Solidariedade de Abril


Nas comemorações do 25 de Abril os valores da solidariedade internacionalista ocuparam uma vez mais um lugar importante. O povo português não esquece que a revolução portuguesa, sendo obra sua é inseparável da solidariedade e da luta dos outros povos cujas vitórias e derrotas nós comunistas sentimos como se nossas próprias fossem. Isto é particularmente verdade em relação ao povo brasileiro a que nos unem relações de amizade que tornam ainda mais necessária a solidariedade do povo português frente à ofensiva golpista de que está a ser alvo e que traz no bojo o perigo de uma nova ditadura fascista, objectivo que muitos dos conspiradores não escondem como se viu no degradante espectáculo de ódio e reaccionarismo proporcionado pela sessão da Câmara de Deputados que decidiu iniciar o processo de destituição da presidente Dilma Rousseff.

Nós não esquecemos que o Brasil foi pátria de exílio para muitos anti-fascistas portugueses, como Ruy Luís Gomes, que a sua embaixada em Lisboa deu protecção a democratas perseguidos pelo fascismo, como Humberto Delgado, que a Oposição Democrática radicada naquele país deu uma preciosa contribuição para a denúncia internacional dos crimes da ditadura de Salazar e Caetano. Mas em 25 de Abril de 1974 o Brasil era uma ditadura para onde fugiram as mais gradas figuras do regime derrubado e que, protegidos pelo poder militar brasileiro, daí conspiraram freneticamente contra a revolução portuguesa. Foi uma ditadura cruel instaurada em 1964 pelo golpe militar que derrubou o governo de João Goulart, que ilegalizou e perseguiu os comunistas e todas as forças verdadeiramente democráticas, que prendeu, torturou, assassinou e fez desaparecer milhares de lutadores pela liberdade. Uma ditadura que se inseriu no processo mais vasto da «Operação Condor», uma sinistra aliança do imperialismo norte-americano com numerosas ditaduras militares – Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Brasil – para coordenar uma repressão violentíssima visando dizimar as forças progressistas e sufocar a revolução latino-americana. Uma ditadura que só terminou em 1985 no contexto de poderosas movimentações operárias e populares em que as históricas greves dos metalúrgicos do ABC e a campanha «Directas já» desempenharam um papel determinante.

Desde então a luta por uma sociedade mais livre e mais justa nunca mais parou e com a vitória de Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002 o povo brasileiro «levantou-se do chão» e o Brasil começou a atacar e a resolver alguns dos mais gritantes problemas sociais, a afirmar-se com crescente autonomia frente ao imperialismo norte-americano e a contribuir com o seu grande potencial económico e político para o processo de soberania e integração progressista que, corajosamente protagonizado por Cuba e Venezuela, tem percorrido o continente latino-americano, e tornou-se membro dos BRICS. A reacção interna e os EUA não podiam tolerar um tal processo e logo que consideraram a situação favorável, passaram à ofensiva tirando partido de posições que nunca deixaram de ser largamente dominantes nas instituições, no aparelho de Estado, na comunicação social. Os limites do processo democrático brasileiro deixaram praticamente intocada a natureza de classe do poder económico e do Estado. Se o Brasil avançou o que avançou foi devido à dinâmica de intervenção popular que obrigou a reacção e o imperialismo a encolher as garras. Contando com a nossa solidariedade, será uma vez mais essa dinâmica que derrotará os golpistas e impedirá que o Brasil se torne numa nova ditadura.

[Publicado en Avante]

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