A urgencias do G20
Os líderes estão particularmente alarmados pelo enorme aumento nos gastos governamentais engendrados pela recessão
Neste fim-de-semana haverá a cimeira de líderes do G20 – não fisicamente é claro, mas através de vídeo. Orgulhosamente hospedada pela Arábia Saudita, aquela fortaleza de democracia e direitos civis, os líderes do G20 estão a centrar-se no impacto da pandemia COVID-19 sobre a economia mundial.
Os líderes estão particularmente alarmados pelo enorme aumento nos gastos governamentais engendrados pela recessão (slump) que obrigou os principais governos capitalistas a fim de atenuar o impacto sobre os negócios, grandes e pequenos, e sobre extractos amplos da população trabalhadora. O FMI estima que os estímulos orçamentais e monetários somados apresentados pelas economias avançadas foram iguais a 20 por cento do seu produto interno bruto. Países de rendimento médio no mundo em desenvolvimento só conseguiram fazer menos mas ainda assim eles avançaram com uma resposta combinada conjunta igual a 6 ou 7 por cento do PIB, segundo o FMI. Para os países mais pobres, contudo, a reacção foi muito mais modesta. Em conjunto eles injectaram gastos iguais a apenas 2 por cento do seu produto nacional muito mais pequeno em reacção à pandemia. Isto deixou as suas economias muito mais vulneráveis a uma recessão prolongada, empurrando potencialmente milhões de pessoas para a pobreza.
A situação está a tornar-se mais urgente pois o sofrimento da crise da pandemia começa a ser sentido. A Zâmbia nesta semana tornou-se o sexto país em desenvolvimento a incumprir ou reestruturar dívidas em 2020 e outros mais são esperados quando o custo económico do vírus aumenta – mesmo em meio a boas notícias acerca de vacinas potenciais.
O Financial Times comentou que: "alguns observadores pensam que mesmo grandes países em desenvolvimento tais como o Brasil e a África do Sul, os quais estão no grupo G20 de países grandes, poderiam enfrentar desafios severos em obter financiamento nos próximos 12 a 24 meses".
Até agora muito pouco tem sido feito pelos governos G20 para evitar ou atenuar este desastre da dívida que se aproxima. Em Abril, Kristalina Georgieva, a directora administradora do FMI, disse que as necessidades de financiamento dos mercados emergente e países em desenvolvimento estariam nos "milhões de milhões de dólares". O próprio FMI concedeu US$100 mil milhões em empréstimos de emergência. O Banco Mundial reservou US$160 mil milhões para emprestar ao longo de 15 meses. Mas mesmo o Banco Mundial considera que "países de baixo e médio rendimento precisarão de US$175 a US$700 mil milhões por ano".
A única inovação coordenada foi uma iniciativa de suspensão do serviço de dívida (DSSI) anunciada em Abril pelo G20. O DSSI permitiu que 73 dos países mais pobres do mundo adiassem reembolsos. Mas fazer uma pausa nos pagamentos não é solução – a dívida permanece e mesmo que os governos G20 façam alguma nova atenuação, credores privados (bancos, fundos de pensão, hedge funds e bonds vigilantes ") continuam a exigir o seu quinhão.
Em economias avançadas e em algumas economias de mercado emergentes, compras pelo banco central de dívidas do governo ajudaram a manter taxas de juro em baixas históricas e apoiaram tomadas de empréstimos governamentais. Nestas economias, a resposta orçamental para a crise tem sido maciça. Contudo, em muitos mercados emergentes de países altamente endividados e em economias de baixo rendimento, os governos têm um espaço limitado para aumentar a contracção de empréstimos, o que prejudica sua capacidade para ampliar o apoio àqueles mais afectados pela crise. Estes governos enfrentam escolhas duras. Exemplo: em 2020 [o rácio] dívida-receita governamental atingirá mais de 480% nos 35 países sub-saarianos elegíveis para o DSSI.
Mesmo antes de estalar a pandemia, a dívida global já havia alcançado níveis recorde. De acordo com o IIF, em mercados "maduros", a dívida ultrapassou 432% do PIB no terceiro trimestre de 2020, mais de 50 pontos percentuais acima em relação ao ano anterior. A dívida global no total terá alcançado US$277 milhões de milhões (trillion) no fim do ano, ou 365% do PIB mundial.
