SIRP: é tempo da sua refundação democrática

SIRP: é tempo da sua refundação democrática

Os desenvolvimentos recentes comprovam a análise do Partido: o Sistema de Informações da República (SIRP) padece de uma doença crónica, em agravamento. É um quadro clínico perverso e difícil, nascido de um conflito congénito com o regime democrático constitucional e com surtos contagiosos na vida do País. O SIRP é hoje democraticamente irreformável.

A semana passada, houve uma pequena vitória, que importa referir. Foi possível confrontar em audição potestativa, imposta pelo PCP na AR, o Secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira (JP). Durante anos PS, PSD e CDS impediram que alguém respondesse pelos serviços, com a alegação de que estes dependem do Primeiro-ministro que, como Passos Coelho, nunca prestará contas. Mas a verdade é que JP é Secretário de Estado, integrando desde 2005 sucessivos governos do PS, PSD/CDS e de novo do PS(!), e nessa qualidade está obrigado a responder perante a AR.

A audição de JP foi um rombo na «imunidade», efectiva mas ilícita, do SIRP, construida por PS, PSD e CDS e que tem blindado os serviços ao controlo democrático. E foi verberada pelo porta-voz do PS (!) Jorge Lacão, para quem qualquer prestação de contas do SIRP constitui um «perigo para a segurança».

O «espião russo»

A causa imediata da audição foi a prisão em Roma, em Maio, do agente do SIS Carvalhão Gil, quando alegadamente vendia informação confidencial da NATO ao agente russo do SVR, Sergey Pozdnyakov. Uma operação nascida no SIRP, com conexões NATO, e concretizada pela investigação criminal portuguesa e italiana.

Gil foi trazido para Portugal e colocado em prisão preventiva, mas está agora em prisão domiciliária com pulseira electrónica; foi solicitada a Itália, e recusada por este país, a extradição de Pozdnyakov. O caso parece a caminho da irrelevância penal.

A comunicação social dominante divulgou o personagem Gil, segundo versão do SIRP, com muitos pormenores, incluindo «avisos da Mossad» (!), em contraste com as ocasiões em que esconde tudo o que pode, como no trânsito por território nacional dos sequestrados da CIA, a caminho das torturas de Guantánamo, ou nas alegações de Silva Carvalho sobre os procedimentos operativos ilegais dos serviços.

Dois meses após a prisão e duas semanas após a cimeira da NATO em Varsóvia, o «espião russo» tornou-se uma «prova» para «justificar» um novo degrau no cerco da NATO à Federação Russa e na corrida aos armamentos.

Gil tem perfil de «agente duplo» autorizado, os «segredos vendidos« por dez mil euros (!) são uma treta e o seu «crime» só aproveitou à NATO, mas o Secretário-geral do SIRP afastou qualquer responsabilidade dos serviços – tudo se resumiria a mais um caso individual –, e procurou escamotear a perda de confiabilidade democrática e de credibilidade operacional dos Serviços de Informações.

Fora da lei e estranho à Constituição


Confrontado pelo PCP, JP repetiu que não existe no SIRP qualquer acesso a metadados, ou outras ilegalidades, apesar de, em julgamento, o ex-director do SIEDN, Silva Carvalho, ter dito que 90 por cento da actividade do SIRP é ilegal. JP disse que nada há de ilegal no «Manual de procedimentos do SIS», que foi finalmente entregue em Tribunal, com o «Segredo de Estado» parcialmente levantado e com referência explícita a ilegalidades.

JP afirmou que o Conselho de Fiscalização «funciona bem», embora não passe de uma «anedota trágica», que finge que nada sabe e não antecipa um único problema, nas ilegalidades e chantagens, na guerra intestina de PS, PSD, maçonarias e obediências. Sobre o acesso a metadados, JP defendeu ser necessária aos serviços – o que não é verdade – e lamentou implicitamente que a lei do PS, PSD e CDS, com esse objecto, tenha sido considerada inconstitucional.

Ficou provado na audição que persiste no SIRP a «aliança estratégica» PS/PSD/CDS, de quase 40 anos, que o pariu, e que sempre apoiou a sua desconformidade ao regime e a sua ilegalidade, e onde, como disse, em 2005, Rui Pereira, ex-director do SIS e então Ministro de Administração Interna do PS, a única norma é o «Segredo de Estado», que cobre escutas e todas as ilegalidades.

Hoje, Lacão e o ministro Santos Silva insistem no acesso dos serviços a metadados e o PSD está pronto para «resolver». Têm no horizonte a fusão inconstitucional de missões de defesa e segurança para criar a figura do «inimigo interno».

O SIRP vive em estado de negação, foragido da justiça e do controlo democrático, fora da Lei e estranho à Constituição, é um abcesso na democracia de Abril. O SIRP atingiu um patamar em que é democraticamente irreformável e constitui um risco efectivo para o regime democrático. É tempo dos democratas e patriotas travarem combate para que se faça justiça no SIRP, pela sua fiscalização efectiva e pela garantia da sua conformidade à Constituição de Abril. É tempo da sua refundação democrática.

[Publicado en Avante]