A lei da selva

A PAC representa a nível agrário a versão mais ultraliberal do capitalismo

O passado dia 1 de abril a União Européia decidiu suprimir o sistema de contingentação da produção de leite, implantado no ano 1984. Sistema imposto para gerir os excedentes que se originaram como conseqüência da PAC dos anos 60 do século passado.

Inicialmente a PAC marcou como objetivo satisfazer a demanda de alimentos por parte da povoação dos países pertencentes ao Mercado Comum Europeu, que vinha de sofrer as graves seqüelas da guerra, favorecendo a sua produção mediante o estabelecimento de preços garantidos, o que provocou que a mediados dos anos 80 se acogularam grandes excedentes.                                    

Na Galiza a imposição deste método de controlo da produção, conhecido como quotas leiteiras, véu a decepar o seu desenvolvimento endógeno. Supôs passar das 107.000 granjas que tínhamos quando nos incluíram na CEE, às pouco mais de 9.000 que temos agora. O setor leiteiro galego foi entregue, por parte da social-democracia espanhola, como moeda de câmbio nas negociações que o Estado espanhol levou a cabo com a CEE com o fim de conseguir ser admitido no clube do capitalismo europeu.                    

A decisão de abolir este sistema vem marcada pela nova PAC 2014-2020. PAC que representa, a nível agrário a versão mais ultraliberal do capitalismo, e que tem como único fim procurar que as grandes agro-indústrias multinacionais européias tenham matéria prima abundante e barata para poder competir nos mercados mundiais.                      

A falta de controlo e de regulamentação junto com os movimentos especulativos do capital financeiro sobre os alimentos é causa da flutuação, agora chamada volatilidade, dos preços dos alimentos, e neste caso do leite.                    

Si em anos anteriores, e com a insuficiente legislação existente na UE, já temos assistido a graves episódios de crise de preços, como o vivido no ano 2009, sendo habitual padecer grandes períodos de preços baixos com esporádicos ciclos de alça, agora com a total supressão da mesma os perigos vão ser ainda maiores.                  

Chegados a este ponto é bom lembrar que a posição do sindicalismo agrário nacionalista sempre foi favorável ao estabelecimento de uma produção mínima ligada a um preço mínimo para cada uma das pessoas ativas, com o que, ao contrário do sistema de quotas, procura garantir uma renda mínima. Sistema igual para todas as granjas do espaço europeu, que o diferença do de quotas, na medida em que este nunca garantiu preço e a sua distribuição assentou em direitos históricos dos territórios com tradição na produção de leite.

Com a total liberalização está-se a constatar que o setor produtor fica ainda mais indefenso do que estava perante da pressão da indústria. Debilidade reconhecida no informe que no seu momento elaborou o Grupo de Alto Nível (GAN), que com motivo da crise de preços de 2009 se constituiu no seio da UE para fornecer uma série de recomendações com o fim de evitar se reproduzira uma situação como a vivida em 2009.

Nestes momentos a vulnerabilidade do setor produtor é total. Nas relações entre setor produtor e setor industrial predomina a lei do mais forte e quem tem a força, a dia de hoje, é a indústria. Aproveitando-se desta posição está a impor as suas condições. Legalmente não existem impedimentos para produzir o que se puder, mas a realidade é que são as indústrias as que estão a impor topes ligados a uns preços ridículos, de entre 0,27 e 0,29 euros por litro.

Os contratos que as indústrias estão a impor às granjas não são produto de nenhuma negociação, que não existe. Estes contratos supõem a imposição do preço, das qualidades do leite, da data de pagamento e da quantidade, topes, que estão dispostas a recolher, e por riba dessa quantidade não há garantia de preço e mesmo de recolhida, com o que se corre o risco de, em poucos meses, ficar leite sem recolher na Galiza.

Situação paradoxal, de termos de conta que o Estado espanhol é um estado deficitário em leite e derivados lácteos, já que somente produz o 75% do leite e derivados que consume.

A isto há que lhe acrescentar que a Galiza é uma das nove regiões européias com melhores condições para a produção de leite, o que nos converte na primeira potência produtora do Estado. Em conseqüência, o lógico seria que o mercado espanhol fora abastecido por nós, e que os preços do nosso leite não foram os mais baixos do Estado, mas isto não é de agora, isto já é assim desde que nos meteram na CEE. Em toda esta longa etapa os melhores preços percebidos pelo setor produtor coincidiram com a Conselharia do Meio Rural nacionalista. Por algo seria.

Podemos, então, perguntarmo-nos a que se deve que a lei base do sistema capitalista: a lei da oferta e da demanda não funcione e que a que realmente está a funcionar é a lei da selva, esta sim lei fundamental do capitalismo monopolista.

Duas são as razões principais, ao meu critério, que o explicam. Por um lado temos que a maioria das indústrias que operam na Galiza são forâneas. O 80% do leite galego é industrializado por indústrias de fora da Galiza. Por outra parte, temos que a maior parte do leite do Estado espanhol é industrializado por Lactalis, indústria francesa. Nestes momentos Lactalis já fatura na Galiza mais que Feiraco e Leite Rio juntamente, as duas únicas empresas galegas. A isto há que lhe acrescentar que a grande distribuição de capital francês tem um peso muito importante tanto no Estado espanhol como na Galiza. Aqui temos a primeira condição para implantar a lei do capitalismo monopolista: o monopólio.

A segunda condição para que predomine a lei da selva nas relações entre o setor produtor e industrial na Galiza, é esta carecer de foros próprios de negociação. A atual administração galega do PP, seguindo os critérios ideológicos do neoliberalismo que professa tem renunciado expressamente a intervir para regular estas relações, mas o preocupante não é só que a senhora conselheira tenha renunciado a que Galiza conte com uma Interprofissional Láctea Galega, o pior é que as organizações agrárias de obediência espanhola (UPA-UUAA, ASAJA e COAG-SLG) também tenham abjurado de reivindicar este organismo para Galiza.

O setor lácteo galego necessita um foro de negociação, como lugar onde chegar a acordos firmes e estáveis, dos que têm de resultar uns contratos homologados que garantam a recolhida de todo o leite e uns preços que quando menos cubram os custes de produção.

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Nota da Fundación Bautista Álvarez, editora do dixital Terra e Tempo
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