Grande parte do aumento da dívida entre as chamadas economias em desenvolvimento reside na China onde bancos estatais expandiram empréstimos, enquanto instituições financeiras paralelas (" shadow banking ") aumentaram e governos locais executaram mais projectos em propriedades e infraestruturas utilizando vendas de terra para financiá-los ou mediante contracção de empréstimos.
Muitos sabichões ocidentais consideram que, em consequência, a China está a caminhar para uma grande crise de incumprimento que prejudicará seriamente o governo de Pequim e a economia. Mas tais previsões têm sido feitas durante as últimas duas décadas desde o pequeno "reajustamento de activos" depois de 1998. Apesar do aumento nos níveis de dívida na China, uma tal crise é improvável.
Primeiro, a China, ao contrário de outras grandes e pequenas economias emergentes com dívidas altas, tem uma reserva maciça de divisas estrangeiras de US$3 milhões de milhões. Segundo, menos de 10% da sua dívida é para com estrangeiros, ao contrário de países como Turquia, África do Sul e grande parte da América Latina. Terceiro, a economia chinesa está em crescimento. Ela recuperou-se da recessão da pandemia muito mais rapidamente do que as outras economias do G20, as quais permanecem em recessão.
Além disso, se quaisquer bancos ou companhias financeiras faliram (e algumas o fizeram), o sistema bancário do Estado e o próprio Estado posiciona-se por trás prontos a escorar a despesa ou permitir a "reestruturação". E o Estado chinês tem o poder de reestruturar o sector financeiro – como mostra o recente bloqueio do planeado lançamento do "finbank" de Jack Ma . A qualquer sinal grave de que o sector financeiro chinês e de bens imóveis está a ficar demasiado "grande para falir", o governo pode actuar e assim o fará. Não haverá qualquer colapso financeiro. Este não é quadro no resto do G20.
E o mais importante é que globalmente a ascensão da dívida não foi apenas da dívida do sector público mas também do sector privado, especialmente dívida corporativa. Empresas por todo o mundo expandiram seus níveis de dívida enquanto as taxas de juro eram baixas ou mesmo zero. As grandes companhias tecnológicas assim fizeram a fim de entesourar cash, comprar de volta acções para promoverem o seu preço ou persistirem nas fusões, mas as companhias mais pequenas, onde a lucratividade tem sido baixa durante uma década ou mais, mal conseguiram manter as suas cabeças acima da água. Este último grupo tornou-se cada vez mais zumbificado (isto é, os lucros não são suficientes sequer para cobrir os encargos de juros sobre a dívida). Isto é uma receita para incumprimentos futuros, se e quando, as taxa de juro ascendessem. O que deve ser feito? Uma solução apresentada é mais crédito. No G20, os funcionários do FMI e outros insistirão não só numa extensão do DSSI, como também numa duplicação do poder de fogo de crédito do FMI através dos Direitos de Saque Especiais (DSE). Esta é uma forma de moeda internacional, tal como o ouro neste sentido, mas ao invés uma moeda fiduciária avaliada pelo cabaz das divisas principais como o dólar, o euro e o yen e emitida apenas pelo FMI.
O FMI emitiu-os em crises passadas e proponentes dizem que deveria fazê-lo agora. Mas a proposta foi vetada pelos EUA em Abril último. "Os DSE significam dar liquidez incondicional a países em desenvolvimento", diz Stephanie Blankenburg, responsável por dívida e desenvolvimento financeiro da UNCTAD. "Se países avançados não podem concordar sobre isto, então todo o sistema multilateral está quase na bancarrota".
Quão verdadeiro isto é. Mas será alguma solução ainda mais dívida (desculpem, 'crédito') acumulada no topo da montanha, mesmo a curto prazo? Por que é que os líderes do G2 não concordam em eliminar as dívidas dos países pobres e por que é que não insistem em que os credores privados façam o mesmo?
