem sempre seja o avarento que o procura com deleite.
E a que vem este passeio polos relatos moralistas dos antigos helenos? Pois vem como pé a uma reflexão. Uma reflexão minha e uma reflexão para todos os que me lerem, se o considerarem oportuno, claro está.
Em passados dias uma jovem que ainda não tem trabalho porque está a estudar uma dessas intermináveis formações acadêmicas às que condenamos os nossos jovens... Como digo, uma jovem, numa conversa familiar e distendida, perguntou aos presentes qual o melhor médio para aumentar os dinheiros poupados até o momento... porque tê-los aí parados...
É verdade que todos nós (sempre que disponhamos de numerário suficiente que não é necessariamente o habitual) pensamos isto alguma vez, atrapados poderíamos dizer por um certo “efeito Midas”. Queremos ter mais, sempre mais. E normalmente não reflexionamos sobre as consequências desta banal atividade financeira que denominamos “investir”.
Sempre que pensamos em investir analisamos o risco do investimento. Ao fim, ninguém quere perder o dinheiro que tanto lhe custou reunir, pouco ou muito, ao longo dos anos da sua vida, renunciando a cousas ou atividades que poderiam ter-nos feito mais felizes. A segurança na velhice é uma prioridade, claro. Ainda que, talvez, por acaso, nem cheguemos a ser velhos (quando é um velho?).
Também nos preocupamos, e muito, do seu rendimento. De facto boa parte das decisões dos que investem estão guiadas por esta variável, por vezes mais do que pola anterior. Que juro me vão dar polo meu dinheiro? E aí fica a nossa análise, normalmente.
Outros, talvez, mais comprometidos com alguma ideia altruísta (a selva da Amazonia, as baleias, o anticolonialismo agrícola ou minerológico, sei lá) param-se a conhecer qual é o objetivo dessa carteira de investimento... e provavelmente são enganados polo seu agente.
Também há agente que mente para pôr-nos a economia e o investimento de cor de rosa, como os das preferentes famosas que arruinaram a tantos e, sobre todo, os deixaram sem os aforros da vida.
Eu reflexiono que ficar sem o colchão duns milheiros de euros na conta bancária quando a vida che oferece uma pensão ridícula ou simplesmente justinha para chegar ao fim do mês deve resultar realmente duro, pola incerteza. Mas também penso que se podes investir em bolsa é porque não necessitavas -realmente necessitar- esses cartos. Porque nos puido a avareza.
Comparo com os jovens que nem sequer têm um soldo que podamos chamar por tal e que ficam à sorte dos seus médios para iniciar a vida, pagar morada, procurar meios de vida. Menos mal que estão os avós com o que lhes ficou de aforros depois do calote das preferentes. Que país! Os mais novos, sem trabalho, vêm-se forçados a viver das magras pensões dos avós!
Mas o dinheiro não tem pátria... nem sentimentos! Está para servir aos seus amos como o Gênio da Lâmpada. Ele só faz o que o seu amo lhe manda, sem julgar a ética dos seus pedidos. Queres dinheiro, eu farei o que for por proporcionar-che ouro.
O terrível do caso é que o amo do dinheiro não é o inversor de a pé, o cidadão que investe uns centos ou uns milheiros de euros com ingênua codícia para receber, despois de quatro, cinco ou dez anos de imobilização do seu fundo e descontados os impostos, um magro 6 ou 4’5 %, no melhor dos casos,... que, afinal, resulta um monto de escassa capacidade de compra. Quanto é o 6% de 10.000 euros? Pois uns tristes 600. Serei capaz de viver melhor, passado esse tempo, com 600 euros mais na minha conta? Seguramente não!
Mais penoso é o caso dos que investem em fundos de pensões. Isso é uma innobre manobra dos estados (e da Comunidade Europeia) em conivência com o capital para apoderar-se do superávit dos trabalhadores baixo ameaça e coação de não lhes pagar suficiente de pensão quando se reformarem (aqui chamam-lhe, ironicamente suponho, jubilar-se que, como se sabe, significa “pôr-se contente”!). Então os investidores de pouca monta convertem-se (convertemo-nos) em sócios úteis dos criminais sistemas financeiros do mundo e servem de desculpa necessária para o espólio dos países pobres, dos países em vias de extinção ou das colônias interiores.
Isto aconteceu há poucas datas (quando se publicar este artigo serão uns 10 ou 12 dias) no nosso país (“colônia interior”). A empresa que gere a concessão da Autoestrada do Atlântico, Audasa, passou a ser controlada por Globalvia, um conglomerado empresarial com capital procedente -maioritariamente segundo me pareceu entender- de fundos de pensões canadianos, holandeses e britânicos. A nova nem apareceu na imprensa do país.
Com toda seguridade os inversores desses fundos desejam apenas beneficiar-se do jogo financeiro sem saberem que prejudicam a outros cidadãos do mundo -europeus neste caso- perpetuando a necessidade de a concessão da AP-9 ser rendível por conta dos cartinhos de todos os utentes dessa via. Claro que não são eles os que tomam as decisões financeiras... Com uma excepção: investir nesses fundos. E sem o dinheiro dos pequenos inversores os fundos seriam muito menos capazes de comprar e controlar. E teriam menos respaldo “ético” por não poderem esgrimir o interesse do pequeno inversor. Ficariam sendo o que são: predadores.
As decisões que tomamos a diário sobre como levar a nossa vida condicionam, em modos às vezes impensáveis, a vida doutras persoas em qualquer lugar do mundo. Investir em fundos de pensões é uma. Comprar telemóveis cada dous anos participando assim na obsolescência programada é outra; adquirir roupa barata confeccionada na China, alimentarmo-nos com produtos traídos do outro estremo do mundo e muitas mais.
Pensar em como investir a nossa capacidade de decidir, não apenas onde metemos o nosso dinheiro, de o termos, é um ato de soberania persoal com um enorme potencial político muito para além de votar cada quatro anos.
É tempo de constituirmos (ou re-constituirmos) em sociedade civil. Fazer o que as autoridades coloniais da Xunta não fazem porque não querem, não sabem ou porque não estão para isso.... A ação política não é apenas constituir-se em partido e projetar planos de governo por se se chegar alá. Os indivíduos temos que participar da vida política, económica, cultural sempre com projetos, com propostas, com ações positivas em todas as áreas da vida da nossa sociedade. E para começar proponho algo que já tenho proposto noutros artigos.
Criar o nosso próprio (galego) fundo de investimento centrado no desenvolvimento da nossa nação seria um ato, sequer mínimo, de soberania e um primeiro passo para uma autonomia real em muitos aspectos da vida quotidiana. Termos um fundo para financiar projetos agrícolas para recuperar o nosso rural. Termos um fundo para projetos ecológicos de energias alternativas ao fóssil, termos dinheiro para projetos electrónico-informáticos... sei lá, e dar trabalho a muita gente nova e potenciar a recuperação demográfica.
Somos um povo cheio de ideias mas sem dinheiro para as promover porque nem a banca aposta polo nosso desenvolvimento. O seu negócio é o nosso aforro. Juntemos o superávit de vários milheiros de galegos e teremos com que fazer algo.
É uma ideia!