Colômbia, Médio-Oriente e Ucrânia Acordos de paz? Ou rendição política

Colômbia, Médio-Oriente e Ucrânia Acordos de paz? Ou rendição política

As negociações de paz presentes e passadas, baseadas no reconhecimento da soberania de um Estado independente ligado aos movimentos de massas, sempre terminaram com os Estados Unidos a romperem os acordos. Os genuínos acordos de paz são contrários à meta imperial de conquistar através da mesa de negociações o que não conseguiram ganhar através da guerra.

Introdução


Há uns trinta anos, um sagaz camponês colombiano disse-me: quando oiço falar de ‘acordos de paz’ oiço o governo a afiar as suas facas.

Ultimamente falou-se muito de acordos de paz em todo o mundo. Em quase todas as regiões ou países que sofrem com uma guerra ou invasão, falou-se da possibilidade de negociar acordos de paz. Em muitos casos, estes chegaram a assinar-se e ainda não se conseguiu acabar com os assassínios e com o caos provocado pela parte beligerante apoiada pelos Estados Unidos.

Vamos analisar novamente algumas destas negociações do passado e do presente para compreender as dinâmicas dos processos de paz e os subsequentes resultados.

O processo de paz

Actualmente estão em andamento diversas negociações supostamente desenhadas para alcançar acordos de paz. Entre elas podemos citar: as discussões na Ucrânia entre a Junta, sediada em Kiev e apoiada pela NATO e os EUA, e a direcção da região de Donbass, situada no Este do país e contrária ao golpe e à NATO; na Síria, entre a coligação Saudita-EUA-NATO-terroristas armados e o governo sírio e os seus aliados russos, iranianos e do Hezbollah; na Palestina, entre o regime colonial israelense apoiado pelos EUA e as forças que lutam pela independência palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza; e na Colômbia, entre o regime do presidente Santos apoiado pelos EUA e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Há ainda outras negociações de paz em andamento que não receberam atenção pública.

Resultados de acordos de paz do passado e do presente

Ao longo do último quarto do século passado «assinaram-se diversos acordos de paz, sendo que todos levaram à rendição tácita dos protagonistas anti-imperialistas armados e dos movimentos populares de massas.

Na América Central, os acordos assinados em Salvador e na Guatemala levaram ao desarme unilateral do movimento de resistência, à consolidação do controlo da economia pela oligarquia e o crescimento e proliferação desmedida de bandos de narcotráfico e esquadrões de morte com os auspícios governamentais. Em consequência disso verificou-se uma escalada do terror interno. Os líderes da resistência conseguiram votos, entraram nos parlamentos como políticos e, no caso de Salvador, ocuparam altos cargos. As desigualdades mantiveram-se ou até se agravaram, talo como os assassínios, que ultrapassaram as cifras anteriores ao período prévio aos acordos de paz. Um grande número de emigrantes, frequentemente refugiados que fugiam da violência dos bandos armados, entrou ilegalmente nos EUA. Este país consolidou as suas bases e as suas operações militares na América Central, enquanto a população continua em sofrimento.

As negociações de paz israelo-palestinas não alcançaram acordo algum, mas serviram para proporcionar uma leve cortina ao aumento da anexação de terras palestinas para construir enclaves racistas exclusivamente judeus, provocando assentamentos ilegais a mais de meio milhão de colonos judeus. Os Estados Unidos apoiaram totalmente a farsa do processo de paz, financiaram os líderes-vassalos corruptos palestinos e proporcionaram apoio diplomático, militar e político incondicional a Israel.

Estados Unidos-União Soviética: o acordo de paz

Supunha-se que os acordos de paz entre Reagan-Bush e Gorbatchov acabariam com a Guerra Fria e alcançariam a paz global. Mas, em vez disso, os Estados Unidos e a União Europeia (UE) estabeleceram bases militares e regimes clientelares por toda a Europa, no Báltico e nos Balcãs, saquearam recursos nacionais e apropriaram-se das economias desnacionalizadas. As elites com sede nos EUA dominaram o regime vassalo de Boris Yeltsin e despojaram literalmente a Rússia dos seus recursos e da sua riqueza. Aliados com oligarcas-gangsters afundaram a sua economia.

O regime pós-soviético de Yeltsin concorreu nas eleições, promoveu uma multiplicidade de partidos e ele próprio presidiu a um país desolado e cada vez mais cercado; pelo menos a eleição de Vladimir Putin serviu para descolonizar o aparelho do Estado e reconstruir parcialmente a economia do país e a sociedade.