Evidentemente, a resposta é óbvia. Significaria enormes perdas a nível mundial para os detentores de obrigações e bancos, possivelmente gerando uma crise financeira nas economias avançadas. Numa altura em que os governos estão a experimentar enormes défices orçamentais e níveis de dívida pública bem acima de 100% do PIB, eles então confrontar-se-iam com um mega salvamento de bancos e instituições financeiras pois o fardo da dívida emergente viria mordê-los em casa.
Recentemente, o antigo economista chefe do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, na sigla em inglês), William White, foi entrevistado sobre o que fazer . White é um antigo membro da escola austríaca de teoria económica , a qual culpa as crises no capitalismo não a quaisquer contradições inerentes no interior deste modo de produção mas sim à expansão "excessiva" e "incontrolada" do crédito. Isto acontece porque instituições fora do "perfeito" funcionamento dos mercados monetários capitalistas interferem nos juros e na criação monetária, em particular os bancos centrais.
White põe a causa da iminente crise de dívida às portas dos bancos centrais. "Ao longo das últimas três décadas, eles têm prosseguido políticas erradas, que têm causado uma dívida cada vez maior e uma instabilidade cada vez maior no sistema financeiro". E prossegue: "O meu ponto é: os bancos centrais criam as instabilidades, depois têm de salvar o sistema durante a crise e com isso criam ainda mais instabilidades. Continuam a disparar sobre o próprio pé".
Há alguma verdade nesta análise, como mesmo a Reserva Federal admitiu no seu último relatório sobre a estabilidade financeira nos EUA. Houve um aumento de US$7 milhões de milhões nos activos dos bancos centrais do G7 em apenas oito meses, em contraste com o aumento de US$3 milhões de milhões no ano que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers, em 2008. O Fed admitiu que a economia mundial estava em dificuldades antes da pandemia e precisava de mais injecções de crédito: "a seguir a uma longa recuperação global da crise financeira de 2008, as perspectivas de crescimento e de lucros empresariais haviam enfraquecido no início de 2020 e tornaram-se mais incertas". Mas embora as injecções de crédito tenham engendrado um "declínio nos custos financeiros reduziu os encargos da dívida", encorajou uma maior acumulação de dívida que, juntamente com o declínio da qualidade dos activos e a redução dos padrões de subscrição de crédito "significou que as empresas ficaram cada vez mais expostas ao risco de uma desaceleração económica material ou de um aumento inesperado das taxas de juro. Os investidores tornaram-se assim mais susceptíveis a mudanças súbitas no sentimento do mercado e a um aperto das condições financeiras em resposta a choques".
Na verdade, as injecções dos bancos centrais deram um pontapé de saída ao problema, mas nada resolveram: "As medidas tomadas pelos bancos centrais destinavam-se a restaurar o funcionamento do mercado e não a resolver as vulnerabilidades subjacentes que fizeram com que os mercados ampliassem o stress. O sistema financeiro permanece vulnerável a outra tensão de liquidez, pois as estruturas e mecanismos subjacentes que deram origem à turbulência ainda estão em vigor". Assim, crédito tem sido acumulado sobre crédito e a única solução é mais crédito.
White defende outras soluções. Diz ele: "Não há retorno a qualquer forma de normalidade sem tratar da dívida pendente. Esta é o elefante na sala. Se concordarmos em que a política dos últimos trinta anos foi criada como uma montanha sempre crescente de dívida e instabilidades sempre crescentes no sistema, então precisamos de tratar disso".
Ele apresenta "quatro caminhos para nos livrarmos de dívidas podres pendente. Uma: famílias, corporações e governos tentam poupar mais para reembolsar a sua dívida. Mas sabemos que isto resulta no Paradoxo Keynesiano da Frugalidade, em que a economia colapsa. De modo que isto leva ao desastre". Assim, não vamos para a "austeridade".
O segundo caminho: "você pode tentar singrar seu caminho de saída de uma vida pendente através de mais forte crescimento económico real. Mas sabemos que uma dívida pendente impede o crescimento económico real. Naturalmente, deveríamos tentar aumentar o potencial de crescimento através de reformas estruturais, mas é improvável que isto constitua a bala de prata que nos salvará". White diz que o segundo caminho não pode funcionar se o investimento produtivo for demasiado baixo porque o fardo da dívida é demasiado alto.
