Protestos, divisões e ameaças no Burundi

Protestos, divisões e ameaças no Burundi

Prosseguem no Burundi as manifestações populares contra a recandidatura do presidente Pierre Nkurunziza a um terceiro mandato, em eleições previstas para 26 de Junho.

Desde o começo dos protestos, há 10 dias, sobretudo em Bujumbura, reprimidos com violência pelas autoridades, foram mortas 13 pessoas, feridas 46 e detidas 600, segundo informações da Cruz Vermelha e de organizações sociais.

Os confrontos na capital ocorreram nos bairros da periferia e a polícia antimotim conseguiu impedir que os manifestantes chegassem ao centro da cidade. Utilizando argumentos desiguais: granadas de gás lacrimogéneo e balas reais de um lado, pedras e pneus queimados do outro.

O governo encerrou várias rádios privadas, impedindo-as de transmitir em directo os acontecimentos da rua e acusando-as de fazer «propaganda de um movimento insurreccional». As actividades económicas, sobretudo o comércio, estão quase paralisadas e muitos cidadãos procuram refúgio nos países vizinhos – Ruanda, República Democrática do Congo e Tanzânia.

A crise rebentou em finais de Abril quando Nkurunziza, eleito em 2005 e em 2010, foi designado candidato do seu Conselho Nacional para a Defesa da Democracia/Forças de Defesa da Democracia (CNDD-FDD), nas presidenciais do próximo mês.

Os partidos da oposição consideram esta recandidatura inconstitucional e contrária ao Acordo de Arusha que abriu caminho ao fim da guerra civil (1993-2006). O acordo limita a dois os mandatos presidenciais.

Ao contrário, os apoiantes de Nkurunziza entendem que a recandidatura é legal e, através do Senado, que controlam, pediram ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse. O vice-presidente deste órgão, Sylvère Nimpagaritse, denunciou na terça-feira – antes de fugir para o estrangeiro – as «enormes pressões e mesmo ameaças de morte» sobre os sete juízes, no sentido de legitimarem a recandidatura presidencial.

Horas depois, o tribunal deliberou sem surpresa que o presidente cessante tem o direito de se candidatar a mais um mandato de cinco anos por sufrágio universal, uma vez que, em 2005, foi eleito de forma indirecta, pelo parlamento.

Esta decisão não deve ser suficiente para travar a contestação, apesar de o primeiro vice-presidente, Prosper Bazombanza, ter prometido no mesmo dia libertar os manifestantes detidos e reabrir as rádios encerradas se as manifestações acabarem.

Kerry imperial


As eleições no Burundi – pequeno país centro-africano da região dos Grandes Lagos, com oito milhões de habitantes e uma história recente marcada por golpes de estado, guerras civis e massacres interétnicos – estão a dividir tanto os partidos como as próprias forças armadas, que até agora optaram por uma posição de neutralidade no terreno. Os militares não só não participam na «contenção» dos manifestantes como têm impedido a polícia e as milícias pró-Nkurunziza de cometer maiores brutalidades.

Segundo a revista Jeune Afrique, o ministro da Defesa, general Pontien Gaciyubwenge, pediu que cessem «os atentados aos direitos», numa aparente alusão à falta de liberdade de manifestação pacífica. Logo a seguir, o chefe do estado-maior, general Prime Niyongabo, próximo do presidente, garantiu que os militares vão manter-se leais às autoridades.

Reconstituídas depois do fim da guerra civil, num país de ampla maioria hútu, as forças armadas preservam, nos termos do Acordo de Arusha, a paridade étnica. Mas trata-se de um equilíbrio frágil: no seu seio convivem chefes das antigas rebeliões hútus (como o CNDD-FDD) e ex-oficiais tutsis, que combateram em lados opostos durante a sangrenta guerra civil, cujas feridas tardam a sarar. A par do perigo de divisões internas, surgem pressões externas.

Os Estados Unidos já tomaram posição. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, em visita ao Quénia, pronunciou-se claramente, a partir de Nairobi. Declarou-se «profundamente preocupado» com a recandidatura de Nkurunziza, que considerou «contra a Constituição» do Burundi.

Em Washington, o Departamento de Estado já tinha difundido um comunicado em tom imperial: «Os EUA continuarão a acompanhar a situação de perto e a adoptar medidas dirigidas» contra responsáveis do Burundi, incluindo a recusa de vistos de entrada a «pessoas que participem, programem ou ordenem actos de violência contra a população civil». A deslocação de Kerry a Nairobi, onde tratou de assuntos diplomáticos, económicos e de segurança, marca a reaproximação entre os EUA e o Quénia. Para Julho está agendada uma visita oficial do presidente Barack Obama àquele país da África Oriental.


[Este artigo foi publicado no “Avante!”]


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