Limiar perigoso


Os EUA confirmaram no início do mês a suspensão da participação no Tratado de eliminação de armas nucleares de curto e médio alcance. Dentro de seis meses será muito provavelmente consumado o abandono unilateral do acordo assinado em 1987 com a URSS que levou à eliminação completa dos mísseis nucleares terrestres com um raio de acção de 500 a 5500 quilómetros detidos pelas duas maiores potências militares – hoje os Estados Unidos e a Rússia. O fim do INF (acrónimo em inglês) é mais uma machadada na arquitectura internacional de controlo e redução de armas e um enorme passo no relançamento desenfreado da corrida armamentista.

A geração que cresceu e entrou na vida adulta nos anos 80 - é o caso do autor destas linhas - recorda-se bem do clima de tensão então prevalecente na Europa. No auge da Guerra Fria, da ‘confrontação Leste/Oeste’ e da instalação na Alemanha dos mísseis norte-americanos Pershing II, o perigo de apocalipse nuclear não era descurado como uma hipótese remota. O movimento da paz era uma força com importante expressão na Europa. Hoje, as ameaças colocadas à segurança internacional e paz mundial não são menores. Mas, o sentimento de alarme em relação à defesa da paz e a consciência social das ameaças de uma guerra destrutiva de grandes proporções estão muito aquém, tornando a situação mais complexa e perigosa.

A Casa Branca aponta a Rússia como culpada do novo lanço militarista que se ergue dos escombros do INF. Os seus argumentos carecem de credibilidade. O escaqueirar do INF está na linha do verdadeiro rombo estratégico para a segurança global representado pela saída dos EUA do Tratado de Defesa Antimíssil, em 2002, e da investida actual rumo à militarização do espaço. Não é desligável da própria cavalgada para Leste da NATO que prossegue até aos nossos dias com o recente anúncio da adesão macedónia – resultante não só da guerra contra a Jugoslávia de 1999, mas também da mais despudorada operação de ingerência e pressão sobre o país balcânico. O fim do INF está pois na linha da nova realidade em que, como afirmou este fim-de-semana em Munique o secretário-geral da NATO, Stoltenberg, a Aliança transatlântica tem pela primeira vez tropas de combate posicionadas directamente junto às fronteiras russas, na Polónia e nos países bálticos, incluindo uma brigada blindada norte-americana. É esta também a linha intervencionista que conduziu ao golpe de Estado de 2014 na Ucrânia e à guerra no Donbass sob o fragor das hordas de choque neonazis.

Frenesim belicista que visa antes de mais a China e a Rússia (e a cooperação entre ambos). A morte do INF não é excepção neste desiderato, por muito que os falcões chorem lágrimas de crocodilo, insistindo na inversão da realidade.
Os EUA não desistem do objectivo de alcançar a supremacia militar absoluta a qualquer custo. Trump faz questão em mandar às malvas a Carta da ONU e afrontar o direito internacional. Aqui reside a real ameaça ‘revisionista’. Mais perigosa, ainda, à luz da angústia estratégica que assalta o imperialismo num tempo turbulento e de incerteza, marcado pelo espectro da estagnação económica e a alteração em curso da relação de forças mundial.



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