Horas de trabalho perdidas durante a pandemia

Horas de trabalho perdidas durante a pandemia
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem divulgado desde há alguns meses um relatório que monitoriza o impacto da pandemia na economia mundial
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem divulgado desde há alguns meses um relatório que monitoriza o impacto da pandemia na economia mundial , especialmente as horas de trabalho perdidas devido ao confinamento e às suas ramificações. As estatísticas por ela fornecidas não são compilações de dados oficiais de diferentes países; baseiam-se nas estimativas da própria OIT feitas com qualquer informação disponível destes países. Não se pode dizer quão exactos são os números, mas são os únicos que temos e dada a meticulosidade com que são estimados, e a sua compatibilidade aproximada com outros dados que temos, podemos formar juízos com base neles.

As horas de trabalho perdidas são calculadas a partir de uma determinada linha de base, que são os números do quarto trimestre de 2019, ajustados sazonalmente. Em comparação com esta linha de base, a economia mundial no seu conjunto registou uma perda de 5,6%, 17,3%, e 12,1% em horas de trabalho, respectivamente, nos primeiros três trimestres de 2020. Tomando os três trimestres em conjunto, a perda de horas de trabalho para a economia mundial foi de 11,7 por cento. Significativamente, as perdas nos primeiros três trimestres de 2020 para a região da Ásia do Sul foram de 3,1%, 27,3% e 18,2%, respectivamente. De facto, após a região "América Latina e Caraíbas", que foi a mais atingida entre todas as regiões do mundo, a Ásia Meridional foi a seguinte mais atingida.

Este facto é também confirmado por outros números. A OIT traduz as horas de trabalho perdidas numa perda de rendimentos para os trabalhadores. Para os três trimestres considerados em conjunto, a percentagem de perda de rendimentos do trabalho foi de 19,3 para a América Latina e Caraíbas; para o Sul da Ásia foi de 16,2. Estes números foram superiores aos de todas as outras regiões do mundo. De facto, para o mundo no seu conjunto, o rendimento do trabalho perdido não foi superior a 10,7%. Uma vez que a Índia domina a região da Ásia do Sul devido à sua enorme dimensão e uma vez que, como é sabido, os seus países vizinhos, incluindo o Paquistão, foram muito menos severamente afectados pela pandemia e também tomaram medidas muito menos drásticas para a combater, o número extraordinariamente elevado de perdas de rendimento na Ásia do Sul deve-se principalmente à Índia. Daqui decorre que a perda de rendimentos dos trabalhadores na Índia foi das piores do mundo, ao lado apenas da América Latina e das Caraíbas, e não muito atrás desta última. Os números da OIT confirmam, em suma, o que muitos têm dito desde há algum tempo, nomeadamente que o governo Modi tem estado entre os mais incompetentes do mundo na sua gestão da pandemia.

Mas isso não é tudo. Os números das perdas de rendimento da OIT são calculados antes de se ter em conta as medidas de apoio orçamental adoptadas pelos governos dos respectivos países. De facto, a OIT calcula o que chama o estímulo orçamental proporcionado por vários governos para combater a perda de rendimentos infligida aos trabalhadores pela pandemia. O estímulo orçamental é definido pela OIT de modo a incluir despesas governamentais adicionais, transferências de rendimentos ou receitas perdidas (isenções fiscais). Uma das descobertas importantes do estudo da OIT é que os países com um estímulo orçamental mais elevado em percentagem do PIB tiveram uma menor percentagem de perdas de horas de trabalho. A própria OIT não fornece qualquer explicação para esta relação inversa, mas não é muito difícil encontrar uma.

Se todo o montante perdido de horas de trabalho fosse devido ao confinamento, ou seja, se tivesse surgido do "lado da oferta" como ditado pelo governo, então não haveria razão para haver uma correlação inversa entre tal perda e a dimensão do estímulo orçamental. A magnitude da perda dependeria então unicamente do rigor do confinamento e não da dimensão do estímulo orçamental. Mas o confinamento também tem um efeito "multiplicador" do lado da procura. Se houver uma perda de rendimentos devido ao confinamento, então o povo reduziria a sua procura de um conjunto de serviços, desde aqueles prestados por salões de cabeleireiro até restaurantes e oficinas de reparação de várias espécies, mesmo quando estes são permitidos sob o confinamento. Se estes prestadores de serviços fechassem as suas lojas, a razão para isto não residiria nas restrições do confinamento como tal, mas na ausência de procura causada indirectamente pelas restrições do confinamento. A perda de rendimento imposta pelo "lado da oferta", isto é, pelas restrições do confinamento, é assim complementada por uma outra perda de rendimento imposta pelo lado da procura.