O que White omite aqui é que é o baixo nível de lucratividade do capital existente que dissuade os capitalistas a investirem produtivamente com o seu crédito extra. Por "reformas estruturais" White quer dizer despedir trabalhadores e substituí-los com tecnologia e destruir o que resta de direitos e condições de trabalho. Isso pode funcionar, diz ele, mas não pensa que isto será suficientemente implementado pelos governos.
White prossegue: "Isto deixa apenas os dois caminhos remanescentes: crescimento nominal mais alto – isto é, inflação mais alta – ou tentar livrar-se da dívida podre pela reestruturação e seu cancelamento". Inflação mais alta pode bem ser uma opção, uma opção que políticas keynesianas/MMT adoptariam [NT] , mas de facto ela significa que a dívida é liquidada em termos reais pela redução de padrões de vida da maior parte do povo e atingindo o valor real dos empréstimos feitos pelos bancos. Os devedores ganham a expensas dos credores e do trabalho.
White, como bom austríaco, opta pelo cancelamento das dívidas. "Esta é a opção que aconselharia fortemente. Abordar o problema, tentar identificar as dívidas podres e reestruturá-la de um modo tão ordeiro quando possível. Mas sabemos quão extremamente difícil é juntar credores e devedores para fazer isto cooperativamente. Nossos procedimentos actuais são completamente inadequados". Na verdade, além do FMI e do G20 não há quaisquer "estruturas" para fazer isto, estas instituições importantes não querem provocar um crash financeiro e uma recessão mais profunda "liquidando" a dívida, como foi proposto por responsáveis do US Treasury durante a Grande Depressão da década de 1930.
Ao invés disso, o G20 concordará em estender o plano de adiamento de pagamentos do DSSI, mas não em cancelar quaisquer dívidas. Provavelmente nem mesmo concordará em expandir o fundo de DSE. Em vez disso, esperará apenas sair-se de alguma maneira deste emaranhado a expensas dos países pobres e do seu povo – e do trabalho globalmente.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2020/11/21/g20-the-debt-solution/ . Tradução de JF.
Neste fim-de-semana haverá a cimeira de líderes do G20 – não fisicamente é claro, mas através de vídeo. Orgulhosamente hospedada pela Arábia Saudita, aquela fortaleza de democracia e direitos civis, os líderes do G20 estão a centrar-se no impacto da pandemia COVID-19 sobre a economia mundial.
Os líderes estão particularmente alarmados pelo enorme aumento nos gastos governamentais engendrados pela recessão (slump) que obrigou os principais governos capitalistas a fim de atenuar o impacto sobre os negócios, grandes e pequenos, e sobre extractos amplos da população trabalhadora. O FMI estima que os estímulos orçamentais e monetários somados apresentados pelas economias avançadas foram iguais a 20 por cento do seu produto interno bruto. Países de rendimento médio no mundo em desenvolvimento só conseguiram fazer menos mas ainda assim eles avançaram com uma resposta combinada conjunta igual a 6 ou 7 por cento do PIB, segundo o FMI. Para os países mais pobres, contudo, a reacção foi muito mais modesta. Em conjunto eles injectaram gastos iguais a apenas 2 por cento do seu produto nacional muito mais pequeno em reacção à pandemia. Isto deixou as suas economias muito mais vulneráveis a uma recessão prolongada, empurrando potencialmente milhões de pessoas para a pobreza.
A situação está a tornar-se mais urgente pois o sofrimento da crise da pandemia começa a ser sentido. A Zâmbia nesta semana tornou-se o sexto país em desenvolvimento a incumprir ou reestruturar dívidas em 2020 e outros mais são esperados quando o custo económico do vírus aumenta – mesmo em meio a boas notícias acerca de vacinas potenciais.
O Financial Times comentou que: "alguns observadores pensam que mesmo grandes países em desenvolvimento tais como o Brasil e a África do Sul, os quais estão no grupo G20 de países grandes, poderiam enfrentar desafios severos em obter financiamento nos próximos 12 a 24 meses".
