Pão e Brioches

Há sempre soluções, quando as classes dominantes nada têm para oferecer senão miséria e guerra

O ex-economista-chefe do FMI, K. Rogoff, diz que "A bancarrota grega é inevitável. Há 95% de hipóteses de que a Espanha acabe na bancarrota. A Hungria está à beira do precipício. As coisas vão ficar muito piores na Europa do Leste. Há vários países que vão para a falência. Há vários países da zona euro que fariam melhor em tirar uma licença sabática em relação ao euro durante um ano. A situação nos EUA é muito preocupante"". "Como se sabe, em 1789 o povo de Paris, sem pão nem brioches, resolveu o problema por outras formas. Também foi assim na Rússia, vai agora fazer 93 anos. Há sempre soluções, quando as classes dominantes nada têm para oferecer senão miséria e guerra."

Reza a história que, pouco antes da grande Revolução Francesa de 1789, quando a rainha Maria Antonieta foi informada de que o povo faminto de Paris se manifestava nas ruas pedindo pão, terá respondido: "se não têm pão, comam brioches". O espírito de Maria Antonieta está de volta, nos salões do grande capital e dos governos ao seu serviço.

Nos mesmos dias em que o governo Sócrates anunciava a sua mais recente marretada na cabeça do povo português - para "acalmar os mercados" que estavam "preocupados" com o défice orçamental nacional - o governo irlandês anunciou o aumento em cerca de 6 mil milhões de euros nos subsídios de apoio aos falidos bancos irlandeses (Irish Times, 30.9.10). Como resultado, o défice orçamental irlandês será, este ano, "uns estonteantes 32% da produção económica [PIB], o valor mais alto da Europa após a II Guerra Mundial" (Associated Press, 1.10.10).

Os bancos irlandeses estão a ser premiados por se terem "endividado fortemente junto de credores estrangeiros e investido o dinheiro no sobreaquecido mercado imobiliário irlandês - e depois procurarem esconder a verdadeira dimensão dos estragos quando a crise global no crédito fez rebentar a bolha imobiliária" (AP, 1.10.10). Como reagiram os "mercados" e seus serventuários ao anúncio do monumental buraco orçamental resultante da falcatrua, num país cujo PIB caiu 10% em 2009 e cujo desemprego vai em 13,8%? Segundo o Irish Times (30.9.10) a agência de notação (rating) Fitch declarou que o governo tinha "ganho tempo para produzir um plano fiscal para 4 anos" e manteve a notação (AA-) inalterada.

O comissário europeu para a economia, Olli Rehn, declarou "apoiar fortemente a forma como o ministro das Finanças [irlandês] geriu a questão". E o comissário europeu para a concorrência, Joaquim Almunia, "saudou a declaração [...] afirmando que traz clareza". Pelos vistos, não é com qualquer buraco orçamental que os mercados se enervam e precisam de ser "acalmados". Quando estão a mamar da maxi-teta do Estado ficam mansos.

A necessidade de "acalmar" os mercados virá, fatal como o destino, quando se tratar de cortar salários, aumentar impostos sobre o povo, dar novas machadadas orçamentais nas funções sociais do Estado. Que já estão a ser preparados pelo governo irlandês: "Já olhámos para as leis da segurança social, para as leis das reformas. Vamos ter de olhar para todas essas questões" afirmou o ministro das Finanças, ao anunciar que prepara um novo pacote de "austeridade" (Bloomberg, 11.10.10).

Num relatório do FMI sobre Estabilidade Financeira Global afirma-se (telegraph.co.uk, 5.10.10) que: "os governos terão de injectar nova liquidez nos bancos - em particular em Espanha, Alemanha e nos EUA". Solícito, o comissário europeu Almunia declarou que iria prolongar as medidas excepcionais de apoio ao sistema bancário, indústria e comércio: "não estamos ainda em condições de voltar ao regime normal. Sabemos que ainda há instituições ... que precisam deste apoio estatal através de injecções de capitais públicos" (Financial Times, 5.10.10). Isto, apesar dos conhecidos lucros dos últimos meses. E nem se pense em taxar transacções financeiras, advertiu o presidente do Banco Central Europeu (euobserver.com, 1.10.10): há "desvantagens económicas, financeiras [...] e técnicas". Quanto ao povo, que coma brioches.

Mas o sistema capitalista mundial está a ranger por todos os lados. O ex-presidente da Reserva Federal, Paul Volcker, falando num simpósio em 23.9.10, disse que "o sistema financeiro está quebrado. Usámos essa palavra em finais de 2008 e infelizmente penso que ainda é correcto usar essa palavra". O ex-economista-chefe do FMI, K. Rogoff, diz que "A bancarrota grega é inevitável. Há 95% de hipóteses de que a Espanha acabe na bancarrota. A Hungria está à beira do precipício. As coisas vão ficar muito piores na Europa do Leste. Há vários países que vão para a falência. Há vários países da zona euro que fariam melhor em tirar uma licença sabática em relação ao euro durante um ano. A situação nos EUA é muito preocupante" (Der Spiegel, 4.10.10).

Como se sabe, em 1789 o povo de Paris, sem pão nem brioches, resolveu o problema por outras formas. Também foi assim na Rússia, vai agora fazer 93 anos. Há sempre soluções, quando as classes dominantes nada têm para oferecer senão miséria e guerra.


Publicado en  Odiario