É aqui que entra o estímulo orçamental. Ele directa ou indirectamente coloca algum poder de compra nas mãos de pessoas que sofrem perdas de rendimento devido ao confinamento e, dessa forma, reduz os efeitos suplementares do lado da procura, ou os efeitos "multiplicadores", do confinamento. Quanto maior for a dimensão do estímulo orçamental em relação ao PIB, menor será o efeito multiplicador do confinamento e, por conseguinte, menor será proporcionalmente a perda de horas de trabalho. Isto é exactamente o que o estudo da OIT revela.

O estudo da OIT faz uma estimativa adicional, da dimensão do estímulo orçamental em relação às horas de trabalho perdidas. Ele converte as horas de trabalho perdidas em empregos equivalentes a tempo inteiro. Além disso; também converte o estímulo orçamental em empregos equivalentes a tempo inteiro através da estimativa da expansão da actividade económica a que o estímulo teria dado origem. O rácio entre os dois dá a dimensão do estímulo orçamental em relação à magnitude das horas de trabalho perdidas. E verifica-se que entre todas as regiões do mundo, tomando "América Latina e Caraíbas" e "África Subsaariana" como regiões isoladas, o Sul da Ásia teve a mais baixa dimensão de estímulo orçamental em relação às horas de trabalho perdidas. E mais uma vez, a principal razão para o fraco desempenho da Ásia Meridional a este respeito foi a mesquinharia orçamental da Índia.

Esta constatação tem duas implicações óbvias. Primeiro, que a insignificância do estímulo orçamental na Índia agravou a perda de horas de trabalho através do aumento dos efeitos multiplicadores da perda inicial devida aos efeitos directos do confinamento, o qual por sua vez foi extremamente severo no caso da Índia. Em segundo lugar, que um estímulo orçamental, para além do seu impacto na perda de horas de trabalho, proporciona apoio ao rendimento dos trabalhadores; é um meio essencial para mantê-los à tona no meio da crise económica provocada pela pandemia. A mesquinhez do governo indiano é, portanto, duplamente condenável: prejudica os trabalhadores de duas formas distintas cujo impacto foi aditivo. Feriu-os ao agravar um confinamento já draconiano e feriu-os ao não lhes proporcionar o socorro adequado quando eles mais precisavam. Isto mostra que o governo indiano está não só entre os governos os mais incompetentes como também entre os mais indiferentes do mundo no contexto da pandemia.

Para a Índia que supostamente tem uma economia robusta, como os sucessivos governos centrais têm proclamado em alta voz, a mesquinhez do estímulo orçamental pode ser atribuída à mentalidade cruenta do governo; mas no caso de um grande número de outros países do terceiro mundo, eles têm pouca escolha na matéria. O relatório da OIT mostra que a dimensão relativa do estímulo orçamental tem sido escassa em grande parte do terceiro mundo. As suas economias na era neoliberal foram reduzidas a um estado em que qualquer estímulo orçamental adequado exigiria dívida externa adicional; e tal endividamento não está acessível.

Portanto, tem havido uma extrema diversidade na resposta orçamental dos diferentes países ao confinamento causado pela pandemia e à consequente perda de trabalho. Se bem que os países avançados tenham sido muito mais generosos nos apoios orçamentais às suas economias, e em particular para os trabalhadores, os países do terceiro mundo têm sido extremamente mesquinhos, não necessariamente por opção própria (excepto no caso da Índia) mas principalmente por compulsão. Devido a este facto, a pandemia tem sido particularmente severa para os trabalhadores do terceiro mundo, em comparação com os dos países avançados. Os infortúnios dos primeiros não visitaram os segundos com a mesma intensidade.

Os trabalhadores de todo o mundo certamente sofreram, ao passo que os multimilionários nunca estiveram tão bem (People's Democracy, 18-25 de Outubro [NR] ). Mas entre os trabalhadores, os sofrimentos dos trabalhadores do terceiro mundo têm sido particularmente intensos, o que é uma resultante da perda de autonomia dos governos do terceiro mundo na era da globalização.


O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2020/1101_pd/labour-hours-lost-during-pandemic