Até agora muito pouco tem sido feito pelos governos G20 para evitar ou atenuar este desastre da dívida que se aproxima. Em Abril, Kristalina Georgieva, a directora administradora do FMI, disse que as necessidades de financiamento dos mercados emergente e países em desenvolvimento estariam nos "milhões de milhões de dólares". O próprio FMI concedeu US$100 mil milhões em empréstimos de emergência. O Banco Mundial reservou US$160 mil milhões para emprestar ao longo de 15 meses. Mas mesmo o Banco Mundial considera que "países de baixo e médio rendimento precisarão de US$175 a US$700 mil milhões por ano".
A única inovação coordenada foi uma iniciativa de suspensão do serviço de dívida (DSSI) anunciada em Abril pelo G20. O DSSI permitiu que 73 dos países mais pobres do mundo adiassem reembolsos. Mas fazer uma pausa nos pagamentos não é solução – a dívida permanece e mesmo que os governos G20 façam alguma nova atenuação, credores privados (bancos, fundos de pensão, hedge funds e bonds vigilantes ") continuam a exigir o seu quinhão.
Em economias avançadas e em algumas economias de mercado emergentes, compras pelo banco central de dívidas do governo ajudaram a manter taxas de juro em baixas históricas e apoiaram tomadas de empréstimos governamentais. Nestas economias, a resposta orçamental para a crise tem sido maciça. Contudo, em muitos mercados emergentes de países altamente endividados e em economias de baixo rendimento, os governos têm um espaço limitado para aumentar a contracção de empréstimos, o que prejudica sua capacidade para ampliar o apoio àqueles mais afectados pela crise. Estes governos enfrentam escolhas duras. Exemplo: em 2020 [o rácio] dívida-receita governamental atingirá mais de 480% nos 35 países sub-saarianos elegíveis para o DSSI.
Mesmo antes de estalar a pandemia, a dívida global já havia alcançado níveis recorde. De acordo com o IIF, em mercados "maduros", a dívida ultrapassou 432% do PIB no terceiro trimestre de 2020, mais de 50 pontos percentuais acima em relação ao ano anterior. A dívida global no total terá alcançado US$277 milhões de milhões (trillion) no fim do ano, ou 365% do PIB mundial.
Grande parte do aumento da dívida entre as chamadas economias em desenvolvimento reside na China onde bancos estatais expandiram empréstimos, enquanto instituições financeiras paralelas (" shadow banking ") aumentaram e governos locais executaram mais projectos em propriedades e infraestruturas utilizando vendas de terra para financiá-los ou mediante contracção de empréstimos.
Muitos sabichões ocidentais consideram que, em consequência, a China está a caminhar para uma grande crise de incumprimento que prejudicará seriamente o governo de Pequim e a economia. Mas tais previsões têm sido feitas durante as últimas duas décadas desde o pequeno "reajustamento de activos" depois de 1998. Apesar do aumento nos níveis de dívida na China, uma tal crise é improvável.
Primeiro, a China, ao contrário de outras grandes e pequenas economias emergentes com dívidas altas, tem uma reserva maciça de divisas estrangeiras de US$3 milhões de milhões. Segundo, menos de 10% da sua dívida é para com estrangeiros, ao contrário de países como Turquia, África do Sul e grande parte da América Latina. Terceiro, a economia chinesa está em crescimento. Ela recuperou-se da recessão da pandemia muito mais rapidamente do que as outras economias do G20, as quais permanecem em recessão.
Além disso, se quaisquer bancos ou companhias financeiras faliram (e algumas o fizeram), o sistema bancário do Estado e o próprio Estado posiciona-se por trás prontos a escorar a despesa ou permitir a "reestruturação". E o Estado chinês tem o poder de reestruturar o sector financeiro – como mostra o recente bloqueio do planeado lançamento do "finbank" de Jack Ma . A qualquer sinal grave de que o sector financeiro chinês e de bens imóveis está a ficar demasiado "grande para falir", o governo pode actuar e assim o fará. Não haverá qualquer colapso financeiro. Este não é quadro no resto do G20.
