A falida greve do leite

O sector leiteiro galego enfrenta-se a uns momentos difíceis o que o obriga a que os passos a dar têm de ser muito meditados ao tempo de firmes

Pode-se dizer que durante quase que todo o ano 2012 as granjas galegas que se dedicam a produzir leite padeceram uma grave crise como conseqüência dos baixos preços percebidos e pelos altos preços pagos pelos insumos necessários para produzir esse leite: rações alimentares para o gado, sementes, adubos e custes energéticos, fundamentalmente.    

Este situação insustentável provocou a celebração de várias mobilizações, sobre tudo ao final do verão, e em quase que todas as zonas produtoras do País. Posteriormente convocou-se a chamada greve de entregas para o 27de novembro, aspecto ao que me vou referir no presente artigo.      

Acho conveniente identificar aquelas organizações que se distinguiram na convocatória da mesma.      

Em primeiro lugar temos a que se conhece como “Organização de Produtores de Leite”, resultante da fusão de Ganadeiros Unidos com outras duas associações. Organização de âmbito estatal e que na Galiza tem o seu núcleo principal na comarca do Jalhas em base a GU. Caracteriza-se por ter um discurso belicoso e em contra das organizações agrárias tradicionais e por se considerar a si mesmos como empresários, e nalguns casos como o germe de uma presumível burguesia agrária, mas com escassa capacidade organizativa.      

Por outro lado teríamos às organizações agrárias tradicionais. Este bloco está hegemonizado pela organização social-democrata espanhola Uniões Agrárias-UPA, dirigida por uma personagem com arestas oblíquas, e no que se enquadrariam o SLG-COAG e Jovens Agricultores-ASAJA.      

As mobilizações concentraram-se sobre todo a partir do mês de setembro, fechando este ciclo mobilizador a manifestação celebrada, em Santiago de Compostela diante da Conselharia do Meio Rural, o 4 de outubro, em plena pré-campanha eleitoral galega. Já nesse momento as comarcas mais sensibilizadas demandavam a continuação das mobilizações aproveitando a própria campanha eleitoral, estratégia coutada por parte das organizações tradicionais. Como a situação não mudou em todo este tempo motivou que, por parte do núcleo de Ganadeiros Unidos, se anunciara uma primeira greve do leite para o 29 de outubro. Data adiada, por causa da sua debilidade organizativa e escassa implantação, para o 6 de novembro e novamente adiada, pelo mesmo motivo, para o 27, não sem antes assistir a manobras confusionistas por parte de Uniões Agrárias com a conformidade das outras duas organizações. Finalmente acorda-se convocar uma greve de entregas para o 27 de novembro à que Federação Rural Galega – FRUGA se suma.  

Entre as ações desenvolvidas por FRUGA é de destacar a concentração diante do Parlamento da Galiza, o próprio dia 27, com ocasião do debate que nele se estava a levar a cabo sobre a proposta de nomear presidente da Junta da Galiza a Nuñez Feijoo. Desde o nosso ponto de vista existe uma responsabilidade política clara, por parte do Governo Galego, na situação crítica que está a padecer o sector.      

Em todo este processo a atuação das organizações agrárias tradicionais foi sempre intentar conter as ânsias mobilizadoras da gente que se movia ao redor de Ganadeiros Unidos, mas quando isso já não foi possível a sua estratégia consistiu em pôr-se ao frente somente com o único fim de controlá-las e protagonizá-las, mas nunca de estendê-las mais lá dos lindes das comarcas onde GU tinham algo de incidência.      

Chegamos assim ao 27 de novembro, dia marcado para o início do que as organizações convocantes denominaram como greve de entregas, sem que previamente se tiveram realizado assembleias informativas preparatórias, por todas as zonas produtoras de leite, para alcançar um apoio massivo à mesma, limitando-se a realização das mesmas às comarcas do Jalhas e da Costa da Morte. Mesmo as mensagens que se transmitiam eram confusas à hora de determinar a forma em que se concretar a pretendida greve de entregas.      

O próprio dia 27 caracterizou-se por um elevado grau de confusão. Assim nas comarcas mais ativas fizeram-se assembleias e organizaram-se piquetes. A atividade destas zonas motivou que algumas outras se foram somando ao movimento, mas ficando amplas zonas, de importância na produção de leite, à margem. As chamadas foram constantes ao longo desse dia porque muita gente não sabia o que estava a passar.      

O dia 28, produto da informação aparecida nos meios de comunicação a sensação de greve foi-se estendendo e aderindo-se mais zonas. A tudo isto há que dizer que as cisternas que recolhem o leite nas granjas não circularão desde as zero horas do dia 27 provocando que este fora armazenado nos tanques de arrefecimento, mas já na noite do 28 havia muitas granjas que esgotaram a sua capacidade de armazenamento o que, de não se desconvocar a greve, teria obrigado tirar o leite que já não colhia nos tanques. A partir deste momento já se poderia falar de greve de entregas com todas as consequências, coisa que não aconteceu massivamente.      

Na tarde-noite do próprio 28 a Conselharia do Meio Rural e do Mar convoca a uma reunião às organizações agrárias oficiais, a GU, às cooperativas, indústrias e empresas distribuidoras com o único objetivo de lhe pôr fim à greve. Nessa reunião acorda-se adiá-la aceitando as partes o compromisso de a Conselharia apresentar um documento no que ficaram recolhidos os avances e os acordos alcançados.        

O dia 7 de dezembro assina-se um acordo entre a Junta de Galiza, representada pela Conselheira do meio rural e o sector produtor representado pelas organizações agrárias tradicionais e o Presidente da inter-profissional láctea espanhola.        

É de chamar a atenção que neste acordo tanto as cooperativas, como as indústrias e distribuição estão ausentes na assinatura do mesmo. Havendo cláusulas que lhes afetam diretamente, tanto à indústria como a distribuição, não se sabe qual vai ser o nível de cumprimento deste acordo por parte das partes implicadas que não o assinarão.      

Anuncia-se com bombos e pratos que o leite vai subir no mês de Janeiro, e que o importe da suba vai permitir cobrir os custes de produção. Os custes de produção estimam-se que estão em torno aos 34 cêntimos de euro por litro produzido, pelo que de se cumprir o acordado este terá de subir aproximadamente uns 6 cêntimos e de não ser assim o famoso acordo ficará em papel molhado.      

O sector leiteiro galego enfrenta-se a uns momentos difíceis o que o obriga a que os passos a dar têm de ser muito meditados ao tempo de firmes. Por isso não se pode deixar enganar com cantos de sereia, ao tempo de ir dando os passos necessários cara a se auto-organizar e, neste momento concreto, estar atento e vigilante para dar a oportuna contestação no caso de que todo fique numa grande operação de marketing organizada pela Junta da Galiza com a colaboração das organizações agrárias tradicionais.      

Perante este panorama acho conveniente que, por parte do nacionalismo galego, se faça um exercício de reflexão a respeito da necessidade de dispor de um instrumento útil para atuar no meio rural e nomeadamente em todos e cada um dos seus setores produtivos, partindo do princípio básico da auto-organização. À vista de que a maioria das organizações agrárias são de obediência estatal faz-se, cada dia que se passa, mais imprescindível contar com uma organização agrária galega coma a que hoje quer representar a Federação Rural Galega – FRUGA.