As ajudas envenenadas do menu europeu
É preciso antes e acima de tudo conseguir a anulação da parte ilegítima da dívida pública e uma redução considerável do resto da dívida
Estas ajudas são condicionadas à aplicação, nos países em causa, de programas de austeridade destinados a restaurar a solvência. O FEEF inscreve-se num plano de ajuda mais vasto, que inclui um financiamento do FMI na ordem de centenas de milhares de milhões de euros, sujeitos às mesmas condições, na mesma ordem de ideias que os planos de reajustamento estrutural do FMI impostos aos países em desenvolvimento e às economias do antigo bloco soviético desde os anos 1980. Por outro lado, o BCE (Banco Central Europeu) decidiu comprar títulos da dívida emitidos pelos países em dificuldades; no entanto, e é esta a questão fundamental, a aquisição é feita junto dos bancos privados no mercado secundário da dívida. Em vez de emprestar directamente aos Estados membros da zona euro, o BCE empresta capitais aos bancos privados à taxa de juro de 1,25%; estes, por sua vez, compram títulos com esse dinheiro aos Estados com dificuldades ao dobro ou triplo do juro para os empréstimos a curto prazo (nos empréstimos por 10 anos, as taxas podem atingir 10 a 13% como nos casos da Grécia, Irlanda ou do Portugal). A seguir, o BCE compra a esses mesmos bancos privados os títulos dos Estados aos quais se proibiu de comprar directamente! Evidentemente, o mais lógico seria que o BCE emprestasse a 1,25% directamente aos estados necessitados, em vez de passar pelos bancos, que assim tiram grande proveito, servindo de intermediários e entrando numa política de empréstimos cheia de riscos imoderados que os Estados acabarão por assumir por eles em caso de risco de bancarrota. Mas não basta exigir ao BCE que empreste directamente aos Estados, é preciso antes e acima de tudo conseguir a anulação da parte ilegítima da dívida pública e uma redução considerável do resto da dívida. Se não dermos prioridade a esta exigência, a tarraxa da dívida dificilmente será aliviada e as populações terão de pagar o ónus da crise durante as próximas décadas.
São várias as disposições dos tratados que regem a União Europeia, a zona euro e o BCE que têm de ser revogadas. Por exemplo, é preciso suprimir os artigos 63° e 125° do Tratado de Lisboa, que proíbem terminantemente o controlo do movimento de capitais e a ajuda aos Estados em dificuldade. É preciso abolir igualmente o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Além disso, é preciso substituir os actuais tratados por outros instituídos por meios verdadeiramente democráticos, a fim de alcançar um pacto de verdadeira solidariedade entre os povos, no que se refere ao emprego e à ecologia. É preciso rever inteiramente a política monetária, bem como o estatuto e as práticas do Banco Central Europeu.
A emissão dos eurobonds
Perante a amplitude da crise, os dirigentes europeus decidiram criar e emitir obrigações europeias, ditas "eurobonds", a fim de financiar parcialmente o Fundo que fornece os empréstimos aos países mais endividados. Este novo mecanismo permite emprestar em melhores condições nos mercados, ou seja aos bancos privados e a outros investidores institucionais, em vez de financiar directamente as carências dos poderes públicos através do Banco Central Europeu ou dos bancos centrais dos Estados membros.
A perspectiva de um plano Brady para os países europeus mais endividados
Ao longo de 2010, os dirigentes europeus deram-se conta de que a Grécia, a Irlanda e provavelmente outros países verão a sua situação piorar no decurso dos próximos anos, por se ter desencadeado um efeito de bola de neve. Embora esses países paguem as suas dívidas, o volume destas cresce incessantemente proporcionalmente ao aumento das taxas de juro e do fraco crescimento económico. Em alguns destes países, o peso do reembolso da dívida tornar-se-á insustentável a curto prazo. Por isso, em finais de 2010 os dirigentes europeus anunciaram que, a partir de 2013, as futuras emissões de títulos da dívida seriam sujeitas a novas regras, prevendo a reestruturação da dívida e a redução do seu montante. A partir de 2013, todos os títulos emitidos pelos Estados europeus conterão uma "cláusula de acção colectiva" indicando que se um país não tiver meios para reembolsar a sua dívida, todos os investidores deverão reunir-se e indicar como reestruturar a dívida e eventualmente reduzi-la. Este tipo de mecanismo já tinha sido debatido dentro do FMI no início dos anos 2000, na sequência da suspensão do pagamento da dívida pela Rússia e pela Argentina em 2001. Resumindo, nos anos subsequentes a 2013, os emprestadores privados terão de contar com uma reestruturação da dívida dos países em causa, o que significa uma redução do seu volume seguida de negociações forçadas. Mas que ninguém se inquiete demasiado por causa dos dividendos dos principais accionistas das instituições privadas credoras: entretanto, os credores terão conseguido embolsar montantes consideráveis e reduzir a sua exposição nos países com risco, pois o FMI, o BCE e a Comissão Europeia tomam cada vez mais o encargo dos empréstimos. Patrick Artus, economista-chefe do banco Natixis, faz a análise seguinte: "No início da próxima década, a quase totalidade da dívida detida pelos investidores privados já terá sido reembolsada, e a quase totalidade da dívida dos países em dificuldade estará nas mãos dos emprestadores públicos (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e seu sucessor, União Europeia, FMI...)" (Flash Economie).