E o mais importante é que globalmente a ascensão da dívida não foi apenas da dívida do sector público mas também do sector privado, especialmente dívida corporativa. Empresas por todo o mundo expandiram seus níveis de dívida enquanto as taxas de juro eram baixas ou mesmo zero. As grandes companhias tecnológicas assim fizeram a fim de entesourar cash, comprar de volta acções para promoverem o seu preço ou persistirem nas fusões, mas as companhias mais pequenas, onde a lucratividade tem sido baixa durante uma década ou mais, mal conseguiram manter as suas cabeças acima da água. Este último grupo tornou-se cada vez mais zumbificado (isto é, os lucros não são suficientes sequer para cobrir os encargos de juros sobre a dívida). Isto é uma receita para incumprimentos futuros, se e quando, as taxa de juro ascendessem. O que deve ser feito? Uma solução apresentada é mais crédito. No G20, os funcionários do FMI e outros insistirão não só numa extensão do DSSI, como também numa duplicação do poder de fogo de crédito do FMI através dos Direitos de Saque Especiais (DSE). Esta é uma forma de moeda internacional, tal como o ouro neste sentido, mas ao invés uma moeda fiduciária avaliada pelo cabaz das divisas principais como o dólar, o euro e o yen e emitida apenas pelo FMI.
O FMI emitiu-os em crises passadas e proponentes dizem que deveria fazê-lo agora. Mas a proposta foi vetada pelos EUA em Abril último. "Os DSE significam dar liquidez incondicional a países em desenvolvimento", diz Stephanie Blankenburg, responsável por dívida e desenvolvimento financeiro da UNCTAD. "Se países avançados não podem concordar sobre isto, então todo o sistema multilateral está quase na bancarrota".
Quão verdadeiro isto é. Mas será alguma solução ainda mais dívida (desculpem, 'crédito') acumulada no topo da montanha, mesmo a curto prazo? Por que é que os líderes do G2 não concordam em eliminar as dívidas dos países pobres e por que é que não insistem em que os credores privados façam o mesmo?
Evidentemente, a resposta é óbvia. Significaria enormes perdas a nível mundial para os detentores de obrigações e bancos, possivelmente gerando uma crise financeira nas economias avançadas. Numa altura em que os governos estão a experimentar enormes défices orçamentais e níveis de dívida pública bem acima de 100% do PIB, eles então confrontar-se-iam com um mega salvamento de bancos e instituições financeiras pois o fardo da dívida emergente viria mordê-los em casa.
Recentemente, o antigo economista chefe do Banco de Pagamentos Internacionais (BIS, na sigla em inglês), William White, foi entrevistado sobre o que fazer . White é um antigo membro da escola austríaca de teoria económica , a qual culpa as crises no capitalismo não a quaisquer contradições inerentes no interior deste modo de produção mas sim à expansão "excessiva" e "incontrolada" do crédito. Isto acontece porque instituições fora do "perfeito" funcionamento dos mercados monetários capitalistas interferem nos juros e na criação monetária, em particular os bancos centrais.
White põe a causa da iminente crise de dívida às portas dos bancos centrais. "Ao longo das últimas três décadas, eles têm prosseguido políticas erradas, que têm causado uma dívida cada vez maior e uma instabilidade cada vez maior no sistema financeiro". E prossegue: "O meu ponto é: os bancos centrais criam as instabilidades, depois têm de salvar o sistema durante a crise e com isso criam ainda mais instabilidades. Continuam a disparar sobre o próprio pé".
Há alguma verdade nesta análise, como mesmo a Reserva Federal admitiu no seu último relatório sobre a estabilidade financeira nos EUA. Houve um aumento de US$7 milhões de milhões nos activos dos bancos centrais do G7 em apenas oito meses, em contraste com o aumento de US$3 milhões de milhões no ano que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers, em 2008. O Fed admitiu que a economia mundial estava em dificuldades antes da pandemia e precisava de mais injecções de crédito: "a seguir a uma longa recuperação global da crise financeira de 2008, as perspectivas de crescimento e de lucros empresariais haviam enfraquecido no início de 2020 e tornaram-se mais incertas". Mas embora as injecções de crédito tenham engendrado um "declínio nos custos financeiros reduziu os encargos da dívida", encorajou uma maior acumulação de dívida que, juntamente com o declínio da qualidade dos activos e a redução dos padrões de subscrição de crédito "significou que as empresas ficaram cada vez mais expostas ao risco de uma desaceleração económica material ou de um aumento inesperado das taxas de juro. Os investidores tornaram-se assim mais susceptíveis a mudanças súbitas no sentimento do mercado e a um aperto das condições financeiras em resposta a choques".
