A desvalorização do yuan

A desvalorização do yuan
A economia da China agora começa a desacelerar; a bolha do mercado de activos na China entrou em colapso

A decisão do banco central da China na semana passada de deixar o yuan depreciar ao longo de três etapas em quase 4 por cento contra o US dólar foi explicada oficialmente como um movimento rumo a maior definição do mercado da sua taxa de câmbio. Embora esta explicação pacificasse mercados de acções por todo o mundo, a desvalorização da divisa chinesa anuncia um sério agravamento da crise capitalista mundial.

Para examinar esta desvalorização no seu contexto próprio temos de recordar que a Taxa de câmbio ponderada pelo comércio (Trade Weighted Exchange Rate, TWER) do yuan (isto é, a taxa de câmbio contra um cabaz de divisas cuja composição é determinada pela importância daquela divisa no comércio da China), foi valorizada em até 50 por cento desde 2005. Mesmo em comparação com o ano de 2009, no qual se deu uma grande valorização, a TWER da China valorizou-se em mais 20 por cento até recentemente, o que significa que mercadorias de outros países estavam a tornar-se relativamente mais baratas em comparação com mercadorias chinesas, sem que o governo chinês nada fizesse acerca disto. Isto permitiu a outros países, incluindo mesmo os EUA, experimentarem um crescimento mais alto do que normalmente aconteceria, ao passo que a própria economia chinesa não experimentou qualquer desaceleração significativa na sua taxa de crescimento, uma vez que a sua procura interna tem estado a ascender devido a uma bolha no mercado de activos. A apreciação do yuan, por outras palavras, contribuiu para transmitir algum grau de estímulo às economias do resto do mundo.

A economia da China agora começa a desacelerar; a bolha do mercado de activos na China entrou em colapso; e a China agora procura um impulso na exportação para promover a sua taxa de crescimento, razão pela qual desvalorizou sua divisa. Tudo isto significa que o estímulo que a economia mundial estava a obter até agora de um yuan valorizado não mais perdurará doravante. E isto pressagia um dano para a crise económica mundial. Na verdade, a extensão da depreciação do yuan verificada na semana passada ainda é pequena; mas vindo após um intervalo de aproximadamente 20 anos durante os quais não houve depreciação do yuan, ela mostra uma nova viragem na política económica chinesa. Portanto a actual depreciação é provável que seja uma precursora de outras semelhantes no futuro próximo.

REACÇÕES PROVÁVEIS DE OUTROS PAÍSES

Mas ainda mais significativo do que a acção chinesa em si representaria para a economia mundial são as reacções prováveis a serem geradas nos outros países. Já várias divisas do mundo, incluindo a rupia indiana, depreciaram em relação ao US dólar na sequência da depreciação do yuan. Isto acontece porque quando o yuan deprecia os especuladores esperam que outros países também sejam forçados a depreciar suas divisas a fim de proteger suas exportações contra a competição chinesa e defender a sua produção interna contra importações chinesas. Portanto eles afastam-se daquelas divisas na antecipação de tal depreciação e com isso precipitam uma depreciação real . Os governos destes países não intervêm para defender o valor da suas divisas porque, eles também, no seu desejo de repelir a competição chinesa, querem uma tal depreciação. O que isto significa é que o grosso das divisas mundiais tende a depreciar-se em relação ao US dólar quando a divisa chinesa deprecia, como na verdade já está a acontecer.

Agora, no que se refere aos EUA, se o valor da sua divisa aprecia-se em relação a outras divisas, então isso afecta adversamente as exportações líquidas estado-unidenses e portanto sua actividade interna e emprego. Ultimamente tem havido muita pressão sobre o US Federal Reserve Board para aumentar sua taxa de juro a qual actualmente está tão baixa quanto poderia estar, em quase zero, uma vez que se supunha que a sua economia interna estivesse a "levantar-se". E toda a gente esperava que o Fed elevasse suas taxas de juro em Setembro. Isto, contudo, agora terá de ser adiado uma vez que um aumento da taxa de juro, ao tornar a posse do US dólar mais atraente, teria o efeito de mais uma vez elevar o seu valor em relação às divisas mundiais e portanto reduzir ainda mais o nível de actividade da economia estado-unidense, mesmo abaixo do que a actual depreciação do dólar (a taxas de juro quase zero) causaria.

Contudo, o problema com os EUA é que muito embora possa adiar uma alta da taxa de juro, pouco pode fazer para impedir uma apreciação do dólar. Os EUA não podem reduzir suas taxas de juro ainda mais, uma vez que já estão no mínimo. Excepto através da imposição de controles de importação, por meios abertos ou clandestinos, os EUA descobrirão que é difícil impedir um rebaixamento do seu nível de actividade e emprego.

Isto explica porque os EUA, que durante todos estes anos esteve a pressionar a China para que permitisse maior definição de mercado da sua taxa de câmbio, estão tão irritados quando a China afirma ter feito precisamente isso. O cálculo estado-unidense era que "maior definição de mercado" da taxa de câmbio da China produziria uma apreciação da divisa chinesa em relação ao US dólar e portanto seria benéfico para os EUA pois ampliaria seu mercado. Na verdade, uma vez que a "maior definição de mercado" resultou na depreciação da divisa chinesa, muitos legisladores dos EUA começaram agora a criticar este desfecho.