No fundo, tudo isto faz lembrar a gestão da crise no Terceiro Mundo durante os anos 1980, com a implementação do Plano Brady. De facto, no início da crise que rebentou em 1982, o FMI e os governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outras potências vieram em auxílio dos banqueiros do Norte que tinham assumido riscos enormes ao emprestarem a juros elevados aos países do Sul, sobretudo os da América Latina (um pouco como no sector dos subprimes e em países como a Grécia, a Europa de Leste, a Irlanda, Portugal e Espanha). Assim que os países em desenvolvimento, a começar pelo México, se viram à beira da cessação de pagamento, o FMI, os países membros do Clube de Paris, emprestaram-lhes capitais na condição de eles continuarem a reembolsar os banqueiros privados do Norte e aplicarem planos de austeridade (os famosos planos de ajustamento estrutural). A seguir, como o endividamento do Sul continuava, por efeito da bola de neve, puseram em prática o Plano Brady (nome do secretário de estado do Tesouro norte-americano da altura), que acarretava uma reestruturação da dívida dos principais países endividados, com troca de títulos. O volume da dívida sofreu uma redução de 30% em certos casos e os novos títulos (os títulos Brady) garantiram uma taxa de juro fixa de cerca de 6%, o que era muito favorável para os banqueiros. Além disso, ficava assegurada a prossecução das políticas de austeridade sob o controlo do FMI e do Banco Mundial. Hoje em dia e por outras paragens, a mesma lógica provoca os mesmos desastres.
Estas ajudas são condicionadas à aplicação, nos países em causa, de programas de austeridade destinados a restaurar a solvência. O FEEF inscreve-se num plano de ajuda mais vasto, que inclui um financiamento do FMI na ordem de centenas de milhares de milhões de euros, sujeitos às mesmas condições, na mesma ordem de ideias que os planos de reajustamento estrutural do FMI impostos aos países em desenvolvimento e às economias do antigo bloco soviético desde os anos 1980. Por outro lado, o BCE (Banco Central Europeu) decidiu comprar títulos da dívida emitidos pelos países em dificuldades; no entanto, e é esta a questão fundamental, a aquisição é feita junto dos bancos privados no mercado secundário da dívida. Em vez de emprestar directamente aos Estados membros da zona euro, o BCE empresta capitais aos bancos privados à taxa de juro de 1,25%; estes, por sua vez, compram títulos com esse dinheiro aos Estados com dificuldades ao dobro ou triplo do juro para os empréstimos a curto prazo (nos empréstimos por 10 anos, as taxas podem atingir 10 a 13% como nos casos da Grécia, Irlanda ou do Portugal). A seguir, o BCE compra a esses mesmos bancos privados os títulos dos Estados aos quais se proibiu de comprar directamente! Evidentemente, o mais lógico seria que o BCE emprestasse a 1,25% directamente aos estados necessitados, em vez de passar pelos bancos, que assim tiram grande proveito, servindo de intermediários e entrando numa política de empréstimos cheia de riscos imoderados que os Estados acabarão por assumir por eles em caso de risco de bancarrota. Mas não basta exigir ao BCE que empreste directamente aos Estados, é preciso antes e acima de tudo conseguir a anulação da parte ilegítima da dívida pública e uma redução considerável do resto da dívida. Se não dermos prioridade a esta exigência, a tarraxa da dívida dificilmente será aliviada e as populações terão de pagar o ónus da crise durante as próximas décadas.