Na verdade, as injecções dos bancos centrais deram um pontapé de saída ao problema, mas nada resolveram: "As medidas tomadas pelos bancos centrais destinavam-se a restaurar o funcionamento do mercado e não a resolver as vulnerabilidades subjacentes que fizeram com que os mercados ampliassem o stress. O sistema financeiro permanece vulnerável a outra tensão de liquidez, pois as estruturas e mecanismos subjacentes que deram origem à turbulência ainda estão em vigor". Assim, crédito tem sido acumulado sobre crédito e a única solução é mais crédito.
White defende outras soluções. Diz ele: "Não há retorno a qualquer forma de normalidade sem tratar da dívida pendente. Esta é o elefante na sala. Se concordarmos em que a política dos últimos trinta anos foi criada como uma montanha sempre crescente de dívida e instabilidades sempre crescentes no sistema, então precisamos de tratar disso".
Ele apresenta "quatro caminhos para nos livrarmos de dívidas podres pendente. Uma: famílias, corporações e governos tentam poupar mais para reembolsar a sua dívida. Mas sabemos que isto resulta no Paradoxo Keynesiano da Frugalidade, em que a economia colapsa. De modo que isto leva ao desastre". Assim, não vamos para a "austeridade".
O segundo caminho: "você pode tentar singrar seu caminho de saída de uma vida pendente através de mais forte crescimento económico real. Mas sabemos que uma dívida pendente impede o crescimento económico real. Naturalmente, deveríamos tentar aumentar o potencial de crescimento através de reformas estruturais, mas é improvável que isto constitua a bala de prata que nos salvará". White diz que o segundo caminho não pode funcionar se o investimento produtivo for demasiado baixo porque o fardo da dívida é demasiado alto.
O que White omite aqui é que é o baixo nível de lucratividade do capital existente que dissuade os capitalistas a investirem produtivamente com o seu crédito extra. Por "reformas estruturais" White quer dizer despedir trabalhadores e substituí-los com tecnologia e destruir o que resta de direitos e condições de trabalho. Isso pode funcionar, diz ele, mas não pensa que isto será suficientemente implementado pelos governos.
White prossegue: "Isto deixa apenas os dois caminhos remanescentes: crescimento nominal mais alto – isto é, inflação mais alta – ou tentar livrar-se da dívida podre pela reestruturação e seu cancelamento". Inflação mais alta pode bem ser uma opção, uma opção que políticas keynesianas/MMT adoptariam [NT] , mas de facto ela significa que a dívida é liquidada em termos reais pela redução de padrões de vida da maior parte do povo e atingindo o valor real dos empréstimos feitos pelos bancos. Os devedores ganham a expensas dos credores e do trabalho.
White, como bom austríaco, opta pelo cancelamento das dívidas. "Esta é a opção que aconselharia fortemente. Abordar o problema, tentar identificar as dívidas podres e reestruturá-la de um modo tão ordeiro quando possível. Mas sabemos quão extremamente difícil é juntar credores e devedores para fazer isto cooperativamente. Nossos procedimentos actuais são completamente inadequados". Na verdade, além do FMI e do G20 não há quaisquer "estruturas" para fazer isto, estas instituições importantes não querem provocar um crash financeiro e uma recessão mais profunda "liquidando" a dívida, como foi proposto por responsáveis do US Treasury durante a Grande Depressão da década de 1930.
Ao invés disso, o G20 concordará em estender o plano de adiamento de pagamentos do DSSI, mas não em cancelar quaisquer dívidas. Provavelmente nem mesmo concordará em expandir o fundo de DSE. Em vez disso, esperará apenas sair-se de alguma maneira deste emaranhado a expensas dos países pobres e do seu povo – e do trabalho globalmente.
O original encontra-se em thenextrecession.wordpress.com/2020/11/21/g20-the-debt-solution/ . Tradução de JF.