Examinando as coisas de um modo diferente, com a China a desejar uma fatia maior do mercado mundial como meio de estímulo ao seu crescimento interno, o qual foi atingido pelo colapso da sua bolha do mercado de activos, a competição entre países por uma maior fatia de um mercado mundial mais ou menos em estagnação está a ficar intensificada. Por um lado não há factores que operem rumo a uma expansão do mercado mundial e o colapso da bolha de activos chinesa removeu o último dos tais factores expansionistas; por outro lado, todo país, incluindo a China, está agora a aderir à corrida para obter um bocado maior deste mercado mundial não em expansão. Não surpreendentemente, isto só pode agravar a recessão, uma vez que constitui um caso clássico de uma política do "prejudico meu vizinho" ("beggar-my-neighbour"), tal como aquela que caracterizou a depressão da década de 1930.

VALORIZAÇÃO DO DÓLAR

É provável que dois outros factores actuem na mesma direcção. Um é o colapso da já débil "indução a investir" dos capitalistas. Até agora, por exemplo, a capacidade de vender para a China havia actuado como uma espécie de um estímulo ao investimento para países capitalistas avançados; isto agora está a ser removido. Além disso, as flutuações no preço das divisas, as quais não se movem para cima ou para baixo de modo sincrónico, torna os cálculos de lucratividade muito mais difíceis e, portanto, aumenta os riscos de investimento. Por estas razões, mais uma vez como na década de 1930, quando as políticas do "empobreço meu vizinho" eram desenfreadas, a "indução a investir" dos capitalistas seria afectada negativamente, agravando a recessão.

O segundo factor é que a apreciação do valor do dólar torna mais atraente para os especuladores possuírem dólares ao invés de commodities primárias, razão porque os preços das mesmas, já numa tendência cadente (o que a propósito explica a inflação "negativa" na Índia de acordo com o Índice de Preço por Grosso), caíram ainda mais drasticamente após a desvalorização do yuan. Isto é ainda mais agravado pelo facto de que a procura da China em certa media havia escorado os preços das commodities primárias e agora a expectativa dos especuladores é de que já não se verificasse isso. Isto também contribuiria para um colapso dos preços das commodities primárias.

Esta queda nos preços das commodities tem três efeitos:   Primeiro, vários países, como a Austrália, Brasil, Rússia e Chile, os quais são exportadores significativos de commodities primárias e cujas fortunas portanto estão ligadas aos preços das mesmas, agora experimentarão um colapso da sua taxas de crescimento.   Segundo, países devedores como a Grécia agora descobrirão que o fardo real da sua dívida subiu, o que os empurraria ainda mais rumo à insolvência e faria com que países e instituições credoras lhes impusessem medidas ainda mais duras de "austeridade". Isto, ao reduzir a procura agregada naqueles países numa extensão ainda maior e, portanto, por implicação, ao fazer isso por todo o mundo, agravará ainda mais a crise.

O terceiro efeito verifica-se através do que o economista americano Irving Fisher – o qual foi professor em Yale e perdeu toda a sua fortuna pessoal na Grande Depressão da década de 1930 – chamou "dívida-deflação". Não são apenas os países, mas todos os devedores a descobrirem que o fardo real da dívida sobe quando há uma queda no nível de preços. Portanto, para poderem reembolsar descobrirão que serão forçados a vender activos, o que reduz o preço dos activos ainda mais, elevando o fardo real da sua dívida mais uma vez – e assim cumulativamente.

"Dívida-deflação", por outras palavras, é uma síndrome, a qual pode resultar em crises agudas e depressões. Esta é a razão porque capitalistas ficam sempre aterrorizados com "inflação negativa" ou com "preços absolutamente cadentes". Uma vez que uma economia começa a enfrentar declínios de preços em termos absolutos, ela pode deslizar rapidamente colina abaixo através do desencadeamento do processo "dívida-deflação" e seu governo e banco central pouco podem fazer para travar um tal deslizamento.

A economia capitalista mundial tem estado a pairar próximo de um tal cenário, de "deflação" ou preços absolutamente cadentes, desde há algum tempo. (Sabemos pela nossa própria experiência que a economia indiana está a enfrentar uma "deflação" em termos do Índice de Preços por Grosso em grande medida devido a desenvolvimentos internacionais). Com a depreciação do yuan chinês e as expectativas que isto gera quanto ao futuro crescimento chinês e ao futuro crescimento nos preços das commodities primárias, há uma probabilidade real do início de uma "deflação" na economia mundial – e portanto do início da síndrome "dívida-deflação". Portanto, por todas estas vias os desenvolvimentos na China provavelmente agravarão a crise capitalista. Estamos em suma no patamar de uma nova fase da crise capitalista mundial a qual testemunharia seu agravamento significativo.

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Nota da Fundación Bautista Álvarez, editora do dixital Terra e Tempo
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