Gangsterismo


A prisão da directora financeira e filha do fundador da cooperativa chinesa Huawei tem grande significado. Meng Wanzhou foi presa no Canadá, a pedido dos EUA, em trânsito de Hong Kong para o México. As acusações levaram dias a ser reveladas (ou inventadas). Dizem respeito a uma alegada violação de sanções dos EUA ao Irão. Para os EUA, as suas leis valem no planeta inteiro. Soberania nacional é algo para ignorar.

Trump confirmou que as reais razões da detenção da alta dirigente da Huawei são outras, ao afirmar estar disponível para intervir pela sua libertação «se eu pensar que é bom para aquilo que será seguramente o maior acordo comercial jamais realizado» (Bloomberg, 12.12.18). É o sequestro de reféns como «estratégia negocial». Mas não se trata só disso. O New York Times escrevia há meses (7.3.18): «enquanto o mundo se prepara para uma nova geração de Internet de telemóveis […] uma empresa chinesa está determinada em ser líder, colocando-se no cerne duma disputa internacional sobre o futuro da tecnologia. Huawei, o gigante fabricante de equipamento de telecomunicações, tem investido muito dinheiro na investigação em redes sem fios, patenteando tecnologias chave de 5G, ou quinta geração. Tem contratado peritos de rivais estrangeiros, empurrando-os para dirigir entidades internacionais que determinam «os padrões tecnológicos do equipamento sem fios do futuro».

Para o velho mundo capitalista, a China era para ser apenas uma fonte de mão-de-obra barata. Transformou-se num poderoso concorrente económico, mesmo em tecnologias de ponta. Ainda por cima, sem fazer guerras. É o pânico. A «liberdade económica» não é para que outros ganhem no terreno da livre concorrência. Veio logo ao de cima a verdadeira (velha) face do liberalismo. «Uma transição para uma dominação chinesa do 5G teria substanciais consequências negativas para a segurança nacional dos Estados Unidos», afirma um membro do governo dos EUA (NYT, 7.3.18). As colónias também foram mobilizadas. «Dirigentes das agências de espionagem britânica e canadiana alertaram nos últimos dias para os riscos associados à 5G. […] A Nova Zelândia impediu uma das suas empresas de telecomunicações de comprar equipamento à Huawei; o governo australiano aplicou uma proibição semelhante» (Economist, 7.12.18).

Quem esteja a pensar «lá está o PCP a defender a China» faria bem em informar-se sobre a forma como a General Electric (EUA) tomou conta duma jóia da coroa da indústria francesa, a Alstom, fabricante de turbinas para submarinos e centrais nucleares. Um documentário francês («Ghost War») recentemente retransmitido pela estação RT, conta os pormenores. Em 2013 é preso nos EUA um alto quadro da Alstom, F. Pierucci, acusado de corrupção na Indonésia. Esteve preso cerca de dois anos (RT francês, 31.10.18). Nos meses seguintes outros directores foram presos e a Alstom sujeita a multas milionárias.

Apenas o seu CEO viajava livremente. Estava a negociar em segredo a venda da Alstom à General Electric, que se consumou a partir de 2014, no tempo de Hollande e Obama. Um ministro francês opôs-se. Foi derrotado. Macron terá tido um papel no desenlace (RT francês, 31.10.18). Subiu na vida.

O mundo é pequeno, mas o gangsterismo capitalista é grande. A recordar, quando nos falarem em «aliados da NATO».



*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2351, 20.12.2018