As negociações de paz da Ucrânia

Em 2014, um golpe de Estado violento, patrocinado pelos Estados Unidos uniu fascistas, oligarcas, generais e simpatizantes da União Europeia, que tomaram o controlo de Kiev e da parte ocidental da Ucrânia. As regiões orientais pró-democracia de Donbass e da península da Crimeia organizaram a resistência ao regime golpista. A Crimeia votou unanimemente a união com a Rússia. Os centros industriais do Este da Ucrânia (Donbass) formaram milícias populares para resistirem ao às forças armadas e aos paramilitares neonazis da Junta apoiada pelos EUA. Depois de alguns anos de caos e tendo-se chegado a uma situação de impasse iniciou-se um processo de negociação que não impediu que o regime de Kiev continuasse a bombardear Donbass. A tentativa de paz converteu-se na base do Acordo de Minsk, negociado pela França, Rússia e Alemanha, através do qual a junta de Kiev pretendia o desarmamento do movimento de resistência, a recuperação de Donbass e da Crimeia e a eventual destruição da autonomia cultural, política, económica e militar do Este da Ucrânia, de maioria étnica russa. Como consequência, o Acordo de Minsk foi pouco mais que um plano fracassado para conseguir a rendição. Entretanto, o saque massivo da economia da nação perpetrado pela junta de Kiev converteu a Ucrânia num Estado falhado em que 2,5 milhões de habitantes se mudaram para a Rússia e muitos outros mil emigraram para o Ocidente para cavar batatas na Polónia ou foram recrutadas para os bordéis de Londres e Telavive. A restante juventude desempregada ficou apenas com a opção de vender os seus serviços às tropas de choque dos paramilitares fascistas de Kiev.

Colômbia: Acordo de paz ou cemitério?

Se examinarmos as suas encarnações passadas e a presente experiência é prematuro celebrar o acordo de paz das FARC colombianas e do presidente Juan Santos.

Nas últimas quatro décadas, os regimes oligárquicos colombianos apoiados pelo exército, esquadrões da morte e Washington promoveram inúmeras negociações de paz, abriram negociações com as FARC e romperam-nas para relançarem guerras em grande escala, recorrendo a negociações de paz como um pretexto para dizimar e desmoralizar os activistas políticos.

Em 1984, o presidente Belisário Betancourt assinou um acordo de paz com as FARC; conhecido pelo Acordo Uribe, com o que milhares de activistas e simpatizantes das FARC desmobilizaram, fundaram um partido político, a União Patriótica (UP), e entraram no jogo eleitoral. Nas eleições de 1986, candidatos da UP foram eleitos senadores, congressistas, alcaides e conselheiros e o seu candidato presidencial mais de 20% dos votos. Nos quatro anos seguintes, de 1986 a 1989, mais de 5.000 dirigentes, eleitos para cargos políticos e candidato presidencial da UP foram assassinados durante uma campanha nacional de terror. Dezenas de milhares de camponeses, trabalhadores do petróleo e assalariados das plantações foram assassinados, torturados e empurrados para o exílio. Os esquadrões paramilitares da morte e os exércitos privados dos latifundiários, aliados com as Forças Armadas da Colômbia assassinaram milhares de líderes sindicais, jornalistas trabalhadores e familiares. A estratégia paramilitar do exército foi desenvolvida nos anos sessenta pelo general estado-unidense William Yarborough, comandante do centro especial de guerra do exército estado-unidense e criador do centro especial da guerra estado-unidense e criador das forças especiais conhecidas como boinas verdes.

Cinco anos após a sua criação, a União Patriótica tinha desaparecido: os seus membros sobreviventes exilaram-se ou passaram à clandestinidade.

Em 1990, o recém-eleito presidente, César Graviria, proclamou início de novas negociações de paz com as FARC. Poucos meses depois do seu anúncio, o presidente ordenou o bombardeamento da Casa Verde, onde se alojavam dirigentes das FARC e uma equipa de negociadores. Felizmente, escaparam antes do traiçoeiro ataque.

O presidente Andrés Pastrana (1998-2001) pediu novas negociações com as FARC que teriam lugar numa zona desmilitarizada. As conversações iniciaram-se na região selvática de El Cáguan, em Novembro de 1998. O presidente Pastrana tinha negociado com as FARC e activistas sociais numerosas promessas, concessões e reformas mas, ao mesmo tempo, tinha negociado um acordo milionário de ajuda militar por dez naos com o presidente Clinton, conhecido como Plano Colômbia. Esta prática de relações duplas culminou com o início de uma política de terra queimada, por parte das Forças Armadas da Colômbia contra as zonas desmilitarizadas, sob as ordens do recém-eleito presidente Álvaro Uribe, que estava relacionado com os esquadrões da morte. Ao longo dos 8 anos seguintes, o presidente Uribe empurrou para um exílio interno cerca de quatro milhões de camponeses colombianos. Graças a um financiamento de Washington de centenas de milhões de dólares, Uribe pôde duplicar o volume os efectivos das Forças Armadas até superarem os 350.000 homens, ao mesmo tempo que incorporava membros dos esquadrões da morte no exército. Apesar disso, supervisou a formação de novos grupos paramilitares. Até 2010, o número de guerrilheiros das FARC tinha descido de 18.000 combatentes a menos de 10.000, tinham-se dado centenas de baixas civis e milhões de pessoas perderam as suas casas.

