A desculpa de Atenas


Ouvi recentemente o ministro grego do Trabalho, Georgios Katrougalos, comparar o resgate financeiro ao seu país com a paz de Brest-Litovsk. A intervenção decorria perante uma plateia de comunistas. O resgate aceite por Tsipras, à revelia do veredicto do referendo contra a imposição alemã, teria alguma coisa a ver com as cedências feitas pelo governo bolchevique de Lénine na Rússia logo após a revolução de outubro?

Em 3 de março de 1918 o governo soviético assinou um tratado de paz que ficou conhecido pelo nome da cidade bielorrussa onde foi firmado. Esse tratado negociado com o império alemão, império austro-húngaro, império turco, levava a Rússia a ceder a esses impérios, sobretudo aos germânicos, a Finlândia, a Polónia, Lituânia, Letónia e Estónia, Bielorrússia e Ucrânia. Em contrapartida,a Rússia saía da I Guerra Mundial e dispunha das condições para reconstruir o país e organizar uma sociedade socialista, pela primeira vez na história. Esse compromisso era para Lénine um sacrifício necessário para ultrapassar o morticínio da guerra e garantir o poder dos sovietes, mesmo que um terço da população, outrora sob os czares, ficasse novamente sob jugo imperial.

Este estranho paralelo histórico entre a cedência à troika em 2015 em Atenas e o tratado de 1918 só deve ter algo de parecido entre si pela presença alemã. De resto, enquanto Tsipras capitulou e impôs a austeridade ao seu próprio povo tal como queriam as potências, Lénine manobrou para dar a terra aos camponeses e relançar a indústria coletiva. Onde Tsipras privatizou, Lénine nacionalizou. Se o ministro do Syriza queria simplesmente dizer que a sua interpretação de Brest-Litovsk é que o que importa é manter o poder, então percebe-se o pragmatismo sem princípios da coisa. Custa também a perceber que seja preciso comparar situações de contextos e tempos bem diferentes. Mais extraordinário é invocar um século depois a legitimidade de Vladimir Lénine para “vestir” Tsipras. Truques de Atenas para maquilhagem do colapso do programa de Salónica que foi bandeira helénica, mas por pouco tempo.

[Publicado en A Contradição]

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