São várias as disposições dos tratados que regem a União Europeia, a zona euro e o BCE que têm de ser revogadas. Por exemplo, é preciso suprimir os artigos 63° e 125° do Tratado de Lisboa, que proíbem terminantemente o controlo do movimento de capitais e a ajuda aos Estados em dificuldade. É preciso abolir igualmente o Pacto de Estabilidade e Crescimento. Além disso, é preciso substituir os actuais tratados por outros instituídos por meios verdadeiramente democráticos, a fim de alcançar um pacto de verdadeira solidariedade entre os povos, no que se refere ao emprego e à ecologia. É preciso rever inteiramente a política monetária, bem como o estatuto e as práticas do Banco Central Europeu.
A emissão dos eurobonds
Perante a amplitude da crise, os dirigentes europeus decidiram criar e emitir obrigações europeias, ditas "eurobonds", a fim de financiar parcialmente o Fundo que fornece os empréstimos aos países mais endividados. Este novo mecanismo permite emprestar em melhores condições nos mercados, ou seja aos bancos privados e a outros investidores institucionais, em vez de financiar directamente as carências dos poderes públicos através do Banco Central Europeu ou dos bancos centrais dos Estados membros.
A perspectiva de um plano Brady para os países europeus mais endividados
Ao longo de 2010, os dirigentes europeus deram-se conta de que a Grécia, a Irlanda e provavelmente outros países verão a sua situação piorar no decurso dos próximos anos, por se ter desencadeado um efeito de bola de neve. Embora esses países paguem as suas dívidas, o volume destas cresce incessantemente proporcionalmente ao aumento das taxas de juro e do fraco crescimento económico. Em alguns destes países, o peso do reembolso da dívida tornar-se-á insustentável a curto prazo. Por isso, em finais de 2010 os dirigentes europeus anunciaram que, a partir de 2013, as futuras emissões de títulos da dívida seriam sujeitas a novas regras, prevendo a reestruturação da dívida e a redução do seu montante. A partir de 2013, todos os títulos emitidos pelos Estados europeus conterão uma "cláusula de acção colectiva" indicando que se um país não tiver meios para reembolsar a sua dívida, todos os investidores deverão reunir-se e indicar como reestruturar a dívida e eventualmente reduzi-la. Este tipo de mecanismo já tinha sido debatido dentro do FMI no início dos anos 2000, na sequência da suspensão do pagamento da dívida pela Rússia e pela Argentina em 2001. Resumindo, nos anos subsequentes a 2013, os emprestadores privados terão de contar com uma reestruturação da dívida dos países em causa, o que significa uma redução do seu volume seguida de negociações forçadas. Mas que ninguém se inquiete demasiado por causa dos dividendos dos principais accionistas das instituições privadas credoras: entretanto, os credores terão conseguido embolsar montantes consideráveis e reduzir a sua exposição nos países com risco, pois o FMI, o BCE e a Comissão Europeia tomam cada vez mais o encargo dos empréstimos. Patrick Artus, economista-chefe do banco Natixis, faz a análise seguinte: "No início da próxima década, a quase totalidade da dívida detida pelos investidores privados já terá sido reembolsada, e a quase totalidade da dívida dos países em dificuldade estará nas mãos dos emprestadores públicos (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e seu sucessor, União Europeia, FMI...)" (Flash Economie).
No fundo, tudo isto faz lembrar a gestão da crise no Terceiro Mundo durante os anos 1980, com a implementação do Plano Brady. De facto, no início da crise que rebentou em 1982, o FMI e os governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outras potências vieram em auxílio dos banqueiros do Norte que tinham assumido riscos enormes ao emprestarem a juros elevados aos países do Sul, sobretudo os da América Latina (um pouco como no sector dos subprimes e em países como a Grécia, a Europa de Leste, a Irlanda, Portugal e Espanha). Assim que os países em desenvolvimento, a começar pelo México, se viram à beira da cessação de pagamento, o FMI, os países membros do Clube de Paris, emprestaram-lhes capitais na condição de eles continuarem a reembolsar os banqueiros privados do Norte e aplicarem planos de austeridade (os famosos planos de ajustamento estrutural). A seguir, como o endividamento do Sul continuava, por efeito da bola de neve, puseram em prática o Plano Brady (nome do secretário de estado do Tesouro norte-americano da altura), que acarretava uma reestruturação da dívida dos principais países endividados, com troca de títulos. O volume da dívida sofreu uma redução de 30% em certos casos e os novos títulos (os títulos Brady) garantiram uma taxa de juro fixa de cerca de 6%, o que era muito favorável para os banqueiros. Além disso, ficava assegurada a prossecução das políticas de austeridade sob o controlo do FMI e do Banco Mundial. Hoje em dia e por outras paragens, a mesma lógica provoca os mesmos desastres.