Em 2010, o antigo ministro de Uribe, Juan Manuel Santos, foi eleito presidente. Em 2012, Santos iniciou outro processo de paz com as FARC, que foi por fim assinado em 2016. Segundo este novo acordo negociado em Cuba, centenas de oficiais implicados em torturas, assassínios e deslocamentos forçados de camponeses foram considerados imunes, enquanto os guerrilheiros das FARC serão julgados. O governo prometeu uma reforma agrária e o direito de regresso aos camponeses deslocados e às suas famílias. Apesar disso, quando os camponeses regressavam para reclamar as suas terras eram expulsos e, inclusive, assassinados.

Os dirigentes das FARC aceitaram a desmobilização e o desarmamento unilateral que terá de verificar-se até Junho de 2017. O exército e os seus aliados paramilitares conservarão as armas e obterão o controlo total sobre as zonas previamente libertadas pelas FARC.

O presidente Juan Santos assegurou que o acordo de paz incluirá uma série de decretos presidenciais para privatizar os recursos minerais e petrolíferos do país e converter as quintas familiares em plantações para a agro-exportação. Aos camponeses rebeldes desmobilizados foi-lhes dado parcelas de terra estéril e marginal, não receberam apoio do governo nem fundos para caminhos, utensílios, sementes, fertilizantes, nem sequer para construir escolas ou casas, tudo necessidades para esta fase de transição. Ainda que alguns dos líderes das FARC tivessem obtido lugares no Congresso e a liberdade de se apresentarem às eleições sem serem perseguidos, as bases jovens da guerrilha e os camponeses ficaram sem muitas alternativas, a não se a de se ligaram aos paramilitares ou ao narcotráfico.

Resumindo, esta volta pela história demonstra que sucessivos presidentes e regimes colombianos violaram sistematicamente todos os acordos de paz, assassinaram rebeldes que os assinaram e mantiveram o controlo da economia e da mão-de-obra nas mãos das elites. Antes da actual eleição, Juan Santos foi, como ministro da Defesa de Uribe, responsável pela década mais mortífera da Colômbia.

Pela sua intermediação para alcançar a paz dos cemitérios para dezenas de milhares de camponeses e activistas colombianos, o presidente Juan Santos foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz.

Em Havana, os líderes e negociadores das FARC receberam os elogios do presidente cubano Raúl Castro, do presidente Obama, do presidente Maduro e da grande maioria de dirigentes progressistas e de direita da América do Norte, Da América do Sul e da Europa.

A sangrenta história da Colômbia, com os seus assassínios generalizados de activistas dos direitos humanos e líderes camponeses continuou, inclusive quando se estavam a assinar os documentos dos acordos de Paz. Durante o primeiro mês de 2017, os esquadrões da morte ligados à oligarquia e o exército assassinaram cinco activistas dos direitos humanos. Em 2015, quando as FARC negociavam várias cláusulas dos acordos, mais de 120 camponeses e activistas foram assassinados pelos grupos paramilitares que continuaram a actuar livremente nas zonas controladas pelo exército às ordens de Juan Santos. A máquina propagandística dos meios de comunicação de massas continua a repetir a mentira que mais de 200.000 pessoas perderam a vida às mãos da guerrilha e do exército, quando a esmagadora maioria dos assassínios foram cometidos pelo governo e pelos seus aliados, os esquadrões da morte; uma calúnia que os líderes da guerrilha não souberam desmontar. O proeminente investigador jesuíta Javier Giraldo documentou minuciosamente o facto de mais de três quartos das ditas mortes terem sido obra do exército e dos paramilitares.

É-nos pedido que acreditemos que os regimes presidenciais que assassinaram mais de 150.000 trabalhadores, camponeses, líderes indígenas e profissionais colombianos, e que continuam a assassinar, se converteram da manhã para a tarde em parceiros amantes da justiça para alcançar a paz. Nos três primeiros deste ano, activistas e defensores dos acordos de paz com as FARC continuam a ser o alvo e continuam a ser assassinados pelos paramilitares supostamente desmobilizados.

