Amnésia histórica, colónia cultural
As nações são, em grande medida, um discurso histórico comummente aceitado polos seus integrantes. Os heróis e as heroínas, as batalhas, os momentos de referência, os factos que deixam pegada na memória (ainda que nunca tiveram sucedido) são em grande medida um factor de identidade nacional que exerce de adesivo entre os cidadãos duma nação, mesmo que seja para regeitá-los e criticá-los (vício muito nosso, infelizmente). Sentir-se parte duma comunidade, e dos logros atingidos por esta, é um factor de coesão intergeneracional irrenunciável para um projecto nacional. Quer dizer, os antepassados escolhem-se... Hão de se escolher para que não no-los imponham.
Deixando á parte o facto de os galegos sermos uma nação mutilada e colonizada (ou precisamente por isso), resulta para mim muito claro que a “nossa” história, a história oficial deste desditado “reino de ningures”, é, a penas, uma sucessão de silêncios interrompidos por anecdotas mal relatadas. Como comunidade nacional, carecemos dum percurso histórico coerente e elaborado pola nossa própria ideologia. Os nossos cidadãos não conhecem os factos da nossa própria história contados por nós e para nós. Isto é, a nossa história contam-na (ou mais bem a ocultam) aqueles interessados em nos aniquilar como nação diferenciada, forem nativos ou foráneos. É certo que as possibilidades dos outros são infinitamente maiores que as nossas. Mas também é certo que os nossos historiadores, obviamente não todos, pecando do pecado de verismo, tenhem esquecido a necessidade da divulgação e da “inerente” politicidade de todo relato histórico, pretendendo limpar de “mitos” a nossa historiografia. Dolmes são apenas pedras. Celtas para que? Melhor castrexos - destecendo como Penélope o que se levava tecido –; suevos, suevos... tampouco hai para tanto; Garcia não era mesmo rei da Galiza e, se foi, por tão poucos anos...; Gelmires esse sim; e assim para adiante.
Que diferente o actuar dos espanhóis a este respeito e alguns bem perto de nós (geograficamente, a penas).
Se desfazemos tantos mitos já assentados no povo com olímpicos despreços de universitário sabichão, fica o desinteresse. A gente não está para estudos sisudos. As verdades têm de ser simples e inteligíveis para todos, mesmo forem mitos. Um lugar comum entre os galegos é o convencimento de que na Galiza nunca aconteceu nada de destaque. E assim é se ninguém o lembra.
Segou tantas cacholas de franceses (verso d’ A fouce do avó)
Desde 1808 até 1813 os galegos formarom parte dos esforços para vencer os exércitos ao serviço dos franceses invasores. Os nossos antepassados, independentemente da sua ideologia tradicionalista e católica (as cousas não têm mudado muito) foram quem de se bater com o exército mais importante, capaz e experimentado do mundo no seu tempo. Combateu as tropas de Ney e Soult com todas as armas ao seu dispor, que não eram muitas (só há que lembrar a famosa lenda do “canhão de pau”) e em tantos lugares (Vigo, Barosa, Ponte-Sampaio, Ponte Caldelas, Monforte, Alhariz... por citar algumas) que conseguiram liberar o território pátrio sem a colaboração de ninguém, muito antes que qualquer outro território do reino español ou portugués para nunca mais os ceder (aos franceses, claro).
A escassíssima memória que fica disto são, a penas, os nomes dos generais (Ney e Soult), tradicionalmente outorgados a gerações de cães do nosso país sem a menor consciência por parte dos seus usuários, humanos ou caninos. Em que pouco fica a nossa história.
Ainda mais, a Galiza contribuiu essencialmente ao decurso da guerra (peninsular para os ingleses). Os seus homes, alimentos e animais passaram a engrossar os exércitos que liberaram as terras setentrionais de Espanha e mesmo chegaram a Toulouse para derrocar o imperador Napoleão. De compararmo-lo com uma situação actual seria como se umas milícias palestinianas obrigaram ao exército estadounidense a se retirar do seu território.
Nestes primeiros anos do século comemoraram-se estas invasões napoleónicas da Península Ibérica, mas o galeguismo, no seu conjunto, não só ignorou esta efeméride senão que a tem despreçado, cedendo assim o terreno –aproveitando o símile militar– ao inimigo. Os actos de memória histórica levados a cabo por concelhos e deputações em colaboração com associações de recriação histórica derivaram numa exaltação do espírito nacional espanhol. A guerra desenvolvida pola Junta Soverana do Reino da Galiza e por inúmeras milícias populares, a guerra que os nossos chamaram sempre a Francesada, a nossa primeira guerra de liberação (nacional?) e pola que a consciência de sermos algo diferente renasceu depois de séculos de hivernação, fica convertida na Guerra de Independência Espanhola... nada menos.
Mais uma ocasião perdida para escolher os nossos devanceiros... e estes eram absolutamente verídicos.
Assim aproveitamos as nossas baças!
A fouce do avó
Tres veces a afiei; foi a primeira
cando, ardendo a seara e mais as meses,
segou tantas cacholas de franceses
que non colleran en montós na eira.
Foi a segunda cando, prisioneira
a Patria dos teocráticos intreses,
esgazou tras mil loitas e riveses
do poder absoluto a ruín bandeira.
Pola vez derradeira afíoa agora...
-¿E para que, avoeliño? -escrama o neto,
póndose diante del, coa faldra fóra.
-Para que segues ti -repuxo inquieto-
o froito que eu semei, e que xa cora-
dixo, e sorriu, con risa de esquileto.
Manuel Curros Henriquez