Os líderes dos movimentos sociais denunciam um aumento da violência por parte das forças do exército e dos seus aliados. Inclusivamente, os monitores dos acordos de paz e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos admitem que a violência estatal e paramilitar está a destruir qualquer estrutura pensada pelo presidente Juan Santos para implementar as reformas. À medida que as FARC se retiram das regiões sob controlo popular, os camponeses que pretendem integrar-se na reforma agrária convertem-se em alvos dos exércitos privados. O regime de Juan Santos está mais interessado em proteger as massivas apropriações de terras pelos grandes consórcios mineiros.

Enquanto os assassínios dos partidários das FARC e activistas dos direitos humanos se multiplicam o presidente Juan Santos e Washington tentam aproveitar-se de uma guerrilha desarmada e desmobilizada, os históricoa acordos de paz convertem-se num grande engano desenhado para expandir o poder imperial.

Conclusão: epitáfio para os acordos de paz

Em todo o mundo, sempre as negociações e os acordos de paz orquestrados pelo Império tiveram um só objectivo: desarmar, desmobilizar, derrotar e desmoralizar os lutadores da resistência e os seus aliados.

Tal como os conhecemos, os acordos de paz servem para rearmar e reagrupar as forças apoiadas pelos Estados Unidos depois dos contratempos tácticos da luta de guerrilhas. O seu objectivo é dividir a oposição (a chamada táctica do salame) e facilitar a conquista. A retórica da paz utilizada nestas negociações de paz significa, basicamente, o desarmamento unilateral dos lutadores da resistência, a rendição do território e o abandono dos simpatizantes civis. As denominadas zonas de guerra que contêm terras férteis e valiosas reservas minerais são pacificadas quando são absorvidas pelo regime que se diz amante da paz. Os desenvolvimentos da paz negociada são supervisionados pelas autoridades estadunidenses, que elogiam o tecem loas aos líderes rebeldes quando assinam os acordos de paz que serão implementados por regimes vassalos do poder imperial. Este último assegurará que não se verifique nenhum realinhamento em política externa nem qualquer alteração socioeconómica estrutural.

Alguns acordos de paz permitem que os antigos dirigentes guerrilheiros compitam, em alguns casos que ganhem eleições como representantes marginais, mas a sua base de apoio é dizimada.

Na maior parte dos casos durante o processo, especialmente depois da assinatura do acordo de paz, as organizações e movimentos sociais e os seus seguidores no campesinato e entre a classe trabalhadora acabam, bem como os activistas pelos direitos humanos, sendo objectivo a abater pelo exército e pelos esquadrões da morte paramilitares que operam em conivência com as bases militares do governo.

Frequentemente, os aliados internacionais dos movimentos de resistência animaram-nos a negociar acordos de paz para demonstrar aos Estados Unidos que são responsáveis, esperançados em melhorar as relações diplomáticas e comerciais. Não é preciso dizer que as negociações responsáveis serviram simplesmente para reforçar a determinação do poder imperial de pressionar futuras concessões e estimular agressões militares e novas conquistas.

Os acordos de paz justos baseiam-se no desarmamento mútuo, no reconhecimento territorial e na autoridade da administração insurgente local sobre as reformas agrárias acordadas, ao mesmo tempo que mantêm os direitos sobre os recursos minerais e o controlo da segurança militar-pública.

Os acordos de paz deverão ser o primeiro passo para de uma agenda política implementada sob o controlo do exército rebelde independente e monitores civis.

O desastroso resultado do desarmamento unilateral é a consequência da não implementação de uma política externa e mudanças estruturais progressistas e independentes.

As negociações de paz presentes e passadas, baseadas no reconhecimento da soberania de um Estado independente ligado aos movimentos de massas, sempre terminaram com os Estados Unidos a romperem os acordos. Os genuínos acordos de paz são contrários à meta imperial de conquistar através da mesa de negociações o que não conseguiram ganhar através da guerra.

[Artigo publicado en Rebelión]

-------------------------------------------------------------------------------------------------
Nota da Fundación Bautista Álvarez, editora do dixital Terra e Tempo: As valoracións e opinións contidas nos artigos das nosas colaboradoras e dos nosos colaboradores -cuxo traballo desinteresado sempre agradeceremos- son da súa persoal e intransferíbel responsabilidade. A Fundación e mais a Unión do Povo Galego maniféstanse libremente en por elas mesmas cando o consideran oportuno. Libremente, tamén, os colaboradores e colaboradoras de Terra e Tempo son, por tanto, portavoces de si proprios e de máis ninguén
.